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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Seg | 17.10.11

No Palácio de Inverno, 96 anos depois dos bolcheviques

Jorge Fiel

 

Noventa e seis anos depois dos bolcheviques, avisados do início da Revolução por uma salva de artilharia disparada pelo cruzador Aurora (fundeado no Neva), terem assaltado o Palácio de Inverno, chegou finalmente a minha vez de trilhar o mesmo caminho – com a diferença de que antes de entrar tive de aguardar pacientemente 45 minutos na bicha, pagar 400 rublos pelo bilhete de entrada e depositar o encerado Barbour e o saco de mensageiro Aldo (já todo roto) no vestiário.

Lá dentro, subi para o primeiro andar, para visitar os aposentos dos Romanov, ao invés do bolcheviques que avidamente se dirigiram para as caves com o louvável (e conseguido) intuito de darem cabo da garrafeira dos czares. Por razões de calendário, a Revolução de Outubro foi a 7 de Novembro e como nessa altura do ano pode fazer muito frio em S. Petersburgo nada melhor que uns bons vinhos e champanhes franceses para aquecer as almas e os corpos do bom proletariado revoltado, famélico e sequioso.

O Palácio de Inverno integra o complexo do Hermitage, que o seu director, numa declaração curiosa, disse não jurar que seja o melhor museu do Mundo - mas estar em condições de garantir que não é seguramente o segundo melhor.

No final achei uma pechincha pagar apenas 400 rublos para ficar com uma ideia aproximada de como viviam os Romanov (à grande!) e deliciar as vistinhas durante um par de horas com telas de impressionistas, expressionistas e ofícios correlativos , que não conhecia, nem sequer de reproduções ou catálogos.

 

Seg | 17.10.11

Gosto que me dêem todo o troco a que tenho direito

Jorge Fiel

 

Estreei-me no sistema de transportes públicos de S. Petersburgo no trólei 10, que me levou da Ploshad Vosstaniya até ao Palácio de Inverno, através de mais de três quilómetros, em linha recta, da Nevskiy Prospekt.

À diferença do que acontece na generalidade das grandes cidades europeias, aqui não estão disponíveis passes turísticos de curta duração válidos para diferentes tipos de transportes. A melhor solução é comprar as viagens a bordo: 21 rublos (um euro igual a 43 rublos) para autocarro, trólei ou eléctrico, 25 rublos para o metro.

Aprendi à minha custa que os cobradores do sistema de transportes colectivos de S. Petersburgo não têm arreigado o hábito de dar troco aos turistas. Dei uma nota de 100 rublos para pagar a viagem no 10 e recebi de volta apenas 70 rublos. À minha revelia, o troco tinha sido arredondado.

O cobrador até foi simpático e (creio que a titulo de retribuição da gorjeta que me extorquiu), adivinhando o meu destino, indicou-me a paragem para o Hermitage (não era preciso…).

Como gosto que me dêem sempre todo troco a que tenho direito, muni-me de trocos e sempre que entro para um trólei ou eléctrico levo na mão três moedinhas, duas de 10 rublos e uma de um. À primeira quem quer cai. À segunda cai quem quer.

 

Dom | 16.10.11

Papei uma missinha bem catita na Catedral de Kazan

Jorge Fiel

 

Papei com muito gosto a missinha das sete na Catedral da Nossa Senhora de Kazan, uma coisa enorme a imitar a Basílica de S. Pedro, em Roma, onde está sepultado o marechal de campo Michael Kutuzov, que ainda é idolatrado pelos russos por ter derrotado Napoleão, recorrendo à inovadora táctica da terra queimada.

A liturgia ortodoxa é muito diferente da católica, na esmagadora maioria das coisas para melhor (ou muito melhor) sendo uma excepção a esta regra a discriminação sexista que obriga as mulheres a cobrirem a cabeça - e os homens a descobrirem-na.

Acho bem que o pessoal esteja sempre de pé! Não me parece educado que uma pessoa permaneça confortavelmente sentada quando se vai encontrar com o seu Deus. Um pouco de respeitinho não faz mal a ninguém.

Depois a Igreja Ortodoxa não poupa na mão de obra. Entre o batushka, que comanda as operações, e pessoal auxiliar, contei pelos menos oito concelebrantes. Ou seja, eles não brincam em serviço.

Os fieis ortodoxos são muito mais activos que os nossos durante a missa. Muito frequentemente executam um versão muito mais sofisticada que a católica do sinal da cruz e depois vergam a espinha, curvando-se quase até porem o corpo a fazer um ângulo recto com os membros inferiores, o que só lhes pode ser proveitoso – um pouco de exercício nunca fez mal a ninguém.

Apreciei também o facto de os sacerdotes estarem no meio dos fieis, e ao mesmo nível, e não a falarem-lhes de alto, ex catedra. E delirei com o coro que acompanhou a missa. Realmente bonito.

Também gostei que antes dd começar a missa propriamente dita, o batushka tenha dado uma volta pelo templo, a espelhar incenso, o que deixou o ambiente agradavelmente perfumado.

