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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Ter | 05.02.08

Não foi regicídio. Foi eutanásia. Diabético e hipertenso, Carlos suicidou-se!

Jorge Fiel

Uma das coisas que mais sumamente me aborrece no jornalismo é a sua vertente burocrática de assinalar as efemérides.

Nas agendas das secretarias de Redacção é posto um alarme a tocar um mês antes de um aniversário significativo (dez anos, 25 anos, 50 anos, 200 anos, 300 anos, 500 anos e mil anos parecem-me ser os marcos mais adequados) e, chegada a hora, toca a encher páginas de papel e minutos de emissão com a evocação do efeméride.

A« overdose» de regicídio a que todos fomos submetidos é um exemplo de quão entediante e maçador pode ser o jornalismo de efemérides.

As comemorações do assassinato de Carlos e do seu filho Luís Filipe foram o caldo de cultura em que medrou um breve reacender da causa monárquica que aproveitou a oportunidade para tirar a barriga de misérias e desfrutar do inusitado tempo de antena que lhe foi proporcionado na Comunicação Social.

Coitados dos monárquicos. Não perdem pela demora. Quem semeia ventos colhe tempestades. Os velhos republicanos já estão a afiar já os dentes para a gigantesca romagem aos cemitérios que vai constituir a comemoração da República. Já só faltam dois anos para o 5 de Outubro de 2010.

«Heróis do mar, nobre povo, nação valente e imortal ( …) Contra os Bretões, marchar, marchar!

Para os que não sabem, informo que o Hino Nacional surgiu como um canção de revolta contra a vergonhosa capitulação monárquica face ao Ultimatum inglês e apelava ao povo para marchar contra os bretões – a idiota e suicidária adaptação do verso (cabe na cabeça de alguém marchar contra canhões?)  foi posterior.

Feito este breve parêntesis republicano, devo informar que a única coisa que aprecio e invejo da Monarquia portuguesa é a beleza da sua bandeira e das suas cores, que inspiraram o equipamento do meu clube.

Neste momento, em que se começam a dissipar os vapores do enjoo carlista a que formos submetidos, sinto-me na obrigação de partilhar com os distintos fregueses desta lavandaria a minha opinião sobre o Regicidio.

Para começar, acho um disparate dizer, sem mais, que o rei foi assassinado. Na verdade, basta ler algumas prosas avulsas recentemente publicadas e dar uma vista de olhos à hagiografia que lhe dedicou Rui Ramos (consta da colecção de biografias dos monarcas portugueses editada pelo Circulo dos Leitores) para perceber que Carlos se suicidou.

Não descortino outra explicação para o facto de um rei tão doente  impopular (nos dias seguintes ao seu passamento as ruas de Lisboa e Porto estavam pejadas de gente usando gravatas verde-rubras) ter optado por seguir num landau, uma carruagem aberta, após desembarcar junto ao Terreiro do Paço, regressado de umas ociosas férias em Vila Viçosa.

Poucos dias antes, a polícia do ditador João Franco (cujo único suporte era o rei) tinha estrangulado uma revoltam em que estavam conluiados republicanos e monárquicas dissidentesm e metido na choldra proeminentes figuras da Oposição.

Nesta conjuntura, a decisão de Carlos de atravessar a multidão no Terreiro do Paço a bordo de uma carruagem aberta é um acto tão disparatado e suicidário como Jorge Nuno Pinto da Costa ir pavonear-se sozinho para o terceiro anel da Luz, em noite de Benfica-Porto.

Não é preciso ser um Einstein para perceber o porquê deste acto desesperado. O rei sabia que tinha os dias contados depois de lhe ter sido diagnosticado diabetes, à época uma doença mortal, pois os tratamentos com insulina só surgiriam uns 30 anos depois.

Gordo como um texugo, hipertenso e diabético, Carlos era uma bomba relógio ambulante, que preferiu suicidar-se por pessoas interpostas em vez de morrer na cama em cima de uma aia da mulher Amélia (que tudo leva a crer lhe retribuia as infidelidades encornando-o com o Mouzinho).

Neste sentido, o papel de Manuel Buíça e Alfredo Costa na História deve ser revisto. Eles não foram regicidas, mas sim ajudantes na eutanásia do rei.

Esta ideia de Carlos foi muito boa. Ao morrer baleado, conquistou uma entrada simpática e romântica na História.

Em vez de ser recordado como o Rei que desprezava o país (que caracterizou como uma «piolheira»), que traiu a pátria cedendo ao Ultimatum inglês e que gastava mais do lhe era dado generosamente pelo país (estava sempre a pedir adiantamentos, apesar de por dia receber quatro vezes mais do que um professor primário como Buíça ganhava num ano!), é evocado como um mártir.

Carlos teve muito sorte e conseguiu uma saída da vida muito melhor do que a merecia. Como dizia o outro, há cães com sorte.

 

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