A filha que foi atropelada na passadeira, o sogro com Alzheimer e a mulher com cancro na mama
A gravidade de chegar atrasado a um encontro – ou até mesmo não comparecer – é tal que os perpretadores são, no mínimo, obrigados a apresentar desculpas suficientemente brutais e imaginativas para levarem as vítimas a ponderar aceitá-las.
Desculpas do estilo “estava muito trânsito”, “tive um furo”, “fiquei sem gasolina”, “apanhei um acidente na auto-estrada”, “venho de uma reunião que nunca mais acabava” não valem um tostão furado e estão mais gastas que as meias Ecco bordeaux que adquiri em 1995.
Em nome da criatividade e de um resto de respeito pelas vítimas do atraso alheio, passo a inventariar quatro desculpas aceitáveis.
“A minha filha foi atropelada na passadeira e tive de a levar ao hospital”
Ora aqui temos uma boa desculpa, capaz de absolver um atraso superior a meia hora (se não houver lugar a amputações) ou até mesmo uma falta (mas pode ver-se na contingência de apresentar uma filha estropiada) contanto que seja verdadeira. Não se esqueça que pode deitar tudo a perder se responder “Que filha? Que eu saiba não tenho filha nenhuma…” quando a vitima lhe telefonar no dia seguinte a inteirar-se do estado de saúde da sua filha.
“Atrasei-me a sair de casa porque o meu sogro, que está com Alzheimer, queria bater na minha sogra, que está entrevada na cama”
Mais uma excelente desculpa, mas que deverá abster-se de usar com as pessoas que conheçam os seus sogros e saibam que eles são saudáveis e vivem em Olhão, em casa do seu irmão mais velho que é médico.
“Desculpa lá não ter aparecido, mas comecei a sentir um dor no peito, suores frios, vim ao hospital e eles não me querem deixar sair, porque desconfiam que estou a fazer um enfarte”
Uma desculpa de primeiríssima água, mas deve certificar-se previamente de que as pessoas que estão sentadas ao seu lado, na mesa da esplanada, não vão tecer comentários em voz alta acerca da sua enorme lata - pelo menos durante o telefonema.
“Peço muito desculpa mas atrasei-me porque a minha mulher começa amanhã uma série de tratamentos no IPO e pediu-me para a levar ao cabeleireiro – sabe, pode ser a última vez...”
Magnífica desculpa que tem o único inconveniente da vítima se convencer de que você é um adultero sem coração quando no fim de semana a seguir o encontrar de mão dada no cinema com um mulher com farta cabeleira (que por acaso é mesmo a sua).
PS. Não sei se já perceberam, mas eu também começo a ficar contaminado pelo fuso horário de Varsóvia J