A possibilidade de uma cebola
Desde que me lembro, tenho uma excelente relação com a cebola, que muito aprecio, quer na versão sushi quer cozinhada.
Se me perguntarem qual o meu molho preferido, eu não hesito um micro-segundo sequer antes de responder: molho verde.
Molho verde é a designação nortenha para o conjunto constituído por cebola e salsa picadas a navegarem em azeite, temperado por umas gotas de vinagre e uma pequena nuvem de pimenta.
Sem ofensa para o “pulpo a galega” (nem desprimor para o colorau), a paixão que tenho pela salada de polvo com molho verde está, na minha escala de preferências, a par com a obra de Tom Sharpe e o rock sinfónico dos Moody Blues.
O molho verde (com muito azeite!) também acompanha muito bem lulas grelhadas com batatas cozidas e punhetas de bacalhau.
Estou em crer que o velho Ludwig escreveu a Nona a pensar num bife de cebolada. E a minha passagem de um ano pela Madeira (onde servi a pátria como a aspirante a oficial miliciano, com a especialidade de Anti-Carro e Morteiro Médio, tirada durante quatro longos meses na Escola Prática de Infantaria, em Mafra – o famoso Calhau) iniciou-me nas delícias dos bifes de atum fritos, a nadarem numa farta cebolada.
Durante alguns anos contornei o exorbitante preço do atum fresco nas bancas de peixe (onde, como agravante, nem sempre marca presença) adquirindo a preço módico no Lidl umas embalagens de filetes de atum congelada.
Por motivos a que, quero crer, a ASAE é alheia, essas maravilhosas embalagens desapareceram, com grande pena minha, das arcas congeladores dos Lidl.
A cebola fica também a matar quando guisada com azeite e couves de Bruxelas. E a acompanhar o tomate nos molhos à espanhola também não é nada de deitar fora.
A minha conversão à salada de tomate com mozarella fresco (com muito azeite, vinagre balsâmico e orégãos) não me impede de ter fortes saudades da salada de tomate à antiga portuguesa, em que as rodelas de tomate conviviam alegremente com as suas homónimas rodelas de cebola tomate, tudo regado com um molho avinagrado e sal, muito sal.
A cebola é um ingrediente que aprecio nas suas múltiplas declinações, seja na pizza seja nos “onion bahji” num indiano.
Há cerca de dez anos tive uma epifania no Old Mc Sorleys, nas bordas da East Village (15 East Street, 7th Av. junto à Astor Plaza), em Nova Iorque, quando pedi uma fatias de cheddar americano para acompanhar um par de canecas de cerveja escura da casa e o queijo veio acompanhado de crackers e rodelas de cebola crua. Experimentei e só vos digo: é um casamento fabuloso! Supimpa!
Fiquei de tal modo entusiasmado com esta descoberta (a fantástica relação entre o queijo e a cebola) que na primeira paragem que fiz na Strand comprei logo um volume com as melhores histórias publicadas no ano anterior no Onion, para oferecer ao meu amigo Daniel Deusdado, gesto que poderá assegurar que o meu nome numa nota de rodapé quando um dia se fizer a história do Inimigo Público.
Já que estamos em Nova Iorque, devo confessar-vos que estou em crer que devemos aos americanos essa maravilhosa invenção que dá pelo nome de “onion rings”, que constam obrigatoriamente do meu pedido sempre que almoço ou janto num “dinner”.
Um último esclarecimento. Este amor antigo que tenho pela cebola não faz de mim pessimista. Não, não sou daquelas pessoas olham a vida como uma cebola que se descasca a chorar.