Não se deve usar o Ponto G como bode expiatório
“Grande gaita, escrever sobre o famoso Ponto G. E gozo, também, que dá ler sobre algo de que toda gente fala, fala, fala, mas parece que ninguém sabe se existe mesmo, se está apenas nos estudos ou se é, de facto, transponível para os nossos corpos.
Pois. Ele é ler nos artigos que nem todas as mulheres o têm ou que as que o têm nem sempre têm a sorte de encontrar o garoto que faça o Ponto G gemer por se ter tido o mérito, la chance e/ou a perícia de se ter chegado a ele comme il faut, em vez de tanto se falar, escrever e ler sobre ele como nos mostram detalhadamente os tais artigos que indicam o ‘mapa da mina’ e como chegar até ao fim do arco íris com sucesso . Essa é que é essa”
Sete anos de mau sexo, Ana Anes, página 87
Escrever bem e com cuidado é bem melhor que escrever como quem põe uma carta no correio – e quem disser o contrário mente com quantos dentes tem na boca (e olhem que os postiços também valem).
Nestes dois singelos parágrafos, a autora adverte-nos para a tentação de usarmos o ponto G como bode expiatório para uma queca de deficiente qualidade.
Diz o povo que a culpa morreu solteira e é demasiado fácil atirar a culpa por cima do outro/a. “A queca foi uma merda porque tu não tens ponto G”, atira o rapaz. “A queca não valeu nada porque tu não soubeste encontrar o meu Ponto G”, contra-ataca a rapariga.
Ora esta troca de recriminações não pode acabar em bem, pelo que as partes devem abster-se de assacar ao Ponto G a responsabilidade por uma confraternização menos conseguida.
Filmes com Le Genou de Claire (de Eric Rohmer) - onde Laurence de Monaghan (no papel de Claire) se excitava quando lhe acariciavam o joelho - ou Garganta Funda (o Ponto G da Linda Lovelace alegadamente situar-se-ia junto às amígdalas) provam-nos que os mistérios insondáveis do corpo, assim devem permanecer -misteriorosos.
A tentativa de cartografar o corpo feminino é um erro crasso que todos nós devemos combater sem descanso.