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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Sex | 18.07.08

O murcho final da história de uma foda encravada

Jorge Fiel

Nunca fui às putas. Uma viagem de Inter Rail pela Europa, em 1972, dispensou-me do recurso a profissionais para a minha iniciação à coisa do sexo.

Nem todos os rapazes da minha geração tiveram esta sorte.  Foi entre copos de cerveja, no Paju, que ouvi o mais extraordinário relato de ida às putas.

Nos anos 80, o Paju, na rua Faria Guimarães (Porto), era a Meca nocturna visitada pelo pessoal do “Comércio do Porto” (e não só) depois de fechado o jornal.

O cheiro a tinta dos primeiros exemplares do “Comércio” a saírem da máquina convivia alegremente com as canecas de cerveja que aviávamos a bom ritmo -  o que favorecia a sua qualidade futura pois, como presumo todos sabem, quanto maior for a rotatividade dos barris melhor é a cerveja, que começa a perder qualidades logo que sai da bica.

Discutíamos o jornal que tínhamos acabado de fazer, falávamos do do dia seguinte, ceávamos, bebíamos cerveja, dizíamos e fazíamos disparates enquanto o Paulo atendia pacientemente os nossos pedidos, que não raro contemplavam deitar abaixo um panelão de tripas à moda do Porto.

Paulo estava careca (em ambos os sentidos, o figurado e o literal) de saber que a satisfação da clientela é a condição sine qua non para um negócio prosperar  e por isso, às duas da manhã, fechava a porta, para não incorrer na ira  dos bófias de 9º esquadra , mas mantinha o Paju aberto enquanto houvesse freguesia a consumir e abria a porta com gosto ao pessoal conhecedor e conhecido que chegava fora de horas e sabia que não era preciso dizer a senha - bastava bater à porta.

Significa isto que quando o Paju fechava as suas portas (sim, havia mais do que uma, a principal, que dá para Faria Guimarães, e uma lateral, em que a cozinha comunicava com uma ruela) já tinha rompido a bela aurora.

A propósito, recordo que Paju funcionava (penso que ainda funciona mas já lá não vou há uns bons 15 anos, pelo que não ponho as mãos no fogo pela sobrevivência de um bar que usava os vícios como combustível)  numa penumbra própria de um  pub inglês.

Esta penumbra era altamente vantajosa para o Paulo pelos quatro motivos que passo a enunciar:

a)     Poupava na conta da luz;

 

b)    Proporcionava um ambiente acolhedor;

 

c)     Impedia olhos exteriores e hostis de se aperceberem de que estava aberto para além do horário a que estava legalmente autorizado;

 

d)    Salvaguardava a intimidade dos pratos que ele servia de um eventual  escrutínio rigoroso de um cliente abelhudo (e toda a gente sabe quão cuscos podem ser os jornalistas).

 

Após uma noite vivida nesta penumbra, os nossos olhos sofriam quando expostos à agressiva luminosidade do jovem e emergente dia. Foi por essas e por outras que o Abrunhosa passou a usar óculos escuros, mas isso já é outra história, pois esta é sobre relatos de idas às putas escutados pelas frias paredes de pedra do Paju.

A variedade dos temas debatidos às mesas do Paju faria concorrência à Wikipédia, se esta enciclopédia online existisse naquela época em que  éramos meninos (ou meninas ) para fumar três maços de SG filtro por dia e não dispensar o bagaço (ou a mais refinada 1920) a sepultar as refeições.

Numa dessas noites, à falta de melhor, resolvemos partilhar a nossa primeira vez, mas cometemos a imprudência de deixar o JB abrir as hostilidades.

Algumas palavras introdutória sobre o JB, iniciais do nome de um colega nosso, em que o B corresponde ao nome de uma cidade portuguesa  (e não é Beja) cuja fama se acabou por relacionar indirectamente com o tema da conversa .

