Eu sou lâmina!
Os homens dividem-se em três grandes grupos: os que usam lâmina, os que preferem a máquina de barbear e, por último, os que a aparam com tesoura. Eu sou lâmina!
Devo dizer que rompi com a tradição familiar vigente na geração anterior a mim, que se converteu incondicionalmente às delícias do desenvolvimento tecnológico - o que é digno de elogio, na justa medida em que revela mentes abertas à mudança e modernidade.
O meu pai era fã da máquina de barbear e o meu tio é da mesma obediência.
Quando uma penugem à Che Guevara começou a despontar na minha cara, experimentei a Philishave (de duas cabeças) do meu pai, mas a experiência não satisfez.
Era tudo mau. Sem ponta por onde se lhe pegasse. Desagradava-me o barulho. O contacto das rodas com a pele trazia-me logo à cabeça a palavra repelente. E, como agravante, irritava-me solenemente o facto de ter de proceder com alguma regularidade a uma metódica limpeza dos pêlos acumulados no interior das cabeças. Era tudo uma enorme chatice. Um pincel!
Por falar em pincel. Apesar de na minha adolescência (que foi mais dura que alguns bifes) me ter convertido à sóbria e tradicional eficácia da lâmina, acho que nunca cheguei a ser proprietário de um pincel. Desde cedo comecei a usar espuma de barbear.
Devem contar-se pelos dedos das mãos e pés de um sujeito não aleijadinho (20 no máximo, portanto) as vezes que, para fabricar uma mistura susceptível de amaciar a barba, misturei creme e água com o auxílio de um pincel que habitava o armário da casa de banho do 2º andar do 304 da avenida Rodrigues de Freitas desde os tempos do meu avô Jaime da Ressurreição Fiel, inspector (fardado) dos picas da Carris do Porto, e que se fez rapaz no tempo em que a bandeira nacional ainda era azul e branca (cores muito bonitas, por sinal).