O estranho caso dos dentes 31 e 32
Na hora da despedida do Governo, Miguel Cadilhe embrulhou numa frase a amargura que sentia: «A lealdade é como o guarda-chuva. Só se dá pela falta dele quando chove».
Neste delicado momento, em que os meus dentes 31 e 32 (para os leigos, informo que são dois da frente, no maxilar inferior) correm perigo de vida, apetece-me adaptar esta máxima: Só se dá pelos dentes quando eles doem.
A dor chegou de pantufas e foi subindo até ganhar expressão física - o queixo inchou ao ponto de fazer inveja ao próprio Frankenstein – e exigir uma ida ao dentista mais próximo, em Lagos.
Radiografada a mandíbula, o diagnóstico veio rápido. Tenho um quisto, de grande dimensão, alojado sob os dentes 31 e 32, o que levou o dentista a decretar-lhes uma certidão de óbito antecipada.
A dor e inchaço, debelados pelo cocktail analgésico/anti-inflamatório/antibiótico, foram substituídos pela antevisão dos problemas. Familiares e amigos obrigaram-me a não equacionar a possibilidade de deixar o espaço vago. Por razões estéticas, mas também práticas. «Como é que vais poder trincar uma maçã com casca?» foi o argumento decisivo que me levou a abandonar a hipótese desdentado. A solução dentadura afastei-a liminarmente.
Na minha remota adolescência fiquei traumatizado quando soube que uma antiga namorada, com quem praticara intensamente a técnica do beijo francês, usava dois dentes postiços - e logo os da frente e de cima. Os meus dentes serão sempre escovados «in su situ» e nunca cá fora! A alternativa implantes é astronomicamente cara. Atendendo à minha idade, o investimento nunca seria amortizado.
Valha-nos que a minha médica dentista, Teresa Alves Canadas, é um anjo e depois de examinar tudo muito bem deu-me esperança. Acha possível remover o quisto e manter os dentes 31 e 32. Deus a ouça.
PS. Esta história teve, pelo menos até agora, um fim feliz. Os meus dentes 31 e 32 têm-se aguentado à bronca.