Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Sex | 24.04.09

Onde se chora com lágrimas amargas a dramática impossibilidade de realizar os funerais à revelia

Jorge Fiel

Detesto funerais, porque os nossos funerais são actos de auto-flagelação - não são tão divertidos e alegres como o do Alex (nos «Amigos de Alex») ou os cinco de «Quatro casamentos e um funeral».

 

Além disso ficava sempre à rasca quando chegava o momento de apresentar as condolências aos familiares mais directos do morto, até que descobri que basta pronunciar em voz baixa uma algaraviada qualquer sem sentido, enquanto se dá um aperto de mão firme, ou um abraço rápido mas apertado, porque o/a destinatário/a ouve a frase correcta e adequada que lhe murmuraram ao ouvido os outros participantes mais habituados a estas cerimónias, e que estavam à nossa frente na fila para os cumprimentos.

 

Também não gosto de funerais pelas razões de carácter social, de conveniência e  hipocrisia que estão presentes no processo de decisão sobre a nossa presença no acto.

 

Como já ninguém acredita na ressurreição, ninguém vai ao funeral por causa do morto (ele nunca saberá se nós fomos ou não) mas por causa dos que cá ficam.

 

Por este conjunto de razões, que espero compreendam, detesto funerais e decidi que na minha vida só irei a mais um, o meu – pela poderosa razão de que se eu faltar ele não se pode realizar. Não há funerais à revelia.

Qui | 23.04.09

A idade é um lugar estranho

Jorge Fiel

Annabella Sciorra

 

Detesto funerais. É por isso que sou apenas um fã moderado dos «Sete palmos abaixo de terra». A excepção é o «Funeral» (1996), o filme de Abel Ferrara  que me apresentou Annabella Sciorra *, por quem me apaixonei à primeira vista.

 

Acho que todos devemos ter um pequeno lugar reservado no nosso coração para uma paixão platónica por uma artista de cinema.
Annabella substituiu Debra Winger, que me pôs a cabeça a andar à roda em «Laços de Ternura» (1983) – chorei no fim, quando ela morreu – e o seu reinado no topo do meu top pessoal durou oito anos, até me aparecer pela frente Scarlett Johansson no «O amor é um lugar estranho» (2003).

 

Pensando bem nesta evolução, há motivos para eu ficar preocupado. Primeiro elas estão a ficar cada vez mais novas. Quando me apaixonei pela Debra ela tinha 28 anos e eu 27; no caso da Anabella, ela tinha 32 e eu 40.

 

Com a Scarlett o assunto já roça a pedofilia, pois a nossa relação (unilateral) iniciou-se comigo nos 47 anos e ela nos 19!

 

Acresce a mudança de tipo do objecto da paixão, que evoluiu da morena queridinha e terna (a quem apetece fazer festinhas e estar com ela de mão dada no cinema), para a loura boazona que nos fala directamente à braguilha. A idade é um lugar estranho.

 

* Mais recentemente, ela faz de Gloria, a namorada de Tony, nos Sopranos

Qua | 22.04.09

A história da Barbie divorciada

Jorge Fiel

Com a ajuda da empregada do bazar, preparava-se para comprar a primeira Barbie para a filha. Pegou numa e perguntou que Barbie era aquela - e o preço. «É a Princesa da Holanda e custa 19,95 euros».

 

Continuou a passar em revista as prateleiras até que o olhar se deteve numa boneca que se veio a revelar ser a Barbie Minnie Mouse (14,99 euros).

 

Ainda apreçou a Barbie Lois Lane (14.99 euros) até se decidir por uma versão especialmente atraente/bem produzida e cintilante da boneca inventada em 1958 por Ruth Handler (mulher de Elliot, o fundador da Mattel) e inspirada em Bárbara, a filha mais nova do casal.

 

«Levo esta» - disse. E ao mesmo tempo que entregava a boneca à empregada (e lhe pedia para ela fazer um embrulho bonito), perguntou-lhe o nome e preço. «É a Barbie divorciada. Custa 199,95 euros…».