O JB - como hei-de dizer? - tinha umas ideais muito peculiares que determinavam  escrevesse à velocidade do caracol.  Tinha o mérito de ter inventado uma nova regra do jornalismo  (que apenas ele próprio praticava) que consistia em proibir a repetição da mesma palavra ao longo de um artigo.

Esta regra fez dele um acrobata da língua, danificou irreparavelmente a lombada do seu dicionário de sinónimos e tornou-o proprietário de uma prosa inconfundível, rigorosamente pessoal e intransmissível, mas um tudo nada rebuscada.

Não era rápido na escrita por vias desta mania, que ele, teimoso como um burro, se recusava a abandonar. Os seus maiores detractores diziam que o lugar certo para ele não era um diário mas antes o Anuário que à época era editado pelo Diário de Notícias. Provavelmente tinham razão.

Na oralidade, o JB era um tudo nada mais rápido que na escrita, mas apesar disso, tive de resumir muito a história que ele contou nessa noite no Paju, para evitar que este post atinja a dimensão da lista telefónica de Pequim.

Na verdade, o JB não contou uma mas sim duas histórias, o que teve o condão de colocar em cima da mesa uma questão teórica não negligenciável.

A primeira vez refere-se à primeira vez que nos explicamos (neste caso estaríamos a falar da poluição nocturna involuntária dos lençóis ou do onanismo) ou antes à primeira vez que demos entrada na quente, húmida e acolhedora gruta de uma rapariga?

A interpretação que JB deu à primeira vez levou-o a partilhar connosco aquela tarde quente de Verão em que os pais o deixaram sozinho em casa, ele sentou-se no sofá a ver na televisão, a RTP transmitia uma partida de ténis feminino e os movimentos ascendentes e descendentes das curtas saias das jogadores acordaram-lhe a libido aos gritos, apesar das imagens serem a preto e branco, obrigando-o a desapertar a braguilha e, o resto, bem o resto penso que não é preciso descrever o trabalho manual que se seguiu...

Protestamos. A primeira vez não é a primeira punheta - argumentamos. Acusamo-lo de batotice. Ele tinha que socializar, ali e agora, a primeira vez que tinha estado com uma rapariga, a cores e presencialmente. A custo, lá o convencemos.

A primeira vez do JB tinha sido nas putas, levado por uns amigos mais velhos que achavam que ele já estava mais que maduro para experimentar o mistério da vida e patrocinaram-lhe a excursão com o louvável objectivo de o fazer perder a virgindade.

A descrição que fez da casa batia mais ou menos certa com a que os Táxi fizeram da Rosete. Os amigos levaram-no praticamente ao colo até o deixarem sozinho com profissional, que, conta o JB, estava sentada na cama, tal como tinha vindo ao Mundo, e de pernas tão abertas que até parecia uma santola.

Ele olhou para o local pintado pelo Coubert e ficou alarmado.

Com um rápido olhar, mediu a erecção que se apoderara do seu órgão e a entrada da  garagem onde era suposto estacioná-lo.

Comparou os tamanhos e ficou aflito. Convenceu-se de que não cabia. Ela dizia: anda, anda! Mas ele não andava. Ficava parado a protestar, dizendo-lhe que não ia caber - e não lhe queria fazer mal.

Ela debalde o tentou sossegar. Jurou-lhe que cabia, sim, acrescentando que já tinha alojado no seu interior volumes bem maiores. Mas o JB é muito teimoso e não saía da dele: não cabia!

Quando finalmente ela o convenceu a experimentar, a erecção do JB já tinha desaparecido. E não voltou, apesar dos primeiros socorros administrados localmente pela profissional. O JB teve de bater em retirada, após ter sido vergonhosamente derrotado na sua primeira tentativa de perder a virgindade.

Ficamos fulos. Era a segunda longa história e de primeira vez nada – apenas relatos excessivamente detalhadas de um sucedâneo e um fracasso.

Já era dia. Dissemos ao Paulo para meter a despesa nas nossas contas e fomos embora, chateados pelo fim murcho de uma noite em que o JB confirmou o que já desconfiávamos que ele era: uma autêntica foda encravada.

 

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