Mais estranhos são os rituais finais. Primeiro, o pessoal fez uma fila para beijar o anel do batushka e receber dele o sinal da cruz na testa – até fiquei a pensar se seria útil em aproveitar o ensejo para me submeter a esta espécie de comunhão ortodoxa, na esperança de que esse movimento apague o O de otário que tenho tatuado na testa e que cada vez há mais gente que o vê e tira partido disso.

Em segundo lugar, as pessoas formaram uma nova bicha, desta vez para beijarem, com alguma detenção (ou seja sem pressas), as mãos ou face de um ícone.

Resumindo e baralhando. Se alguma vez tiver puder assistir uma missa ortodoxa faça a si próprio o favor de não desperdiçar essa oportunidade.

Dom | 16.10.11

Vale a pena desfrutar o Sangue Derramado

Jorge Fiel

 

A Igreja do Sangue Derramado é a coisa mais parecida que já vi, em S.Petersburgo, com a Catedral de S. Basilio, o ícone nº 1 da Praça Vermelha. Embora menos colorida que a moscovita, é igualmente impressionante, não só por fora, mas também por dentro.

A igreja começa a impressionar ainda antes da vista, só pelo nome, uma alusão ao facto de ter sido mandada construir por Alexandre III no lugar onde o seu antecessor (o czar Alexandre II) foi assassinado por um grupo de revolucionários. Depois nunca mais deixa de nos fascinar.

As parábolas e cenas bíblicas que cobrem paredes e tectos no interior da Igreja, bem como o fausto dos chãos, merecem o investimento de 250 rublos e de 45 minutos numa visita ao interior da Igreja do Sangue Derramado.

 

Dom | 16.10.11

Encontro no Café Singer com o professor badalhoco

Jorge Fiel

 

Posso ter-me cruzado com o célebre professor badalhoco na casa de banho do Café Singer, em S. Petersburgo.

Se não se recorda – ou até mesmo nunca soube – do episódio do professor badalhoco, eu passo a explicar. Trata-se de um bandalho que apertou o pescoço a uma zelosa funcionária de uma escola secundária alentejana, em retaliação pelo facto da dita senhora o ter admoestado, em plena sala de professores, por mais uma vez ter deixado a casa de banho toda suja após se ter servido dela para satisfazer as suas necessidades fisiológicas de carácter sólido.

Segundo consta, o professor badalhoco não só se abstém de puxar do autoclismo como, ainda por cima, escatologicamente, se diverte a espalhar fezes pelas paredes da casinha. Um porcalhão!

Sábado à tarde, animado pelo propósito de impedir que um eventual aperto de bexiga perturbasse a degustação da minha borsch, dirigi-me à casa de banho do Café Singer, que não cheira a pêssego (como as do aeroporto de Frankfurt) e é destituída de mictórios, resumindo-se a duas sanitas, ou seja uma diminuta capacidade instalada para poder escoar a procura com fluidez – e, por isso, geradora de filas.

Enquanto aguardava pela minha vez tive a oportunidade de confirmar que uma boa parte dos russos honra a tradição do seu pais de lavar as mãos também antes do xixi. Faz todo o sentido porque a pila anda protegida pelas cuecas e calças, enquanto as mãos andam para aí em contacto com todas as imundícies deste mundo.

Quando entrei na casa de banho constatei que o cavalheiro anterior tinha os intestinos desarranjados e não se preocupava nada com as consequências dessa anomalia na higiene da sanita. Será que, inadvertidamente, me cruzei em S. Petersburgo com o célebre professor badalhoco?

Sab | 15.10.11

Caldo verde sim, mas borsch também!

Jorge Fiel

 

Na Rússia sê russo. É por essas e por outras que encomendei uma borsch (180 rublos), a titulo de almoço tardio, quando, no fim do cruzeiro pelos canais e o Neva, me instalei numa mesa do belíssimo café da Casa Singer, que fica numa esquina da Nevski Prospect com o canal Griboedov, mesmo em frente à grande catedral de Kazan.

Estou cada vez mais freguês desta sopa de origem ucraniana, feita à base de beterraba (que lhe confere o aspecto avermelhado) mas que também leva na sua confecção cenoura, cebola, salsa, louro, aipo e repolho - a que, na mesa, se deve acrescentar natas amargas, com generosidade. Soube-me pela vida. Caldo verde sim. Mas borsch também.

 

Sab | 15.10.11

Banda sonora russa no passeio pelos canais e o Neva

Jorge Fiel

 

Foram muito bem empregues os 500 rublos que apliquei a comprar, ao início da tarde (14h00 locais), no cais do canal Griboedova, um passeio de barco de uma hora pelos canais e o rio Neva.

Estava frio, as explicações sobre o que se ia vendo nas margens eram dadas em russo e aos berros por uma senhora com voz pouco simpática, mas valeu a pena. Deu perfeitamente para perceber várias coisas, como, por exemplo, por que é que chamam a Veneza do Norte a S. Petersburgo e por que é dizem que Pedro o Grande se inspirou em Amesterdão  quando desenhou a cidade que transporta o seu nome.