 

O pai ficou para a vida dele e perguntou: «Então, se todas as outras Barbies andam no intervalo dos 15 a 20 euros, porque é que esta custa dez vezes mais?»

 

«A Barbie divorciada é mais cara porque trás com ela o Ferrari, a casa e a piscina do Ken», respondeu a empregada.

 

Ter | 21.04.09

Estão verdes... não prestam!

Jorge Fiel

Das duas versões clássicas da fábula da «Raposa e das Uvas» prefiro claramente a moral da história tirada por La Fontaine.

 

Como devem estar lembrados, a situação é idêntica em ambas as versões, que apenas diferem na conclusão. Uma raposa faminta passa debaixo de uma parreira carregada de cachos de uvas bem maduras, mas altas demais. Por mais que pulasse não conseguiria abochanhá-las.

 

Na versão de Esopo (séc. VI aC) , a raposa olhou para os cachos e disse: «Estão verdes..»,. «É fácil desdenhar daquilo que não se alcança», concluiu o filósofo grego, tornando-se assim o remoto inspirador do moderno provérbio «quem desdenha quer comprar» . ,

 

Na versão de La Fontaine (sec. XVIII), a raposa seguiu o seu caminho, murmurando: «Estão verdes. . .  já vi que são azedas, duras. . ». «Adiantaria se chorasse?» – remata o poeta e fabulista francês. Eu interiorizei como um mandamento de vida, o pragmatismo do ensinamento tirado por La Fontaine da fábula da raposa.

 

Sonhar ser vizinho da Yoko Ono no Dakota Building (com vista para o Central Park), ter um apartamento no coração do Marais (preferencialmente na Place des Vosges), ser visita de casa de Scarlett Johansson, e viajar pelo Mundo em executiva com um portátil Sony Vaio BX197XP debaixo do braço, não passaria de um exercício barato de masoquismo.

 

E um desperdício de tempo que me impediria tirar o devido prazer da vida que tenho. Devo confessar-vos que vivo bastante satisfeito com o formato «estão verdes… não prestam» gravado no meu rígido e respondendo sempre em regime de piloto automático..   

 

Ser um pragmático da linha dura não equivale a atravessar a vida com os braços caídos. O «estão verdes… não prestam» não pode ser sinónimo de desistência, mas sim da recusa em travarmos guerras que à partida sabemos que não podemos ganhar.

Se queremos ganhar, não vale a pena jogar ténis com Boris Becker. Mas se calhar podemos vencê-lo se o desafiarmos para uma partida de xadrez ou de matrequilhos. Temos é de ser realmente bons e competitivos nestas disciplinas.

 

Com uma simplicidade luminosa, o ministro de Estado japonês Kouki Chuma explica tudo numa frase desarmante: «As roupas baratas, o Japão compra à China. As roupas caras, a China compra ao Japão». Esta bússola de bom senso deveria chegar para sobreviver.

Seg | 20.04.09

Afoito de Rei e Oito

Jorge Fiel

Jogar poker, na sua variante aberta, pode ser tão estimulante como ler um thriller de Dan Brown, Ken Follet ou Robert Ludlum  - e quase tão apaixonante como devorar, uns atrás dos outros, episódios de 24, a série que lidera destacada o meu top pessoal de preferências televisivas.

 

Resumindo, em benefício dos agnósticos, no poker aberto cada jogador recebe duas cartas, só para os seus olhos, após o que vão sendo sucessivamente expostas mais cinco cartas, à vista e para uso de todos.

 

As apostas são feitas carta a carta. Ganha quem chegar ao final com o jogo mais elevado. O menu, hierarquizado, começa com o Royal Straight Flush - a sequência máxima (A,R,V,D,10 de espadas), o jogo de uma vida -  e acaba com um par (dois 8, por exemplo).

