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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Sex | 19.02.10

Eu sou um homem, portanto um animal de hábitos

Jorge Fiel

 

Eu sou um homem, portanto um animal de hábitos, pelo que sempre que ponho o pé no estrangeiro sinto-me compelido a observar determinados rituais, dos quais destaco os principais:

1.     Enviar diariamente um postal ilustrado para a minha filha mais velha, que mora em Los Angeles, e para o meu filho mais novo que vive comigo, e, por isso, oa quem os postais chegam por norma depois de nós e das prendas, mas é uma tradição que eu achei por bem estabelecer após de me fartar de o ouvir queixar-se que era o único lá em casa que não recebia correspondência, não percebendo, na sua doce inocência, que isso constitui uma enorme vantagem, porque a maior parte das coisas que aterram na caixa do correio são duas variantes de junk mail: lixo propriamente dito (cartas do Rui Rio no ano das autárquicas, catálogos da Moviflor, promoções do Lidl e da Telepizza, cartões de visitas de picheleiros e canalizadores, etc)  ou contas para pagar, multas ou missivas ameaçadoras de uma misteriosa Intrum Justitia, que calculo seja o braço português de uma multinacional de origem siciliana com fortes ramificações e implantação dos Estados Unidos, imortalizada no cinema pelo Coppola. É aliás por este motivo que não mando postais para o meu filho do meio. No magnífico andar junto à praia onde ele reside cultiva-se a atitude da avestruz face ás contrariedades pelo que se perdeu o hábito de ir ao correio;

 

2.     Comprar magnetos, que posteriormente enriquecem um já vasto memorial que decora o frigorífico do meu apartamento;

 

3.     Adquirir uma caneca decorada com um motivo local.

Vêm estas pequenas confissões a propósito da compra que fiz de uma caneca, com a reprodução da nota de 20 libras (onde consta uma foto da Isabel II que foi com toda a certeza tirada no ano em que o Hitler anexou a Áustria),  e de dois magnetos (com as notas de 20 e 5 libras) que fiz na loja do Museu do Banco de Inglaterra.

Fui à loja do Museu do Banco de Inglaterra ao cheiro de uns pisa papéis feitos a partir de notas de libra (presumo que reproduções), mas a simpática ex-cidadã da URSS (estive para escrever russa, mas tenho de admitir que a moça pode ter vindo a este mundo na Ingúchia, Ossétia, Uzbequistão ou até mesmo no Nagorno-Karabakh) explicou-me simpaticamente que não havia disso.

Já que lá estava, dei uma vista de olhos pela loja, comprei a caneca e os magnetos por 6, 90 libras  (uma pechincha pois trouxe reproduzidas notas no valor global de 45 libras), e ainda aproveitamos para dar um giro pelo museu, pois a entrada é gratuita. Valeu a pena.

Bank of England Museum, manhã de 2ª feira, 7 de Dezembro 2009

Qui | 18.02.10

Reflexão sobre o time e o weather

Jorge Fiel

 

O tempo é muito importante para os ingleses, como se pode aquilatar pelo facto de dedicarem palavras especializadas a duas realidades diferentes que nós, portugueses preguiçosos, arrumamos no interior da mesma palavra.

Para os bifes, que para além de mais pontuais são muito mais rigorosos do que nós, há o “time” e o “weather”.

“Time” é o tempo medido pelo relógio e o vocábulo que deu origem à célebre frase “time is money”, máxima que os desempregados acusam de mentirosa, porque na sua generalidade andam tesos como virotes apesar de serem ricos em tempo livre, o que coloca em cima da mesa uma das contradições fundamentais da nossa sociedade - os que ganham muito andam sempre tão atarefados que se queixam de nem ter tempo para gozar e gastar o dinheiro, enquanto que o pessoal que dispõe de tempo à ganância tem, por norma, os bolsos vazios.

“Weather” é o tempo do Boletim Metereológico e um dos desbloqueadores de conversa preferido pelos ingleses, o que até se compreende atendendo aos elevados volumes de precipitação registados nas Ilhas Britânicas, o que, entre outras coisas, os levou a cunhar a feliz expressão “it is raining cats and dogs” – o que, sossego desde já todos os simpatizantes da SPA menos familiarizados com esta expressão, sucede apenas no sentido figurado.

Ao longo desta estadia em Londres, que entra agora no seu terceiro dia, o tempo/weather  tem andado tem-te não caias, chovendo todos os dias mas com parcimónia, raramente atingindo uma torrencialidade que impeça os nossos passeios – apesar de os poder tornar um tudo nada mais desagradáveis.

