Tenho o nariz torto. A narina esquerda não funciona. Infelizmente, esta surdez parcial do meu olfacto não me protege do fétido fedor que sevicia quem passa ao largo de Aveiro. Falo do mau cheiro literal, não do figurado - do negócio do sucateiro Zé Godinho ter quartel general em Esmoriz, de Oliveira e Costa ser de Esgueira, e Vara e os Penedos serem visitas frequentes de Aveiro, onde mantêm longas conversas com o juiz de instrução criminal.
Se trapalhadas e negociatas obscuras libertassem realmente um odor pestilento, não se podia passar perto de Aguiar da Beira e os carteiristas do eléctrico 28 estavam no desemprego, pois a podridão do ar nos mais belos e ricos bairros de Lisboa afugentaria os seus 2,5 milhões de turistas.
A fábrica de Cacia da Portucel é a origem do fedor que tortura os automobilistas viciados na A1 e os passageiros económicos e/ou ambientalistas do Alfa. Há coisa de 15 anos, quando visitei esta celulose, comprovei a enorme capacidade humana em se adaptar a circunstâncias adversas. Achei que o almoço era a ocasião certa para fazer a pergunta. Fartos de a ouvir, os anfitriões responderam pacientemente que algumas semanas bastavam para concluir o processo de dessensibilização - e deixarem de sentir o cheirete.
Esta fantástica capacidade para comermos num ambiente de latrina preocupa-me muito, principalmente nesta altura em que para decifrarmos os casos de actualidade é preciso ter um curso de Direito (e dos bons, aqueles da Independente não chegam). Só assim compreendemos as nuances da arquitectura de um sistema judicial canceroso e sabemos traduzir para português um dialecto judicial atulhado de “atentados ao Estado de Direito”, “elementos probatórios”, “irrelevância criminal”, “denegação de justiça”, “medidas de coação”, “expedientes administrativos” e “emissões de certidões”.
Temo que, tal como os trabalhadores da Portucel de Cacia, nós, os portugueses, nos dessensibilizemos e deixemos de sentir o fedor a podridão da pandemia de escândalos a que estamos sujeitos. Por isso, ou estes políticos conseguem reduzir drasticamente a quantidade de lixo que produzem e arranjam um eficiente tratamento da sua porcaria (dotando-se de um sistema subterrâneo de esgotos e de uma ETAR na periferia, longe dos nossos olhos), ou o melhor é darmos ouvidos ao conselho de Eça de Queiroz: “Os políticos e as fraldas devem mudar-se com frequência – pela mesma razão”.
Não me apetece viver num país que cheira como uma casa de banho que continua em uso apesar ter o autoclismo avariado – e em que não consigamos ouvir a marcha “Cheira bem, cheira a Lisboa” sem nos escangalharmos a rir às gargalhadas.
Jorge Fiel
Esta crónica foi publicada hoje no Diário de Noticias
Como as preclaras e preclaros mais observadores já devem ter reparado, tenho andado a fazer gazeta à Lavandaria, mas há uma boa razão para isso que, no caso, até coincide com a verdadeira razão: ando sem tempo para me coçar.
Isso da falta de tempo para me coçar é uma metáfora. Nunca tive sarna, nem fui muito de me coçar. Na verdade, nesta altura da minha vida a única coisa que eu tenho coçado é a cabeça - não tanto no sentido figurado, mas sim no literal, porque ando com imensa caspa. Como acho horrível ter os ombros do casaco polvilhados de branco, submeti-me esta manhã a um Pente 1 e daqui a pouco vou ao Pingo Doce comprar Head & Shoulders.
Estão muito enganados se pensam que eu não tenho postado porque ando para aí a polir esquinas e/ou a coçar os tomates. Há largos anos que abandonei a prática do bilhar de bolso, que alivia e entretém muito o próprio, mas é extremamente desagradável à vista alheia.
Entalados nesta crise, com o desemprego upa upa, mais do que nunca temos de ser muito rigorosos na definição das prioridades – e a primeira das minhas prioridades tem sido teclar os caracteres convertíveis em euros, com prejuízo óbvio para estes devaneios.
