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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Sex | 15.02.08

A problemática da moedinha para o arrumador

Jorge Fiel

Não é simples definir e adoptar um política correcta e adequada para fazer face ao fenómeno dos arrumadores de automóveis e ofícios correlativos que infestam as ruas e a todo o custo nos tentam extorquir uma moedinha, invocando pretextos diversos.

Eu decidi ser conivente com a prática e pactuar com a extorsão no caso concreto dos arrumadores com quem estabeleço uma relação regular.

Quando trabalhava no escritório do Expresso do Porto, em Júlio Dinis, tinha dois ou três locais onde aparcava regularmente, que eram território demarcado e supervisionado por arrumadores permanentes.

Habituei esses arrumadores regulares à gratificação diária com uma moedinha de 50 cêntimos.

O entendimento tácito que estabelecia com eles é que esse imposto revolucionário garantia a protecção da viatura por todo o dia. Ou seja se à hora do almoço eu tinha de sair com o carro, estava absolutamente fora de questão ser esportulado em mais 50 cêntimos no regresso. Ni hablar.

Se por algum motivo o arrumador regular não estava no seu posto, ou se aparecia em seu lugar um arrumador espontâneo que eu desconhecia, adoptava a linha dura de não dar a moedinha, fornecendo uma mentira hipócrita em caso de interpelação - «Não tenho dinheiro trocado. Dou-lhe quando voltar».

Abro um parêntesis para avisar toda a gente que andam para ai uns espertalhaços prevenidos, que com quase toda a certeza vão ao banco à hora da abertura para se abastecerem com trocos e assim ficarem habilitados a despistar esse tipo de desculpa.

Eu já dei com um que tinha troco para uma nota de 20 euros, o que me deixou a pensar que ser arrumador de automóveis pode ser uma actividade assaz lucrativa , tanto mais que está a coberto das tenebrosas investidas do Fisco.

A manutenção de uma relação agradável com pessoas em que tenho de tropeçar no dia a dia esteve na origem desta minha decisão de dar a moedinha aos arrumadores regulares.

O meu amigo Manuel Serrão está habituado a dar um euro a todos os arrumadores, mas esta aparente generosidade mergulha as suas raízes no facto de ele estar muito mais exposto ao risco da vingança – materializado em riscos no carro.

Compreende-se a atitude «mãos largas», porque o Manel faz-se transportar num belo Mercedes convertivel, de modelo recente. O meu parque automóvel é constituido por um Mini Clubman de 74 e uma carrinha Fiat Marea de 2001, cheios de ferrugem, amolgadelas e riscos. Por isso, estou por tudo.

Sendo assim, por norma abstenho-me de dar a moedinha a arrumadores que nunca me foram apresentados e em locais onde apenas estaciono episodicamente. Nestes casos, deixo a decisão ao sabor do momento. Se estiver bem disposto, posso dar uma moedinha de 10 ou 20 cêntimos.

A minha relativamente tolerância face aos arrumadores não é extensível a outro tipo de pedintes, como por exemplo:

a)     A velha que está sempre emboscada num semáforo numa das perpendiculares a Júlio Dinis;

 

b)    O deficiente motor que estaciona com uma caixa de pensos no semáforo da esquina da rua que liga Bessa Leite à avenida da Boavista;

 

c)     O marmanjola que percorre Júlio Dinis a interpelar os transeuntes pedindo-lhes uma moedinha para ir comer um sopa;

 

d)    O chato encartado que se acoitou nas imediações do Casad’Oro, junto à ponte da Arrábida, que usa a táctica do desgaste e persegue os clientes à saída do restaurante durante centenas de metros (se for caso disso) esperando vencê-los pela resistência e assim ganhar mais uma moedinha;

 

e)     Os palhaços que aproveitam o facto de estarmos parados num semáforo para desatarem a tentar lavar o pára-brisas sem nos pedirem autoruização (enxoto-os pondo logo o limpa pára brisas a actuar no máximo da sua potência).  

A estes e outros afins não lhes dou moedinha. Já fico com problemas de consciência quando deparo com um tipo que conheci vagamente na minha juventude a pedinchar a moedinha à saída do Pingo Doce da Pasteleira.

Acho cobarde atacar as pessoas quando elas estão a saír do supermercado carregadas de compras. É escarafunchar na mais sensível ferida da nossa consciência judaico-cristã. Mas na maior parte das vezes não consigo resistir e lá lhe dou a moedinha de 50 cêntimos.

Aproveito esta oportunidade, em que estou a abordar a magna e candente problemática da moedinha, para tornar pública a minha mais vigorosa e enérgica condenação à venda de rosas em restaurantes.

Enerva-me estar a jantar com um amigo e chegar um tipo a insinuar que eu sou rabeta já que me pergunta se eu lhe quero comprar uma rosa.

Enerva-me o embaraço de parecer fonas ou insensível quando estou a jantar com a minha mulher e sou alvo dessa espécie de extorsão sentimental por parte dos vendedores de rosas vermelhas.

Por isso, quando estou bem disposto e/ou o esvaziamento da garrafa de vinho já vai bem encaminhado, não resisto a protagonizar a  graçola de dizer que sim, que quero, todas, sim, compro todas as rosas, faço uma pausa, deixo a alegria reflectir-se no rosto do vendedor e depois desfiro a estocada final fazendo, com um ar inocente, a seguinte pergunta:

«Como é óbvio, pode passar um recibo para abater no IRS…?»  

 

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