O dia amanheceu cinzento mas seco, não ameaçando por isso os nossos planos para uma manhã a dar água sem caneco pela City. Até devo dizer que o céu plúmbeo ainda tornou mais fotogénicos os arranha céus de aço de vidro mais famosos da zona, como as sedes da Lloyds e da Swiss Re.

City, manhã de 2ª feira, 7 de Dezembro 2009

Qua | 17.02.10

O céu não conseguiu controlar as emoções

Jorge Fiel

 

Domingo à tarde rima com Hyde Park, onde fizemos uma longa promenade com entrada pela Lancaster Gate, em Bayswater, saída junto ao monumento que a Vitória mandou fazer em memória do seu querido Albert, após termos bordejado a Serpentine e termos feito uma escala técnica na Gallery.

A coisa seria mais animadora se o tempo estivesse melhor e o céu não estivesse com um ar que hesitava entre o amuado e o zangado, até que decidiu desatar a chorar, interrompendo o nosso esforço de, com a ajuda do guia DK de Londres, absorver todo o esplendor do Albert Memorial aprendendo o significado de cada um dos muitos motivos que o adornam.  

Refugiamo-nos no Royal Albert Hall, opção que se teria revelado muito mais promissora se não se desse o caso da cafetaria estar vedada ao público por causa do Master de ténis, obrigando-nos a esperar cá fora que o céu conseguisse controlar as emoções. De noite e com frio, as fachadas molhadas de brick não são muito estimulantes.

Ficamos tão tristes como o dia, que acabamos recolhidos no quarto, a ver televisão e a jantar em regime de piquenique os víveres adquiridos no Marks & Spencer de Liverpool St Station - sandes de peru e presunto, bem como porções de queijo tudo empurrado por um sauvignon blanc chileno. Amanhã iria ser outro dia.

Hyde Park, tarde de domingo, 6 de Dezembro 2009

Ter | 16.02.10

Onde se diz mal do mercado de Petticoat Lane, que é uma feira de Espinho rasca em formato XXXL

Jorge Fiel

 

O mercado de Petticoat Lane – simpática toponímia herdada do tempo dos refugiados huguenotes, que o duvidoso gosto anglo-saxónico rebaptizou Middlessex Street – não tem muito que se lhe diga. É uma feira de Espinho ou de Carcavelos em formato XXXL que apenas merece uma visita só para ficarmos habilitados a inclui-lo na lista dos mares já dantes navegados.

Petticoat Lane é o lado mais pobre e rasca da oferta do East End nas manhãs de domingo, em que os elos mais fortes são o mercado de flores de Columbia Road e o trendy (e coberto) Spitalfields Market – para já não falar na feliz combinação entre tendas de rua e lojas de tijolo da Brick Lane, celebrizada por Monica Ali (o titulo da tradução portuguesa, “Treze rios, sete mares”,  apesar de algo poético revela-se profundamente desnecessário), uma experiência que tem a sua dimensão sensorial no cheiro a caril que emana dos restaurantes com comida bengali, indiana ou paquistanesa.

Como era domingo de manhã, em vez de irmos papar uma missinha na Christ Church (considerada a mais bonita das seis igrejas riscadas por Nicholas Hawksmoor, o que acredito ser verdade, tanto mais que não conheço as outras cinco), cumprimos religiosamente o percurso pela zona - com ida e volta a Liverpool Street Station - sugerido num folheto oferecido numa livraria de Brick Lane especializada no East End, o que nos permitiu concordar em absoluto com o gosto dos yuppies que estão a recuperar as casas de Fournier Street, outrora habitadas pelas sucessivas vagas de refugiados franceses, judeus e bengalis que por aqui se foram acoitando.

Na volta, o AC fez bem ao comprar para a Margarida um magnífico chapéu de coco (igualzinho ao Hercule Poirot e ao dos gémeos Dupont e Dupond) no Spitalfields Market e tentamos sem sucesso beber um pint no célebre pub Ten Bells, onde, mesmo depois de cortarmos as unhas rentes, nem com calçadeira conseguíamos entrar.

East End, manhã de domingo, 6 de Dezembro 2009

Seg | 15.02.10

O ancestral método do mete e tira aplicado ao pinheirinho de Natal em Columbia Road Market

Jorge Fiel

 

A manhã de domingo 6 de Dezembro de 2009 ficará para sempre gravada na História da Humanidade por ter assinalado a minha estreia absoluta no mercado de flores de Columbia Road.

O dia estava frio mas bonito e ensolarado, pelo que decidimos usar os nossos próprios meios de locomoção para fazer o percurso entre o Ibis, em Commercial Street, e o mercado, subindo a Brick Lane onde os mais madrugadores feirantes já começavam a montar as suas tendas.