 

O poker joga-se num estado de alerta e tensão. Sempre que sai uma carta para a mesa, temos de camuflar as nossas emoções (não deixando transparecer se é ou não boa para nós) e tentar ler reacções no rosto ou tipo de aposta dos adversários. E é obrigatório estarmos sempre a recalcular as nossas hipótese de alcançar uma combinação de cartas superior à dos outros jogadores.

 

Ver a primeira carta aberta na mesa não custa dinheiro e pode dizer muito. Se temos, por exemplo, dois reis (R) na mão ficamos logo com o chamado trio à cabeça. Há uma elevada probabilidade conseguirmos fazer um poker (quatro cartas iguais) de reis ou um fullen (um trio e um par). Basta nas quatro cartas que faltam sair o quarto rei ou duas delas serem iguais (dois valetes por exemplo).

 

Um 10 e valete de jogo de mão também é muito promissor, pois está aberto para todas as sequências  - máxima (A,R,V,D,10), média (RVD10,9), mínima (V,D10,98) ou asa de mosca (A,V10,9,8). Já um rei e oito de mão é catastrófico. Não dá para construir qualquer espécie de sequência e só muito dificilmente conseguirá um fullen. Jogador que se preze desiste logo se o seu jogo de mão for R e 8 – a não ser que seja optimista e a primeira carta aberta na mesa for um rei ou um oito.

 

O poker é um jogo muito atraente, pena que tenha de ser jogado a dinheiro.

Mas há outros jogos inteligentes, que não obrigam a dinheiro em cima da mesa, como o bridge (um das coisas que mais lamento na vida foi não ter aproveitado a tropa para o aprender a jogá-lo) e o king - as duas últimas e o leilão das festas são belos exercícios para as nossas celulazinhas cinzentas.

 

Há também jogos completamente estúpidos e estupidificantes como o bingo, que não exigem nada do participante. É comprar o cartão e ir anotando os números que saem.

 

Tenho um grande desprezo pelo bingo e pelos seus praticantes, a quem recomendo sempre que evoluam para jogos que puxem por eles e os obriguem a ginasticar o cérebro e fazer contas de cabeça, como o dominó. a sueca ou até mesmo a bisca. Cheguei mesmo uma vez a pensar, construir um barómetro aferidor da inteligência dos habitantes de um pais usando como base a percentagem da sua população que joga bingo.

 

Foi por isso com uma enorme alegria que soube que os bingos do clube de futebol estavam a fechar uns atrás dos outros, num efeito dominó, à mingua de clientela.

 

Um pessimista é uma pessoa que olha para os dois lados antes de atravessar uma rua de sentido único. Um optimista é um jogador de poker que vai a jogo afoito de rei e oito. Eu sou moderadamente optimista – mantenho-me em jogo com rei e oito se a primeira carta aberta for um rei.

 

É por causa deste meu optimismo moderado que me atrevo a ler nas folhas de chá e a ver nesta deserção dos jogadores de bingos um sinal benigno - de que a generalidade dos meus compatriotas talvez estejam a ficar menos preguiçosos e mais exigentes.

 

Sex | 17.04.09

Porque é que a Halle é a minha Bond Girl preferida

Jorge Fiel

 

A minha perdição por morenas de cabelo curto explica muitas coisas, em particular a razão pela qual a minha Bond Girl preferida é a sofisticada Halle Berry ( Jinx em Die Another Day) e não a bomba sexual Ursula Andress (Honey Rider, em Dr No).

 

As cidades de Cleveland e Berna só podem estar orgulhosas por nos terem dado as mulheres que protagonizaram a mais sensual cena da saga 007, ao revelarem - revelando ao Mundo todo o seu esplendor ao emergir do mar em reduzidos bikinis.

 

Eu acho que a Halle Berry  é uma espécie de Obama feminino “avant la lettre” que tem  tudo quanto um homem pode desejar para ser feliz: o olhar maroto, a cara bonita, as frases cortantes que denunciam uma inteligência cínica, o azar aos amores e um corpo tão, tão saudável que nem dá mesmo para acreditar que ela seja mesmo diabética.