É por essas e por outras que tomei a decisão firme (e hirta) de desburocratizar os meus hábitos de postagem. Em vez de me esforçar como um doido para postar todos os dias úteis às 18h08 vou passar a fazê-lo quando me der na veneta - e com o formato e tamanho que me apetecer.
Os tempos difíceis que vivemos exigem esta flexilidade. É o que é!
Amanhã, sem falta nenhuma, vou trocar os pneus da frente, a ver se resolvo de vez a tendência direitista da minha carrinha Fiat Marea.
Enquanto isso não acontece, pondo uma pedra em cima deste lamentável caso do Pneu Estraçalhado, tenho a comunicar-vos um feito tecnológico pessoal. Aprendi a gravar programas na box da Zon, o que me habilita a ver as minhas séries preferidas quando quiser, independentemente da hora a que foram transmitidas (muitas vezes tardia).
A este propósito, acho oportuno partilhar o meu top five actual. Ele vai variando muito. Por exemplo, alturas houve em que não perdia um CSI e agora enjoei-os a todos (a começar pelo Miami, que já fede, já não há cu para as poses do Horatio!) – talvez veja o episódio do abandono de Grissom mas certamente vou-me ficar por aí.
1.FlashForward. Estou fanático. Prende tanto como o 24 nas suas primeiras temporadas. Mark Benford (Joseph Fiennes) não faz esquecer o bom e velho Jack Bauer (Kiefer Sutherland), mas anda por lá perto. Um blackout global (blecaute escreveriam os nossos irmãos do outro lado do Atlântico) de 2m17, ocorrido às 11 am (Pacific Standard Time) de 6 de Outubro deste ano, provoca 20 milhões de mortos. Os que sobreviveram tiveram uma visão (flashorward) das suas vidas, a 20 de Abril de 2010. O epicentro da acção está em Los Angeles, mas ainda vamos no 6º episódio e a intriga já se ramificou à Somália, mete uma matança de corvos, há um mau chamado D. Gibbons (alto nome!), o presidente dos Estados Unidos já apareceu num papel muito equivoco, e acaba de nomear para vice-presidente uma senadora hispânica com muito mau feitio. Pelo meio têm aparecido uns matadores chineses. A coisa promete. Como agravante, a agente do FBI Janis Hawk (Christine Woods na vida real, a menina da fotografia que encima este post) ainda não sabe se é lésbica e tem galo nos encontros amorosos, mas é uma queridinha;
2.Free Radio.Uma pequena jóia e quando digo pequena refiro-me à duração dos episódios (22 minutos). Ando com a figadeira muito mais desopilada desde que me viciei nos diálogos absurdos com celebridades (da vida real) mantidos pelo casal de animadores (Lance e Ann) de Moron in the Morning, da KBOM FM. O Lance é mesmo idiota baptizado. Até dói. Acreditem!
3.Sem Escrúpulos (Damages). Estou entusiasmadíssimo com o início da segunda temporada desta série em que Glenn Close (no papel da advogada Patty Hewes) arrasa uma vez mais. A intriga é tão complicada que depois de ter visto e revisto toda a primeira tempoarda anda não consegui distinguir os bons dos maus. Espectacular! Brutal!
4.The Wire. Uma série policial que tem como cenário Baltimore. Está para esta primeira década do século XXI como Hill Street Blues esteve para o último quartel do século XX. Imperdível;
5.Boston Legal. Só não está no primeiro lugar deste top, porque os palhaços da Fox decidiram descontinuar aprodução de uma das melhores séries televisivas de sempre. Mas as alegações de Alan Shore são uma sinfonia, mesmo quando vistas e ouvidas pela quinta vez.
Claro que isto já começa a meter um bocado de nojo. Eu sei. A boa e velha expressão “nem o pai morrre, nem a gente almoça” assenta como uma luva a esta maçadora saga do pneu, que está a viver um longo parêntesis que engobou um arroz de pato, que espero não tenha sido indegesto para ao clientela da Lavandaria.
