A terrível maldição em que incorreu a Torralta
No estertor do Estado Novo, a Torralta também se lembrou de usar o meu apelido em vão.
O capitalismo popular estava eufórico e ao rubro (1), quando a Torralta resolveu tentar convencer o pessoal a subscrever as suas acções com um anúncio em que era apresentada uma família portuguesa alegadamente típica – bebia esta sua aparente tipicidade no facto de ser proprietária de acções da Torralta e de um cão chamado Fiel.
Chegados a este ponto, acho que já compreenderam a origem de todas as desventuras, infortúnios e desacatos que nos 30 anos seguintes desabaram em cima do irmão Silva, dos accionistas da Torralta e do projecto turístico de Tróia.
Só para terem uma ideia do alcance da maldição em que incorreram no impensado acto de aprovarem o anúncio da família com acções e cão, devo informar-vos que nem o grande Belmiro de Azevedo ficou imune.
A própria Sonae começa a sentir a fundar-se nas areias movediças de Tróia – e foi obrigada a pagar em espécie (22 casas) trabalhos de construção civil encomendados à Soares da Costa. Ao que isto chegou!
Não tenho (nunca tive) por hábito ameaçar. Condeno todas as ameaças.
Fico mesmo muito irritado quando alguém profere a cobarde frase: “Ou te calas com isso, ou eu desfaço-te esse focinho” - sendo que o inicio da frase pode ser substituído por outro arranque, do estilo, “ou paras de dizer que a minha irmã já dormiu com um terço dos filhos da puta do liceu, ou eu ponho a tua cara num tal estado que nem a tua própria mãe te vai reconhecer”.
O “agarrem-me, senão eu dou cabo dele!” é portuguesmente triste. Uma pessoa séria não ameaçar dar nas trombas – dá e pronto! Tipo Pearl Harbour. Pisou a linha, habilitou-se às consequências. Tipo Guerra dos Cinco Dias ou blietzkrieg.
Primeiro, enfia-se um murro no nariz e outro no plexo solar (abrir com uma cabeçada no nariz é uma variante muito honesta, uma coisa ao estilo da Defesa Siciliana).
Depois, acorrem os assistentes, disfarçados de batalhão informal dos célebres Capacetes Azuis, a separar o agressor e a vítima.
No final, iniciam-se a conversações de paz sob a égide da ONU.
Esta é a fita do tempo adequada a uma rixa.
Pondo uma pedra no affaire Torralta (e parafraseando o camarada Coelhone), quem se mete com o Fiel, leva!
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(1) O colorido desta qualificação revela-se particularmente apropriado, porque um dos papéis mais procurados era o do BIP, um banco dirigido por Jorge Brito, um especulador bolsista celebrizado na Primavera Marcelista que em vida se distinguiria ainda como grande coleccionador de Viera da Silva e futuro presidente do Benfica.