Sim, eu ressono!
Não o digo por testemunho directo. Nunca me dei ao trabalho de adormecer com um gravador ligado para confirmar o que me garantem pessoas que me são bastante próximas. Eu ressono. Não tenho orgulho nisso. É embaraçante. Evito adormecer em comboio e aviões, com o medo de acordar com toda a gente a dirigir-me olhares reprovadores.
A culpa é de uma malformação anatómica. A idade, o excesso de peso e a hipertensão não ajudam. Mas o problema é que nasci com o nariz muito mal dividido. Uma das minhas narinas é surda – praticamente não funciona.
Há uns cinco ou seis anos, estive a um pequeno passo de resolver o problema. Levei o meu filho Pedro ao otorrino, onde confirmei que se ele não ouve o que lhe dizemos à primeira não é por razões médicas mas antes porque está quase sempre, na lua - o que até se compreende aceite, já que ser astronauta é o seu sonho de criança.
No final da consulta, tentei uma espécie de «dois em um» e perguntei ao médico se ele não se importava de me inspeccionar as fossas nasais. No final de um rápido exame, o simpático dr. Pantalião apresentou-me duas soluções alternativas: a clássica (ser operado) ou um tratamento em duas sessões que me poderia aliviar das periódicas e infernais dores de sinusite e da apneia do sono -que é como as pessoas instruídas chamam ao ressonar.
O tratamento consistiu essencialmente na administração de choques eléctricos no interior de cada narina. No final, havia no ar um ligeiro cheiro a carne assada (era minha..) e o meu nariz expelia uma pequena nuvem de fumo em tudo idêntica à que, nos filmes, sai dos canos do revólver depois do tiro.
Nos primeiros dias a seguir aos choques, uma incómoda incontinência nasal (diferente, portanto, da do dr Basíilio, da API) obrigou-me a despesas suplementares com a limpeza a seco de gravatas. Mas valeu a pena, porque nunca mais tive dores de sinusite, - apesar de continuar a ressonar, ou, se preferirem, a sofrer de apneia do sono.