Hoje concluo, em passo de corrida, a lista das dez coisas que me levam a gostar muito da rua do Campo Alegre. Espero amanhã ter boas notícias (ou seja o epílogo) para dar sobre o intrincado Caso do Pneu Estraçalhado:
5.A Confeitaria Duvália encerra um si um segredo pouco conhecido mas precioso. Pertence à família de Ilídio Pinto e o bolo rei que fabrica é igualzinho em qualidade ao da sua irmã mais velha, a Petúlia. Ou seja, nas festas que avizinham, será uma opção inteligente comprar o bolo rei na Duvália em vez de engrossar as longas filas na rua Júlio Dinis;
6.O Clube Inglês é, como não podia deixar de ser, uma ilha britânica no meio do imenso mar portuense, com o seu restaurante, onde não lhe servem refeição se não estiver de casaco, e o relvado onde se joga criquete, uma entediante modalidade que estou convencido que vou morrer sem conhecer as regras que a regem;
7.As Torres de Arménio Losa (732-738), ligadas por um edifício mais baixo, merecem uma honesta vista de olhos;
8.O Restaurante Campo Alegre, que eu já não frequento há uma data de tempo (vá-se lá saber porquê) é acanhado em espaço mas amplo e generosa na oferta, que contempla duas cozinhas tão diferentes como a alentejana e angolana. Este pluralismo corresponde à denominação de origem do casal de donos, mas não me perguntem por favor se é ele ou ela que é de Angola porque eu faço sempre confusão;
9.O Capa Negra é um valor seguríssimo para uma refeição tripeira – de tripas ou francesinha – ou de origens mais alargadas. O meu amigo Amadeu, que é o zelador da Confraria das Francesinhas, torce o nariz relativamente à qualidade da francesinha, alegando que a altura do pão não é “conforme” (o vocábulo é dele), por ser exagerada, iludindo o freguês encantado com a altura da sandes. Pode ter razão. Aliás planeio voltar a este assunto da francesinha, escapelizando-o com minúcia aqui nesta Lavandaria. No entretanto, declaro que continua a gostar da francesinhas e dos magníficos rissóis de carne o Capa Negra, que antes de ser um fábrica de comida era um café onde eu passei muitas manhãs e tardes a estudar quando andava na faculdade;
10.A estátua da Rosalia Castro (na foto), na Praça da Galiza, da autoria de Barata Feyo, agrada-me de tal maneira que achei por me concluir esta lista de dez razões que me levam a gostar do Campo Alegre com um fragmento do poema Negra Sombra da poetisa galega, que morreu prematuramente (48 anos), em Padron, a terra dos famosos pimentos.
A Siemens estava decidida a fazer um grande investimento tecnológico em Portugal e diversas regiões lutavam para o acolher. Luís Braga da Cruz, à época presidente da CCRN, pediu a Daniel Bessa que fizesse de cicerone aos alemães que andavam a visitar as diferentes localizações disponíveis e a estudar os prós e os contras de cada uma delas.
Bessa levou-os a Vila do Conde e foi muito convincente porque foi esse o local escolhido para a fábrica, que no entretanto mudaria de mãos e de nome, passando a chamar-se Quimonda.
No que toca ao programa social, o futuro ministro da Economia do primeiro Governo Guterres tentou impressionar os quatro alemães que constituíam a embaixada da Siemens levando-os a jantar à belíssima sala de refeições do Circulo Universitário do Porto, ao Campo Alegre, e aconselhando-os a encomendar o Arroz do Pato, um dos pratos mais afamados da cozinha deste restrito clube.
Pouco depois da comida desembarcar na mesa, Bessa arrependeu-se do conselho ao ver os seus convidados a olharem para o prato com um ar desconfiado, após o que usaram faço e garfo para separar as águas, arrumando os bocadinhos de pato a um canto.
Ao olhar para o resultado final desta operação, constatando que o arroz ocupava a quase todalidade do prato, o bom do Daniel ficou envergonhado por os ter aconselhado uma refeição tão pobre e resolveu logo tentar emendar a mão levando-os, no dia seguinte, a almoçar à Cooperativa dos Pedreiros, um clássico que há largas décadas é considerado um dos melhores restaurantes do Porto.
O almoço correu muito bem. Os tornedós e linguados satisfizeram os olhos e a barriga do alemães. O único pequeno problema foi a conta. Desenferrujado na aritmética, Bessa reparou logo que tinha ficado a cinco contos por cabeça, soma que Braga da Cruz, iria com toda a certeza achar exorbitante.