 

É muito pouco provável que a minha vida tropece na dela. Mas se isso acontecer, eu já sei perfeitamente o que não vou fazer. Ela detesta os homens que a tentam beijar no primeiro encontro.

 

Qui | 16.04.09

Fui vitima de um DNS cometido pelo Negesse

Jorge Fiel

Hoje fui mais uma vez vítima de um DNS (Did Not Show). O autor foi o Negesse Pina, 29 anos, o santomense que preside à Associação Académica da Universidade de Aveiro (AAUAV).

Tinha um almocinho combinado com ele, com encontro marcado para as 12h30, nas instalações da associação. À hora marcada estava eu na rotunda de entrada de Aveiro, quando o telefone tocou. Era a Catarina Santos (colega e/ou secretária do Negesse) a comunicar-me que o almoço ficava em águas de bacalhau.

O Negesse pedia muita desculpa, mas não ia poder aparecer (o que configura o já referido e clássico DNS) porque tinha morrido um aluno da Universidade de Aveiro e ele estava no hospital a confortar os pais.

Como estava a conduzir (e não estou interessado em apanhar mais uma multa de 120 euros por ser apanhado a guiar com o telemóvel na orelha) não aprofundei as circunstâncias do passamento (presumivelmente ocorrido no hospital) nem o grau de intimidade do Negesse com o falecido.

Mas fiquei aborrecido. O último DNS de que me lembro ter sido vitima foi cometido em Paris pelo Dasilva, um descendente de portugueses que está ter algum sucesso no panorama musical francês.

Eu e o TóPê aparecemos à hora combinada no estúdio onde ele estava gravar, mas do Dasilva nem sombra. Sim senhor, tinha estado a gravar, mas entretanto saira para comer qualquer coisa com os músicos e disse que já não voltava, ponto final parágrafo, assim a seco, sem mortes, nem doenças, nem lamentáveis esquecimentos, nem imprevistos urgentes a amortecerem o DNS.   

Eu fico chateado, mas como tenho um coração de manteiga não lhes levo a mal  (pelo menos muito a mal). Uma boa parte dos meus colegas retaliam, desistindo logo do trabalho. Eu não. Não sei se faço bem, mas dou-lhes uma segunda oportunidade.

À segunda tentativa, o Dasilva estava no sítio à hora marcada e acabou por ocupar uma página da Revista do Expresso num trabalho sobre luso-descendentes bem sucedidos em França.

Se a Catarina voltar a telefonar a marcar novo almocinho, eu também darei uma segunda oportunidade ao Negesse de ser um dos convidados do Dois Cafés e a Conta, uma rubrica que ocupa a última página da edição de domingo do Diário de Notícias e é um dos biscates que eu faço para ganhar a vida.

Perdoo-lho o prejuízo, que não foi pouco: quatro horas de vida, 160 km, portagens, um euro de estacionamento junto ao cemitério, 4,25 euros de uma caixa de ovos moles e quatro euros de quatro pequenos pães de ló de Ovar, seis euros do almoço no Vitaminas do Forum Aveiro (salada de carne assada e ananás e sumo de maçã e morango).

Que seja tudo em desconto dos meus pecados, digo eu, pensando que teria sido muito pior se estivesse dependente do Negesse para este domingo. Felizmente, estou bem calçado neste particular, pois almocei na 2ª feira, na Trempe, em Campo de Ourique, com a Maria Manuel Leitão Marques (secretária de Estado da Modernização Administrativa) e na 3ª, em Serralves, com a Alexandra Bento (presidente da Associação Portuguesa dos Nutricionistas). 

Um pontapé nas costas teria sido pior. 

Qua | 15.04.09

Pau de canela é capaz de fazer subir o pau e baixar o açúcar no sangue, colesterol e a pressão arterial

Jorge Fiel

A importação de canela para o mundo ocidental justificaria por si só a extraordinária gesta dos Descobrimentos e Expansão portuguesa nos séculos XV e XVI.

