O voo dos passarinhos ou uma reflexão (séria) sobre o jornalismo a propósito de Entre-os-Rios
Estava escrito na cara e da voz do jovem repórter que tinha sido apanhado desprevenido pelo directo que lhe passavam do estúdio. Balbuciou as generalidades do costume, sobre a dor, luta e raiva (infeliz trocadilho com o nome da freguesia) das «gentes pobres e humildes» de Castelo de Paiva, enquanto olhava desesperadamente em volta à procura de alguém a quem pudesse por o microfone junto à boca. Ele o câmara descobriram ao mesmo tempo o alvo (a vítima) – um trintão que bebia ice tea por uma lata, enquanto olhava com um ar perdido para as águas caudalosas do rio.
«Perdeu alguém na tragédia?». Não, não tinha perdido, não era de cá, era de Vila Franca de Xira. «E então veio cá porquê, tem familiares aqui?». Não. Foi a Castelo de Paiva porque achava que quando se trata de grandes acontecimentos é melhor presenciá-los ao vivo do que na televisão!
A caixa que mudou o mundo tinha banalizou a catástrofe colocando-a ao nível do espectáculo, de um jogo de futebol que deve ser mais emocionante vivido no estádio do que no sofá, em frente a um televisor sintonizado na Sport TV.
O colapso da ponte de Entre-os-Rios foi uma tragédia em que morreram 59 pessoas e os restos da dignidade dos três canais generalistas de televisão que, tal como os abutres, montaram o seu circo particular nas margens do rio, ansiosos por transmitir, em directo para todo o país, o espectáculo da morte e da dor.
Sem nada para reportar, não respeitaram o luto da população, torturando os desorientados paivenses com perguntas idiotas.
Nos intervalos do nada, havia alguma agitação e registavam as visitas dos políticos, que se sentem mais atraídos pelas câmaras de televisão do que os girassóis pelo sol.
O que é que as televisões estavam lá a fazer, quando a melhor expectativa de imagem que podiam colher em directo era o macabro e improvável resgate de cadáveres pelos mergulhadores? Mas os três canais estiveram lá aquartelados durante 22 longos dias a fio, preenchendo horas e horas de emissão com directos estúpidos, um preço elevadíssimo que pagaram por uma única imagem que valia a pena - a retirada das águas do rio da carcaça do autocarro.
E, cheios de medo uns dos outros, apesar da operação ser ruinosa de todos os pontos de vista, só levantaram âncora de Entre-os-Rios após terem obtido a garantia de que os concorrentes que saíam ao mesmo tempo. A coragem e a luz própria não são o forte dos panditas dos nossos canais de televisão.
Os chefes que comandam os fluxo informativos em Portugal não são estrelas, porque não têm luz própria, mas sim planetas que reflectem a luz alheia.
São medrosos que, com medo de errarem, não ousam fazer escolhas diferentes da concorrência! São como os passarinhos. Estão todos num galho. Mas, mal há um que levanta voo e vai para o outro galho, os outros vão logo todos atrás.