Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Dom | 15.02.09

Não devemos deixar que a cama seja invadida pela gramática da civilização do telecomando!

Jorge Fiel

A belíssima Cláudia Cristiani porta-se mal em público porque, na sombra, o perverso dr. Fez activou no máximo das necessidades, através do seu malvado telecomando, o centro que comanda desejo sexual

 

“O Ponto G deve ter sido inventado por algum cientista incapaz de satisfazer a partenaire ou então por uma mulher – lá diz a sabedoria popular que são maquiavélicas – que não conseguia ou podia de alguma forma ‘subir uma oitava’, como é suposto fazerem as mulheres ‘normais”

Sete anos de mau sexo, Ana Anes, página 88

 

Em Clic, a mais famosa das bd eróticas de Milo Manara, são sucessivamente contadas as embaraçosas situações vividas por Cláudia Cristiani, uma mulher da alta sociedade, casada com Aleardo, um velho milionário cuja fealdade contrasta com a esplendorosa beleza da sua jovem esposa.

No início da história, a sensual Cláudia é recatada e pudica, travando com determinação os avanços do dr Fez, um velho sátiro que tenta por todos os meios, mas sem sucesso, saltar-lhe para a cueca.

Para se vingar de Cláudia, que o classifica como repugnante, o perverso dr Fez leva a cabo as três malfeitorias que estão na base do desenvolvimento da história:

1.     Apodera-se de um invento do dr. Kranz, que consiste num processo de instalação o centro cerebral do prazer um chip que pode ser comandado externamente;

2.     Rapta Cláudia;

3.     Sem ela dar conta implanta-lhe no cérebro o chip inventado pelo dr. Kranz.

As histórias (sim, Milo Manara não resistiu à tentação de capitalizar o estrondoso sucesso do Clic para fazer uma data de sequelas, Clic 2, Clic 3, Clic 4, pois eu ainda não tenho a certeza de que ele tenha já parado de explorar esta mina) desenvolvem-se com base nas patifarias do malvado dr Fez.

Transportando sempre no bolso das calças o comando, de apenas oito centímetros (ou seja metade do tamanho mínimo regulamentar exigido a um instrumento humano susceptível de provocar os mesmos efeitos), o perverso Fez diverte-se a libertar, à distância, pelo simples acto de rodar um botão, os desejos sexuais mais ocultos da bela Cláudia.

O moral desta história é que a Humanidade não descansa enquanto não consegue controlar os humores da Natureza e que essa obsessão criou um sociedade On e Off em que não conseguimos viver sem telecomandos.

Quando chegamos a casa, não precisamos de sair do carro para abrir a porta da garagem. Quando estamos a ver televisão não precisamos de nos levantar para mudar de canal. Quando estamos na sala a conversar não precisamos de nos levantar para baixar o volume da música que está a tocar na aparelhagem.

A invenção dos Viagras (ou, se quiserem, o invento do dr Kranz, a parábola achada por Milo para abordar esta questão) permite estender à cama a gramática da civilização do telecomando, já que passa a ser possível agendar, com garantia prévia de sucesso, uma queca para um intervalo entre dois compromissos inadiáveis.

A tentativa de mapear o Ponto G mais não é de que um passo para a elaboração de manual de instruções sobre como libertar os instintos libertinos de uma mulher – de onde se partiria inevitavelmente para a democratização, industrialização e consequente banalização do acesso.

E se se descobrisse que nem todas as mulheres vêm equipadas de origem com o Ponto G, não tardaria muito até que se inventasse uma prótese (um chip do tipo do dr Kranz!), cuja implantação geraria novas e monstruosas filas de espera no Serviço Nacional de Saúde e contribuiria para degradar ainda mais a sua situação financeira.

Do meu ponto de vista, é melhor deixar ficar tudo como está, não deixando que o método da produção em série, que os fenícios nos ensinaram, contamine tudo. Deixemos espaço para o artesanato!

 

3 comentários

Comentar post