O mercado de flores acolheu-nos com um sorriso muito colorido e estava a abarrotar de compradores do pinheiro de Natal. Desta incursão há assinalar que os espertos vendedores recorrem ao método ancestral do mete e tira para acondicionar o pinheirinho dentro de um preservativo, que facilita muito o transporte.

Muito engenhoso o método que consiste em meter o pinheiro em toda a sua exuberância dentro de uma espécie de balde sem fundo (ver foto acima) transformado em vagina e previamente equipado com o plástico embalador. Simples, eficaz, prático e com um je ne sais pas quoi de erotismo que só valoriza a operação.

 

Columbia Road Market, manhã de domingo, 6 de Dezembro 2009

Sex | 12.02.10

A minha experiência Prêt à Manger

Jorge Fiel

 

Não é por acaso que a palavra charme é francesa.  Também não é por acaso que não foram os austríacos a inventar o champanhe (se bem que há quem lhes credite o mérito da criação do croissant), nem os suecos a produzir o Roquefort, nem os americanos a servir de berço à Louis Vuitton. A França tem a imagem associada a bom gosto, luxo e joie de vivre e os franceses sabem perfeitamente tirar partido disso – mas não sãos os únicos.

Vem este arrazoado a propósito da feliz escolha de um nome francês - Prêt à Manger - para uma cadeia anglo saxónica de comida rápida e look saudável, cuja geografia de expansão se limita, por agora, ao Reino Unido, Estados Unidos da América e Hong Kong.

A Prêt à Manger tem cerca de 150 lojas em Londres, uma presença mais massiva que a McDonalds, e mesmo que a Eat. (nome também muito apanhado, devo dizer), a sua concorrente directa no segmento da healthy fast food.

Pusemos o ponto final ao segundo dia da nossa estadia londrina, jantando no Prêt a Manger de Oxford Street, mesmo junto a Tottenham Court Road, onde verifiquei que o tipo de comida e o preço está alinhado com a nossa Go Natural, sendo que, no entanto, a oferta (sushis, wraps, sanduíches, sopas, pastas e saladas) é muito maior e mais diversificada.

Optei por uma sanduíche de scottish smoked salmon, empurrada por uma Coke light. Esta minha experiência Prêt à Manger ficou marcada por duas informações curiosas:

1.     Cobram uma libra pelo aluguer do espaço. Se declararmos que vamos dine in acrescentam uma libra por cabeça ao preço da refeição, o que me parece uma taxa um tudo nada exorbitante, mas perfeitamente contornável. Uma tipa que estava ao meu lado a pagar declarou estar na modalidade take away e depois sentou-se muito descontraidamente numa mesa;

 

2.     Vendem uma baguete tipo franciu e com uma ar de pão fresco e uma pacote de manteiga por 50 p, uma opção muito económica para pequeno almoço, ou para matar a fominha em caso de aflição.

West End, noite de sábado, 5 de Dezembro 2009

Qui | 11.02.10

Paperback lover

Jorge Fiel

 

Nos paperbacks amo praticamente tudo, desde o cheiro até ao formato conveniente, passando pelo preço módico e as capas usualmente atraentes. A minha única reticência vai para o corpo da letra, que na mais das vezes não se compadece com a fraqueza da minha vista cansada e me obriga a rapar dos óculos de leitura.

Concluída a expedição de carácter antropológico a Old Compton, rumamos às livrarias de Charing Cross, comigo animado pela ideia de torrar algumas libras em paperbacks.

O objectivo foi cumprido na Borders, que está em liquidação, onde adquiri quatro paperbacks, ao preço médio de seis libras cada um: The Deceiver, de Frederick Forsyth, Moscow Rules, de Daniel Silva, Depths, de Henning Mankell, e Darkening Stain, de Robert Wilson.

Faz pena dar de trombas, no mesmo dia, com duas grandes livrarias (a primeira tinha sido no centro comercial Whiteley, em Queensway) a prepararem-se paar fechar portas. Mais tarde soube que o CEO a Waterstone tinha sido despedido.  A Foyles, do outro lado da rua, parece estar de saúde, mas tudo leva a crer que a vida não está para as livrarias.

Charing Cross, noite de sábado 5 de Dezembro 2009 

Qua | 10.02.10

Uma entrada pela porta da frente

Jorge Fiel

 

Como presumo já sabem, o Soho faz-me logo recordar as canções satíricas e mordazes de Ray Davies, mas não vos importuno mais com os Kinks, banda que eu penso ter sido muito injustiçada pelo tempo, que não lhes conferiu um lugar na mesma prateleira dos Stones e dos Beatles.