Para não ofender o espírito económico do presidente da CCRN, pediu ao empregado que indicasse na factura que os 25 contos se referiam a oito e não cinco refeições – pensando que este pequeno truque de baixar artificialmente o preço médio de refeição por cabeça chegaria para a conta passar despercebida ao escrutínio de Braga da Cruz.
Vários anos depois, já com as despesas recebidas e a história esquecida, estavam os dois à conversa, quando, assim como quem não quer a coisa, Braga da Cruz comentou : “Ó Daniel, não acha que se está a comer cada vez mais caro na Cooperativa dos Pedreiros?”.
“Não posso ser sócio de um clube que me aceite como sócio” é um das frases mais conhecidas do baú de humor marxista (tendência Groucho), onde estão arrumadas algumas pérolas que não resisto a partilhar como os preclaros, como
“Nunca esqueço uma cara, mas no teu caso abro uma excepção”
e
“O meu cliente tem ar de imbecil, mas desconfiem das aparências, ele é mesmo imbecil”
ou, ainda, este fabuloso diálogo, mantido com um dos irmãos que falava:
- Olha, o homem do lixo está a bater à porta...
- Diz-lhe que não queremos lixo nenhum!
Desenterrei estes pedacinhos a propósito de uma das coisas que me faz gostar da rua do Campo Alegre, que é precisamente o Circulo Universitário do Porto, um clube de que eu adorava ser sócio mas que não me pode aceitar como sócio porque a admissão está restrita a professores da Universidade do Porto (UP) e eu não passo de um reles jornalista biscateiro.
4.O Círculo Universitário do Porto é um belo palacete romântico do século XIX, que foi conhecido como a Casa Primo Madeira, o nome do seu proprietário após uma profunda remodelação levada a cabo pelo arquitecto Marques da Silva.
Quando passou para a posse da UP, a reitoria encomendou o restauro ao arquitecto Fernando Távora.
Ou seja, dois dos maiores arquitectos da cidade deixaram as suas impressões digitais neste palacete transformado num clube restrito, onde jantei por diversas vezes como convidado, e que além de servir refeições, também recebe festas e disponibiliza alojamento.
A qualidade do edifício foi reconhecida pela Câmara Municipal, que em 1990, lhe atribuiu o Prémio João Almada (o equivalente portuense ao lisboeta Valmor).
Não fui testemunha, nem auricular nem ocular, da melhor história que conheço, tendo como cenário o Circulo Universitário do Porto, que me foi contada pelo seu protagonista, Daniel Bessa, tem a ver com arroz de pato, contempla de raspão a fonice de Braga da Cruz e cruza com a actualidade já que se situa na proto-história do investimento na Quimonda.
Acho que, enquanto a situação dos meus pneus dianteiros se mantém estacionária, esta história vale bem um intervalo no enunciar da lista de razões porque gosto da rua do Campo Alegre.
Os afazeres derivados desta minha vida de jornalista biscateiro ocupam-me mais tempo do que deviam, pelo que se escoou mais uma semana sem que eu conseguisse arranjar tempo (estive de 3ª de manhã até 5ª à noite em Lisboa) para ir à oficina da Pneus Ramalhão (que está fechada ao sábado e domingo) trocar de lado os pneus da frente para ver se é desta que o meu carro deixa de inclinar para a direita.