Apesar de não ser muito de doces, adoro canela. Acho delicioso e imprescindível adicionar pó de canela antes de levar à boca o bom do pastel de nata.

Mais. Estou em crer que, se não fosse a canela, eu não gostaria tanto de comer farturas por altura do D. João.

Quando eu era miúdo, à mingua de chocolate (que à época ainda era um luxo reservado às classes possidentes), a minha mãe polvilhava com canela o copo de leite. Talvez por isso, a canela ocupe no meu imaginário o lugar simpático de condimento que alegra a vida dos pobres.

As rabanadas sem muita canela são como um jardim sem flores. A aletria sem canela é um pão sem sal. O casamento num bolo dos sabores a maçã e a canela ainda consegue ser mais harmonioso que uma serenata de Mozart.

Não me custa nada a crer que o uso e abuso da canela contribua para fazer baixar o açúcar, o coleterol e a pressão arterial – e para fazer subir outra coisa (estou a referir-me aos efeitos afrodisíacos, ainda não completamente comprovados do ponto de vista cientifico).

Um pau de canela atirado para dentro do bule, ao mesmo tempo que a água a ferver, confere imediatamente um travo exótico e alguma distinção ao mais banal dos chás.

A cor de canela é tão bonita que ainda não desisti de um dia vir a ter um MX5 Miata dessa cor – ou um Twingo cor de mostarda. O pau de canela até pode ter propriedades alucinogénicas, uma vez que este último pensamento me veio a cabeça enquanto mordiscava um pau de canela (apesar disso estou em condições de vos jurar que o consumo da canela é legal – não há nenhum problema em serem apanhados a conduzir ou trabalhar sob o efeito de um pau de canela, posso-vos garantir).

Ter | 14.04.09

O Américo, o Joe, eu e o Álvaro

Jorge Fiel

Américo Amorim é o homem mais rico de Portugal e apesar disso não se incomoda nada em declarar, urbi et orbi, que não sabe abrir portas nem fazer chamadas telefónicas – tarefas que delega no Bacelo, um simpático cavalheiro que além disso ainda lhe faz as vezes de motorista, espécie de guarda costas e secretário em part time (quando vai buscá-lo de manhãzinha cedo à casa da rua rainha D.Estefânia, atrás do Capa Negra e um pouco abaixo da CCRN,  já leva assinalado nos jornais os artigos que ele deve ler na viagem até Mozelos).

Joe Berardo, que já foi mais rico do que é agora e ideologicamente se está a aproximar a grande velocidade do Bloco de Esquerda (não encontro outra explicação para ele ter afirmado que “os executivos dos bancos e operadores de derivados deviam estar todos presos”), é proprietário de uma das mais cobiçadas colecções de arte contemporânea do Mundo e apesar disso não se coibe de divulgar, urbi et orbi, que a primeira obra de arte que  comprou foi um poster da Gioconda, convencido de que se tratava de um original (só soube disso quando chegou a casa e a mulher o desenganou explicando-lhe que o original de Leonardo estava exposto em Paris, no Louvre).

Se Américo e Joe se podem dar a estas franquezas, não vejo motivo para eu próprio vos confessar que há uma data de coisas que sou absolutamente incapaz de fazer, como andar de bicicleta, falar mandarim, adivinhar quando será a retoma ou deitar fora coisas velhas.

É por essas e por outras que estou apavorado com a perspectiva de ter de empacotar a mobília, papéis, livros, discos e ofícios correlativos que acumulei ao longo do último quarto de século.

Para a semana vou mudar de casa e estou aterrorizado com a perspectiva, principalmente depois de me ter visto ao espelho na resposta que Álvaro Siza deu, na penúltima edição da Pública, quando a Anabela Mota Ribeiro lhe perguntou: “O que sentiu quando saiu da casa da rua da Alegria?”