Apesar da Old Compton Street, a mais famosa e agitada rua do bairro, regurgitar de gays, nós adoptamos um plano de passeio completamente straight e entramos no Soho pela porta da frente, ou seja pela Soho Square e só não acampamos no aconchegado e maneirinho jardim central desta praça, outrora um dos locais mais centrais e finecos de Londres, por duas razões poderosas: primeiro, porque estava a chuviscar, segundo porque era noite e o jardim já estava fechado.

Atravessada a Soho Square, evoluímos até à Old Compton através da Greek Street, onde, há coisa de 20 anos, me empanturrei de nachos, tacos e enchiladas, num restaurante chamado La Cucaracha (que entretanto fechou) uma refeição que permaneceu na minha memória não exactamente pela sua qualidade ou preço, mas sim porque trouxe de lá um cinzeiro que durou até há poucos meses (creio que se partiu ou extraviou na minha recente mudança de casa).

Chegados a Old Compton, que percorremos de trás para a frente e da frente para trás, deixei extravasar mentalmente algum do meu preconceito mirando os casais gay que se aproveitavam o jantar de sábado para engatar, namorar ou fazerem cenas de ciúmes.    

 Soho, noite de sábado, 5 de Dezembro 2009 

Ter | 09.02.10

Evocação da minha ex-namorada Lola a propósito dos Kinks e de uma incursão nocturna ao Soho

Jorge Fiel

 

Por muitos anos que viva (o que não será necessariamente boa notícia, nem para mim nem para o resto da Humanidade), nunca deixarei de associar o Soho, em particular, e Londres, em geral, aos Kinks, e em particular a um canção (Lola).

Alguns anos depois de Londres ter travado conhecimento comigo, no já distante ano de 1972, namorei episodicamente uma Lola, que morava em Gondomar e era irmã da namorada de um amigo meu, o Mário M. que descobriu que tinha um vigésimo premiado na tabacaria do Garça Real, na Praça D. João I, antes de almoçar comigo – como é bom de ver pagou-me um lauto almoço no Tripeiro e não na tasca da Travessa dos Congregados para onde decidíramos ir antes de sabermos que ele estava milionário.  

A minha Lola efectivamente não se chamava assim no BI e nem tenho sequer a certeza se alguma vez soube o verdadeiro nome dela. Mas era uma boa e boa rapariga, com o cabelo aos caracóis e uns olhinhos de carneiro mal morto que me encantaram. E ao contrário da Lola da canção homónima dos Kinks não era traveca. As maminhas (pequenas, mas muito ajeitadinhas) e o pipi dela eram equipamentos de origem.

Vem esta recordação da Lola, de que nunca mais soube (a última notícia que tive dela era de que tinha casado com um brasileiro rico, muito mais velho do que ela, pelo que não é impossível que neste momento seja uma viúva rica, com casas em Melres e Santos), a propósito da expedição ao Soho que fizemos, após termos levantado ferro do The Green Man, onde eu deitei abaixo uma pint de Carling Extra Cold enquanto via o Man City derrotar o Chelsea, o que me deixou satisfeito, já que, por uma daquelas irracionalidades que me caracterizam, desde que o Mourinho saiu de lá eu quero é que o Chelsea perca.

Soho, início da noite de 5 de Dezembro 2009

Seg | 08.02.10

Como usei o camarada Mário para justificar ter posto os cornos a uma loura belga chamada Stella

Jorge Fiel

 

Apanhado em flagrante contradição num ardente debate político, algures na primeira metade dos anos 80, Mário Soares desembrulhou-se da encrenca com aquela matreirice e ligeireza que todos lhe reconhecemos: “Só os burros é que não mudam de ideias”, respondeu e, dito isto, voltou a estar em cima da burra.

Encostado ao balcão do The Green Man, ao fim da tarde de sábado 5 de Dezembro, espreitando o Manchester City-Chelsea que passava na televisão enquanto esperava, com três moedas de libra na mão ser atendido, socorri-me da sabedoria do pai fundador da nossa democracia para cimentar um pedido que contrariava a decisão tomada cerca de 24 horas atrás, num pub em Greenwich, de colocar esta viagem sob os auspícios da Stella Artois.

“Só os burros não mudam de ideias”, repeti mentalmente quando encomendei uma pint de Carling Extra Cold. “Há que nos deixarmos contaminar pelos hábitos e marcar locais”, acrescentei no momento em que punha os cornos à loura belga a quem tinha jurado fidelidade na véspera.

Ao fim e ao cabo, a coerência não passa do último refúgio das pessoas que sofrem de falta de imaginação.

The Green Man, tarde de sábado, 5 de Dezembro 2009  

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