Como o Caso do Pneu Estraçalhado parece contaminado pela morosidade da Operação Furacão, aproveito a pausa para vos falar do Campo Alegre e das razões (enunciadas no sentido Lordelo-Praça da Galiza) que me levam a gostar muito desta rua:
1.A Garrafeira do Campo Alegre é muito porreira e foi preciso vir um gajo de Lisboa para lhe dar publicamente o devido valor. Estou a referir-me ao MEC, que assinou em tempos idos, no DNA (um magnífico suplemento que a direcção do DN decidiu descontinuar, em hora menos feliz), um justo elogio desta garrafeira, que está encaixilhado, em papel já amarelecido, junto ao balcão. Por razões de força maior, o Miguel está agora circunscrito a uma dose diária de ginjinha, que usa à noite, antes de se sentar ao computador a escrever (ele é biscateiro como eu), mas nos seus tempos mais gloriosos era um avisado conhecedor e forte consumidor e de vários tipos de álcoois;
2.O Jardim Botânico , com os seus liquidambares, faias, sobreiros, tílias, carvalhos e ofícios correlativos, é um local de que guardo, desde o tempo da faculdade (a FLUP ficava mesmo ali ao lado) gratas recordações, principalmente das margens do laguinho dos nenúfares. Acresce que o jardim está instalado na casa que foi habitada por dois nomes grandes da nossa literatura: Sophia e Ruben A – um tipo que intitula a sua autobiografia “O Mundo à minha procura” e que fez um strip tease integral num museu grego, porque não se sentia bem vestido no meio daquelas belíssimas estátuas nuas, só pode merecer as nossas mais elevadas estima, consideração e admiração;
3.A Confeitaria Botânica é uma das minhas esplanadas preferidas por razões de índole geo-estratégica. Comecei a frequentá-la quando andava em Letras (a faculdade ficava mesmo em frente) e mantenho-me freguês entre outras coisas porque o facto de estar a coberto de uma arcada a torna utilizável mesmo em dias de chuva;
Aspecto actual da minha Fiat Marea, que comprei quando a administração do Expresso não aprovou a recomendação da direcção editorial de me oferecer a Renault Espace azul que me tinha sido atribuída por eu o responsável pelo escritório no Porto daquele semanário
Apesar de ter as suas patas dianteiras calçadas com dois novos pneus usados, adquiridos na Pneus Ramalhão por 44 euros (soma que considerei muito em conta), a minha carrinha Fiat Marea cinzenta, com matrícula do ano em que o Porto foi Capital Europeia da Cultura (e que foi a verdadeira e anunciada odisseia no espaço), descaía para a direita, o que me incomodava seriamente a mim que tenho o coração à esquerda, como aliás estou em crer sucede com a generalidade das pessoas.
Apesar da minha completa e absoluta ignorância em matéria de pneus, aventurei-me a fazer de dr House e diagnostiquei duas eventualidades:
a)O novo pneu usado da frente do lado direito estava com pressão inferior ao seu homólogo do lado esquerdo;
b)A minha direcção tinha ficado desalinhada durante a emboscada ocorrida no Passeio Alegre, quando, ao cair da noite, um buraco (que a preclara Miou Miou diligentemente baptizou de Buraco do Fiel) matou o meu pneu da frente do lado direito e feriu gravemente a respectiva jante.
Precipitei-me em direcção à Pneus Ramalhão, onde relatei objectivamente a tendência direitista evidenciada pelo meu carro e confiei as duas causas possíveis para esse lamentável comportamento.
A hipótese de pressão desigual foi logo despistada. Seguiu-se a operação computadorizada e algo demorada de verificação do alinhamento da direcção.
No final, o cavalheiro da oficina trazia na cara o ar intrigado de quem está a pensar hmmmmmmmmm. A direcção estava desalinhada apenas três milímetros. Não tinha a certeza sobre se era a causa do descaimento para a direita do carro. Que eu experimentasse. No caso dele teimar nas tendências direitistas, que o trouxesse de novo à oficina e ele procederia à troca dos pneus da frente. Como eram usados, podia ser que o da esquerda estivesse habituado a andar na direita e vice-versa - e estivesse aqui a raiz de todos os males.
Fui ter com a Maria João, perguntando-lhe se lhe devia alguma coisa, alimentando secretamente a esperança de que o alinhamento fosse de borla. Vã esperança. Doce engano. Levou-me 15 euros e, ao ver a minha surpresa, acrescentou que era barato, e que se se eu tivesse de trocar os pneus não me levaria nada.
De volta ao Campo Alegre, a carrinha mantinha o maldito hábito de inclinar para a direita. A conta do caso do pneu assassinado no Passeio Alegre já se elevava a 59 euros e o dossiê ainda não tinha sido encerrado. Safa, Safa, como diria o Cavaco.
Aspecto parcial do meu novo pneu usado dianteiro do lado direito e da respectiva jante, após ter sido vigorosamente desempanada
Como presumo que devem estar lembrados, saí dos Pneus Ramalhão todo satisfeito por ter (aparentemente) resolvido o problema do miserável homicídio do meu pneu dianteiro do lado direito, através da aquisição de dois pneus usados, por 44 euros, soma em que se incluía o pagamento pela desempanagem da jante.