“Um enorme incómodo: mudar de casa é uma das coisas mais terríficas da existência. Vamos acumulando coisas, a maior parte das quais não serve para nada. É muito difícil na hora de mudança, que é a oportunidade de dispensar todas as coisas inúteis, a gente desprender-se. Há coisas que tenho no armazém (do escritório) que não me interessa nada ter. Mas não consigo dar ou deitar fora. Há um agarramento grande. Há uma longa história que é difícil abandonar. É muito doloroso”, respondeu Siza.

Seg | 13.04.09

Gostava de ter sido um dos bravos do Mindelo

Jorge Fiel

Como eu gostava de ter sido um dos bravos que a 9 de Julho de 1832 desembarcaram no Mindelo e acompanharam D. Pedro IV até ao Porto, onde o exército libertador esteve durante mais de um ano cercado pela tropa realista, leal a D. Miguel, o rei absolutista e usurpador.

O cerco do Porto (Julho 1832-Agosto 1833) é uma das mais belas e gloriosas histórias da minha cidade, que em tributo à sua heróica resistência, conquistou o direito a inscrever no seu brasão o qualificativo de “mui nobre, invicta e sempre leal”, concedido por D. Pedro IV de Portugal – ou D. Pedro I do Brasil.

Nascido no ano da Revolução Francesa (1789), o Rei Soldado foi, no século XIX,  um misto, avant la lettre, de Amílcar Cabral e Che Guevara.

É difícil não simpatizar com um rei anti-colonialista que ao proclamar a independência do Brasil (dando o célebre grito do Ipiranga) prescindiu do trono de Portugal.

É difícil não simpatizar com um imperador que mostrou o desapego ao poder ao abdicar da coroa brasileira, nove anos depois de ter ser aclamado, para assumir o comando do exército que libertou o país do jugo absolutista que o seu irmão Miguel queria impor, faltando ao que lhe tinha prometido.

Apesar de ter faltado tudo na cidade, durante os longos e perigoso 13 meses que durou o cerco, eu gostaria muito de ter estado a lutar pela liberdade e os outros ideais liberais, de arma na mão, ao lado de Alexandre Herculano, Joaquim António de Aguiar ou Almeida Garrett (quem sabe teria ganho o direito a entrar para a toponímia e ser nome de uma avenida ou de um praça!).

Apesar de correr o risco de encontrar a morte, por tifo, cólera ou na ponta de uma bala realista, eu adoraria ter participado na corajosa defesa da Serra do Pilar, comandada pelo general Torres, e de ter estado sob as ordens do marechal Saldanha na batalha que rechaçou uma incursão realista no lugar que, em homenagem à bravura dos defensores do Porto, se viria a chamar a rua do Heroísmo.

Ao cabo de um ano, com o apoio da população tripeira, os 12 mil soldados do exército libertador (o contingente dos bravos do Mindelo foi engrossado pelos voluntários, à época conhecidos por “polacos”) aguentaram sitiados as ofensivas dos 60 mil soldados realistas e lograram romper o cerco e partir à conquista de Lisboa.

D. Pedro jamais esqueceu o vibrante apoio das gentes do Porto. Para lhes agradecer, usou o gesto sem precedentes de deixar o seu coração em testamento à cidade.

Após a sua morte prematura em 1834, com apenas 36 anos, a viúva cumpriu-lhe a vontade e entregou ao Porto o coração de D. Pedro, que está guardado na igreja da Lapa  - e é um das mais preciosas e simbólicas relíquias que a cidade alberga.

PS. Ontem apeteceu-me fazer gazeta e em vez de escrever este post estive a ver cinco episódios seguidos da série Studio 60 (a advogada Mary, com QI de 210, parece-me muito mais queridinha que a Harriet e mais picante que a Jordan, que é sem dúvida muito bonita mas parece-me um tudo nada pãozinho sem sal). Acho que após seis meses a postar todos os dias, ininterruptamente, ganhei o direito a ter os fins de semana livres J

Pág. 1/3