Piotr Ozanski, furioso assentador de tijolos
À epopeia da construção da proletária Nowa Huta não podia faltar um herói stakhanovista, a patranha inventada pelos soviéticos para tentar convencer o pessoal a matar-se a trabalhar – e, ainda, compor, para consumo externo, a imagem da URSS como um paraíso socialista (cruzes canhoto!).
Mal comparado, o stakhanovismo é uma espécie de fenómeno do Entroncamento (1) à moda soviética.
Alexey Grigoryevich Stakhanov, o herói acidental escolhido pelo regime soviético para glorificar o trabalho, tinha 29 anos e era mineiro na obscura localidade de Kradiyivka, no Leste da Ucrânia, quando emergiu do anonimato directamente para a capa da Time Magazine de 16 de Dezembro de 1935.
Este salto gigantesco, bem maior do que o que valeu a medalha de Ouro a Nélson Évora nos Jogos Olímpicos de Pequim, deve-se ao facto de lhe ter sido creditada a extracção de 102 toneladas de carvão em 5h45 minutos, ultrapassando em 14 vezes a quota fixada pelos planificadores.
O nosso Stakhanov não se ficou por aqui. Nestes casos, convém sempre haver uma confirmação – reparem que, em Fátima, a Virgem Maria não se limitou a aparecer uma vez aos pastorinhos.
Um pouco mais tarde, o herói soviético da batalha da produção atirou-se para o chão (com isto quero dizer que se esmerou), e a acreditar na propaganda do PCUS (2) terá extraído 227 toneladas num só turno!
Para ele foi melhor que lhe ter saído o jackpot no Euromilhões. Rapidamente foi promovido a engenheiro, passou a dirigir minas (o que, convenhamos é muitísimo melhor do que escavá-las), libertou-se da lei da morte dando o nome à cidade que foi o cenário das suas alegadas proezas (Kadiyiva foi rebaptizada Stakhanova), deu origem a um substantivo, recebeu numerosas condecorações (entre as quais duas ordens Lenine e uma da Ordem da Bandeira Vermelha), foi proclamado Herói Socialista do Trabalho e acabou deputado ao Soviete Supremo.
Que mais um homem pode ambicionar na vida?
Pois, na construção de Nowa Huta, foi solicitado aos polacos que arranjassem um herói stakhanovista e o feliz contemplado foi Piotr Ozanski, a quem foi creditada a façanha de ter assente 33 mil tijolos num dia.
Basta seguir o sábio conselho do camarada Guterres para verificar que é peta. Mesmo que o Piotr tivesse assente tijolos durante 24 horas seguidas, isso equivaleria a 1.375 tijolos por hora e a 23 tijolos por minutos. Até me apetece dizer uma asneira (3).
O camarada Stakhanov em plena acção
(continua)
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(1) Nos anos 50 e 60, os correspondentes do Século e Diário de Notícias no Entroncamento rivalizavam na apresentação aos leitores destes dois diários lisboetas de aberrações produzidas pela Natureza. A primeira destas aberrações terá sido uma abóbora com mais de 50 quilos que um comerciante local expôs na montra da sua loja. A partir daí foi sempre a subir e a delirar. Pepinos gigantes, galinhas com duas cabeças, tomates descomunais geminados – e assim por diante.
(2) Para os mais esquecidos e mais novo recordo que PCUS são as iniciais de Partido Comunista da União Soviética, a denominação que após a revolução de Outubro foi dada ao partido bolchevique.
(3) O Piotr Ozanski que vá assentar tijolos para o caralho!