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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Qua | 29.10.08

A equação coca + sexo = momento perfeito, um Rolex, os ossos da catedral e o fim do Mundo

Jorge Fiel

 

O tempo – refiro-me ao tempo tiquetaque, não ao metereológico – é um grande curandeiro, muito melhor que sulfamidas quando se trata de cicatrizar todo o tipo de feridas (e olhem que as piores são as que não deitam sangue!).

Mas é muito mais do que isso. O tempo é um poderoso filtro que peneira e classifica as nossas recordações, ordenando-as pela importância que lhes atribuímos - e arrumando-as depois, em conformidade, nas estantes e gavetas da nossa memória.

Se me perguntarem agora, assim de repente, as mais fortes recordações que guardo da manhã passada, há coisa de dois meses, em Wawel, eu começo por me refugiar em generalidades, como a grandiosidade da arquitectura e a calma beleza das vistas.

Num segundo momento, falando de coisas concretas, as impressões mais fortes que guardo são a da ossada, pendurada junta à entrada da catedral, e do quadro “Tributo prussiano” de Jan Matejko.

Passo a explicar, começando pelos ossos. Na entrada da Catedral de Santo Estanislau e São Venceslau é visível a ossatura de uma criatura (alegadamente um dragão).

Coisa banal e sem importância, se atendermos que além de salão de festas, a catedral de Wawel serviu, através dos séculos, de cemitério de ilustres reis, bispos, cardeais e generais (as cinzas do prezado Tadeusz Kosciusko lá estão na cripta). Está tão repleta de sarcófagos que desconfio está lá mais gente do que num cemitério português de província.

O sino de Sigismundo, que pesa duas toneladas, é a atracção sublinhada por todos os guias de Cracóvia, mas o que mais me atraiu a atenção foram os ossos da entrada. Por causa da lenda.

Reza a lenda que a queda desses ossos será o prenúncio do Apocalipse, sinal de que o Mundo está prestes a acabar.

Se eu fosse rico, não desperdiçaria esta magnífica oportunidade. Tratava logo de instalar uma câmara de televisão apontada para os ossos da catedral que transmitisse permanentemente e em directo para uma janela aberta no ecrã do meu portátil LG.

Mal caísse um ossinho que fosse, eu accionava o meu plano de emergência e desatava a fazer todas as patifarias que reprimo - e a entregar-me aos vícios que controlo.

Para começar, acendia logo um cigarro enquanto pensava em que restaurante me iria empanturrar com uma refeição rica em colesterol e num plano de teste aos limites do meu cartão de crédito.

No caminho para o restaurante, parava numa relojoaria para comprar finalmente um Rolex verdadeiro (hesito entre o Day-Date e o Submariner), que mediria o tempo que faltava para fim do Mundo.

Ah, e era rapaz para apurar pessoalmente se a equação sexo+coca= momento perfeito sempre é verdadeira, o que poderia muito bem ter como consequência antecipar a minha partida para as grandes planícies, poupando-me assim a assistir ao fim do Mundo propriamente dito…

Acho que nunca ninguém valorizou devidamente o extraordinário valor do “inside trading” de uma informação tão preciosa como a proximidade do fim do Mundo.     

Se bem que, pensando melhor e atendendo ao trágico naufrágio em curso das bolsas mundiais, começo a desconfiar que os gestores dos fundos tiveram a informação privilegiada da queda de um ossinho em Wawel e desataram as despejar as suas carteiras e a fazer “short selling”, sem dó nem piedade…

Pelo sim, pelo não, deixo ficar para amanhã o relato das minhas impressões sobre o “Tributo prussiano”, do Matejko, e vou já mandar um mail ao meu primo Fernando a perguntar-lhe se ele não se importa de dar uma saltada ao Wawel e verificar se os ossos da entrada da catedral estão todos no sítio.

  O preclaro general Kosciusko

(continua)

 

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