Mark Twain desvenda mistério da bolsa de valores
Baratas espicaçadoras, gatos mortos, canivetes Barlow, escaravelhos bosteiros, pedaços de giz, anzóis, maçanetas de latão de cão de chaminé, carraças e dentes acabados de tirar, são os tesouros que fazem a felicidade de Tom Sawyer, Huckleberry Finn e os outros rapazes de Sampetersburgo, na fabulosa saga de Mark Twain.
Da primeira vez que me deliciei com estas aventuras era adolescente. Voltei agora a relê-las e confirmei o que já desconfiava - e acontece não só com livros mas também com filmes, músicas, cidades e pessoas. O livro é o mesmo, mas quem o lê é diferente, o que opera a magia de transfromar um livro igual num livro diferente.
Entre as duas leituras, aprendi a diferença entre uma acção e uma obrigação, a calcular o PER e o PCF (price/cash flow) de uma acção, a perceber que uma blue chip é algo muito diferente do que um batata frita azul, e mais uma data de coisas que me levaram a achar que além de muitas outras coisas valiosas, Mark Twain deixou-nos belos exemplos das mais sofisticadas regras da teoria económica.
No diálogo que transcrevo de seguida está um tratado de teoria da negociação, um manual de vendas e a explicação para o mistério da existência de bolsas de valores onde diariamente profissionais sabidos e informados acham que é bom negócio vender coisas a um preço a um profissionais igualmente sabidos e informados acham que é bom negócio comprar. Ora aí vai:
“- Que é isso Huck?
- É apenas uma carraça.
- Onde a arranjaste?
- Na floresta.
- Quanto pedes por ela?
- Não sei. Não quero trocar.
- Não faz mal, de qualquer maneira é uma carraça muito pequena.
- Ora, qualquer é uma capaz de desfazer numa carraça que não lhe pertence. Eu estou satisfeito com ela. Pra mim é uma boa carraça.
- O que não falta são carraças! Se quisesse, podia ter mil!
- Então porque é que não tens? Porque sabes perfeitissimamente que não podes! Esta carraça é muito nova, foi a a primeira que vi este ano.
- Olha, Huck, dou-te o meu dente por ela.
- Mostra.
Tom tirou da algibeira um bocado de papel que desenrolou cuidadosamente. Huckleberry observou-o, cobiçoso. A tentação era muito forte. Por fim perguntou:
- É otêntico?
Tom levantou o lábio superior e mostrou-lhe a falha.
- ‘tá bem, negócio fechado – declarou Huckleberry.
Tom meteu a carraça na caixa de fulminantes que, anteriormente, fora a prisão da barata, e os rapazes separaram-se, sentindo-se cada vez mais rico do que antes.”
As aventuras de Tom Sawyer, Mark Twain, edição Livros de Bolso Europa América, páginas 54 e 55