Muito infelizmente, na descida da rua Campo Alegre em direcção a Lordelo, sempre que eu largava as mãos do volante, a minha carrinha Fiat Marea descaia perigosamente para a direita, o que me deixou seriamente preocupado, tanto mais que nas últimas legislativas, naquele momento solitário em que estamos escondidos numa cabina, com uma Muji de cor roxa na mão e o boletim de voto ainda virgem à frente, a única dúvida que me atravessou o espírito foi a de decidir se punha a cruz no quadradinho do PS ou no do Bloco de Esquerda.
Já era fim de tarde e como estava bastante trânsito, achei por bem não retornar à Pneus Ramalhão (que, segundo creio, fecha às 18h30) e encaminhei-me para casa, desanimado. Afinal não ia poder riscar o item pneu da lista de Tarefas do meu Outlook.
A operação Pneu Estraçalhado continuava em aberto, tal como a operações Furacão, Portucale, Submarinos, Face Oculta, Freeport, etc. Não sei porquê, mas só me vinha à memória a imagem de Cavaco, a dizer: “Safa, safa!” .
Aspecto nocturno do meu LG que pesa tanto como o antigo HP e tem ainda menos autonomia
A culpa é minha. Eu tinha a obrigação de ter percebido logo que não era assim, com aquela facilidade toda que, pagando 44 euros por dois pneus usados, que eu iria resolver o drama induzido pelo homicídio cometido na pessoa do pneu dianteiro do lado direito por um malévolo buraco, implantado no pavimento da rua do Passeio Alegre – e que tem sido aqui referido como o Buraco do Fiel, após eu ter acolhido a amável sugestão feita nesse sentido pela preclara Miou Miou.
Euteimo em continuar a ser optimista e a não olhar para os dois lados antes de atravessar uma rua de sentido único, mas não me posso esquecer que a história da minha vida se pode condensar no episódio da compra do LG cujas teclas estou a martelar neste momento.
Antes do LG, tinha um HP que se portou à altura durante três anos, após o que começou a evidenciar preocupantes sinais de senilidade. De vez em quando, sem razão aparente, apagava-se por vontade própria, mandando para o galheiro o trabalho que eu estava a redigir e ainda não tinha sido gravado.
Como o HP se revelava cada vez mais temperamental (recusava-se arrancar logo de seguida aos trecos, solicitando um período de descanso após cada colapso) eeu estava farto de andar a fazer save sempre que concluía uma frase, resolvi investir num novo portátil, antes que de eu próprio ter uma síncope, por contágio com o computador.
Neste doloroso transe, pedi ajuda a um amigo que tem uma empresa de material informático e que já me tinha vendido o HP, no entretanto precocemente acometido pelo Alzheimer dos computadores.
O M simpaticamente disponibilizou um dos seus funcionários para me aconselhar e ajudar neste melindroso momento, a quem eu expliquei que queria o seguinte:
1.Como o HP estava doente, queria que vissem se era possível pô-lo bom de maneira a oferecê-lo ao meu filho Pedro;
2.Que transferissem para o meu novo portátil os três anos de vida, em textos e fotografias, que estavam armazenados no disco do HP;
3.O HP pesava quase três quilos e tinha três horas de autonomia. Eu gostava que o meu novo portátil tivesse mais autonomia e fosse mais leve.
Parti para o meu reequipamento informático com este caderno de encargos, que não me parece fosse ultra-ambicioso. O resultado final foi o seguinte:
1.Não conseguiram recuperar nada do disco rígido do HP, que faleceu nas mãos dos funcionários da empresa do meu amigo, levando o que fiz durante três anos (sim, eu sou um incauto e não fazia backups);
2.A HP carregou no preço para recondicionar o computador e equipá-lo com um disco novo;
3.Comprei este LG que, apesar de muito simpático e de só desligar quando eu o mando, pesa os mesmos três quilos que o HP e tem menos autonomia (duas horas apenas).
Ora, um tipo a quem é capaz de acontecer isto, não se pode convencer que resolve o problema do falecimento de um pneu gastando apenas 44 euros (desempenagem da jante incluida) e numa só ida à oficina. Pensar isso era obviamente um doce engano que não tardaria a amargar.