Afoito de Rei e Oito
Jogar poker, na sua variante aberta, pode ser tão estimulante como ler um thriller de Dan Brown, Ken Follet ou Robert Ludlum - e quase tão apaixonante como devorar, uns atrás dos outros, episódios de
Resumindo, em benefício dos agnósticos, no poker aberto cada jogador recebe duas cartas, só para os seus olhos, após o que vão sendo sucessivamente expostas mais cinco cartas, à vista e para uso de todos.
As apostas são feitas carta a carta. Ganha quem chegar ao final com o jogo mais elevado. O menu, hierarquizado, começa com o Royal Straight Flush - a sequência máxima (A,R,V,D,10 de espadas), o jogo de uma vida - e acaba com um par (dois 8, por exemplo).
O poker joga-se num estado de alerta e tensão. Sempre que sai uma carta para a mesa, temos de camuflar as nossas emoções (não deixando transparecer se é ou não boa para nós) e tentar ler reacções no rosto ou tipo de aposta dos adversários. E é obrigatório estarmos sempre a recalcular as nossas hipótese de alcançar uma combinação de cartas superior à dos outros jogadores.
Ver a primeira carta aberta na mesa não custa dinheiro e pode dizer muito. Se temos, por exemplo, dois reis (R) na mão ficamos logo com o chamado trio à cabeça. Há uma elevada probabilidade conseguirmos fazer um poker (quatro cartas iguais) de reis ou um fullen (um trio e um par). Basta nas quatro cartas que faltam sair o quarto rei ou duas delas serem iguais (dois valetes por exemplo).
Um 10 e valete de jogo de mão também é muito promissor, pois está aberto para todas as sequências - máxima (A,R,V,D,10), média (RVD10,9), mínima (V,D10,98) ou asa de mosca (A,V10,9,8). Já um rei e oito de mão é catastrófico. Não dá para construir qualquer espécie de sequência e só muito dificilmente conseguirá um fullen. Jogador que se preze desiste logo se o seu jogo de mão for R e 8 – a não ser que seja optimista e a primeira carta aberta na mesa for um rei ou um oito.
O poker é um jogo muito atraente, pena que tenha de ser jogado a dinheiro.
Mas há outros jogos inteligentes, que não obrigam a dinheiro em cima da mesa, como o bridge (um das coisas que mais lamento na vida foi não ter aproveitado a tropa para o aprender a jogá-lo) e o king - as duas últimas e o leilão das festas são belos exercícios para as nossas celulazinhas cinzentas.
Há também jogos completamente estúpidos e estupidificantes como o bingo, que não exigem nada do participante. É comprar o cartão e ir anotando os números que saem.
Tenho um grande desprezo pelo bingo e pelos seus praticantes, a quem recomendo sempre que evoluam para jogos que puxem por eles e os obriguem a ginasticar o cérebro e fazer contas de cabeça, como o dominó. a sueca ou até mesmo a bisca. Cheguei mesmo uma vez a pensar, construir um barómetro aferidor da inteligência dos habitantes de um pais usando como base a percentagem da sua população que joga bingo.
Foi por isso com uma enorme alegria que soube que os bingos do clube de futebol estavam a fechar uns atrás dos outros, num efeito dominó, à mingua de clientela.
Um pessimista é uma pessoa que olha para os dois lados antes de atravessar uma rua de sentido único. Um optimista é um jogador de poker que vai a jogo afoito de rei e oito. Eu sou moderadamente optimista – mantenho-me em jogo com rei e oito se a primeira carta aberta for um rei.
É por causa deste meu optimismo moderado que me atrevo a ler nas folhas de chá e a ver nesta deserção dos jogadores de bingos um sinal benigno - de que a generalidade dos meus compatriotas talvez estejam a ficar menos preguiçosos e mais exigentes.