Acresce que ao passar duas vezes por debaixo da mesma ponte fomos submetidos à experiência radical de nos baixarmos até ao nível dos bancos, para não ficarmos sem cabeça.  Um divertimento. Uma excitação. Lots of fun.

(a foto que abre este post é de parte do Hermitage/Palácio de Inverno e foi tirada a partir do rio Neva)

 

Sab | 15.10.11

De como conheci a Natalya, na secção de lingerie

Jorge Fiel

 

Esta é a Natalya, uma das cinco raparigas em que tropecei numa volta que dei pelos enormes armazéns Gostinnyy Dvor - o pessoal que escreveu o guia DK de S. Petersburgo garante que o comprimento somado das fachadas ultrapassa um quilómetro. Devem ter razão.

Por fora, com as suas arcadas úteis e elegantes, o edifício é bem catita. Mas quando se entra, a única coisa boa que nos pode passar pela cabeça é que acabamos de fazer uma viagem no tempo (tema ficcional muito em voga, como se pode confirmar indo ver o imperdível último filme de Woody Allen), recuando no mínimo uns 30 a 40 anos.

Digamos que conhecer a Natalya (o ar duro e frio conferido pela dureza das feições é amplamente compensado por um ligeiro estrabismo, que sempre me excitou imenso) e as suas quatro amigas, na secção de lingerie feminina, foi o melhor que me aconteceu durante a meia hora que consagrei a este armazém – que o pessoal que escreveu o guia DK de S. Petersburgo jura ser o mais importante da cidade. Devem ter razão. Pode ser o mais importante mas não é o melhor, como tive oportunidade de confirmar ao fim da tarde, quando visitei o shopping  Galeria, atrás da Estação ferroviária de Moscovo.

 

Sab | 15.10.11

Caça ao rublo na Nevsky Prospect

Jorge Fiel

 

Assim por alto, um euro vale um pouco mais de 40 rublos, mas eu arredondo as contas para baixo para simplificar. Para o pessoal ainda habituado à velha moeda (a que espero não tenhamos de retornar) um rublo vale, grosso modo, cinco escudos.

Tomado o pequeno almoço, a minha primeira missão consistia em levantar rublos e revelou-se bem mais complicada do que à partida seria de imaginar, pois as máquinas ATM que fui interpelando pelo caminho foram-ne rejeitando com elegância, alegando delicadamente que devido a problemas técnicos não estavam aptas a satisfazer o meu pedido.

É precisamente nestes momento difíceis que os homens com H grande se revelam. E eu mais uma vez revelei-me, encarando a situação com um sangue frio que faria inveja ao próprio James Bond, e continuando a persistentemente a tentar levantar dinheiro sempre que uma máquina se atravessava no meu caminho, indiferente à desfeita que as ATM russas estavam a fazer à minha pessoa, ainda para mais um compatriota do Danny -   que é a estrela que aparece em primeiro plano em todo o material de propaganda que o Zenith e a Nike têm espalhados pela cidade.

Após uma peregrinação pedestre de mais de um quilómetro, em que interpelei mais de meia dúzia de multibancos, fui salvo por uma simpática ATM do Citibank, que me satisfez imediatamente o pedido de dez mil rublos.

Quem persiste sempre alcança, reflecti eu face a mais um final feliz de uma história por mim protagonizada. Fui logo gastar dinheiro, adquirindo dois magnetos para frigorifico, por 250 rublos,  na loja do Zenith (eles ganharam-nos 3-1 no último jogo da Champions, mas é nestes momentos que os nortenhos com N grande têm de evidenciar a largueza do seu espírito), que fica do outro da rua de um dos edifícios mais bonitos de S. Petersburgo, o Yeliseev’s, que apenas espiolhei por fora porque está a sofrer obras de beneficiação.

 

 

Sab | 15.10.11

Jornalismo tornou obsoleta a espionagem?

Jorge Fiel

 

O Oscar Wilde - que tinha com toda a certeza muitos defeitos, mas ninguém de boa fé poderá negar as suas fina esperteza e aguçada argúcia - escreveu que o jornalismo estava a tornar obsoleta a espionagem. Esta citação vale o que vale, ou seja que fique desde já claro que nada me move contra o Jorge Silva Carvalho, que aparenta ser uma pessoa educadíssima e muito aprumada, nem contra os outros espiões e restante rapaziada da Loja Mozart, do Grande Oriente Lusitano.

O Oscar estava cheio de razão. Quem precisa de espiões se os jornalistas, além de cada vez mais abelhudos (às vezes até irrita!) não fazem segredo de nada para ninguém?

Com jornalista, não tenho segredos para vocês e por isso informo que nesta minha condição transitória de homem em S.Petersburgo, estou domiciliado no Grand Hotel Emerald, no 18 da Suvorovsky Prospect, uma perpendicular com a Nevsky Prospect, que é a principal artéria desta cidade, uma espécie de combinação entre a portuense avenida da Boavista (em particular na sua extensão) e lisboeta avenida da Liberdade (em particular pela sua largura, animação e qualidade do comércio), numa versão em plano – e revista e melhorada, ao ponto de ser considerada a mais famosa da Rússia