Tão simples como limpar o cu a meninos
As expressões idiomáticas exigem muito do tradutor, que além de criativo tem de ser um profundo conhecedor do forro das línguas que usa.
Não é por acaso que alguns dos melhores utentes que conheço da língua portuguesa mantiveram relações de enorme intimidade com o dicionário.
Manuel António Pina integrou durante uma data de anos a equipa de revisão do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, e o Assis Pacheco andava frequentemente com um dicionário debaixo do braço.
Por muito que chova em Portugal, nunca choverão cães e gatos. Poderão chover picaretas (mesma na sua versão falante, como é o caso do camarada Guterres), mas nunca animais domésticos.
Já em Espanha é um caso à parte, pois - como até uma simples vendedora de flores inglesa com sotaque cockney sabe -, no país vizinho a chuva cai principalmente nas zonas planas.
A propósito, confesso-vos que estou com alguma curiosidade de saber como terá sido traduzido para outras línguas a opinião sobre Lisboa que José Cardoso Pires pôs na boca de Alexandra Alpha: “Um labirinto de calçadas, com facas, estátuas e manguitos a choverem dos telhados”.
Eu não consideraria tão simples como comer uma fatia de bolo de chocolate húmido, a tarefa de traduzir a expressão idiomática “it’s a piece of cake”. Pensaria no “é de carregar pela boca” mas optaria decididamente pelo “é como limpar o cu a meninos”.
Devo dizer que tenho bastante experiência no particular de limpar o cu a meninos, tarefa que desempenhei, presumo sempre com eficiência, nos rabos dos meus filhos João, Pedro e Mariana.
É fácil, como a própria expressão indica, mas nem sempre é agradável. Na hora das refeições, não apreciava nada ouvir o berro “já está!” oriundo das profundezas da casa de banho.