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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Qua | 31.12.08

Nunca se esqueça de puxar o autoclismo!

Jorge Fiel

 

A melhor frase que ouvi sobre autoclismos foi dita pelo meu preclaro amigo Carlos Magno, pessoa a quem ainda não foi feita a justiça devida ao facto de ser um dos melhores escultores (vivos) de frases do jornalismo português.

O contexto foi um dos momentos de viragem do jornalismo em Portugal. Estávamos no final da década de 80, e o Vicente Jorge Silva tinha acabado de convencer o Belmiro de Azevedo a abrir os cordões à bolsa e financiar o nascimento do Público.

O mercado do jornalismo estremeceu. A febre da procura desencadeada pelo novo diário produziu um aumento brutal dos salários. Antes do Público, os jornalistas ganhavam o equivalente a um sargento do exército. A dupla Vicente/Belmiro pôs-nos a ganhar como coroneis! Bem hajam. Bons tempos!

Eu (que estava no Semanário) e o Carlos (que estava na Antena 1) fomos beneficiários indirectos de toda esta agitação, já que o Público nasceu de uma costela do Expresso - bem, dada a dimensão do êxodo, se calhar é mais apropriado escrever que nasceu a partir de uma data de costelas do Expresso.

O movimento de fundação do Público teve características afins à cisão entre a PCUS e o Partido Comunista Chinês - ocorrida no dealbar dos anos 60, e abordada em O um dividiu-se em dois por José Pacheco Pereira -, o que não é de estranhar pois parte significativa do estado maior que Vicente levou do Expresso era constituída por ex-maoistas, como José Manuel Fernandes e José Queirós.

No caso do escritório do Expresso no Porto, a limpeza foi quase completa. Joaquim Fidalgo e José Queirós capitanearam uma defecção que incluiu a telefonista e a empregada da limpeza.

Francisco Balsemão ficou em pânico, e após não ter conseguido estancar a debandada com a oferta de salários generosos (o dobro é sempre bom, mas nem assim…), virou-se para o mercado.

Com José António Saraiva apanhado de surpresa pela deserção em curso, Balsemão chamou Joaquim Vieira para fazer de Marquês de Pombal.

O Vieira convidou o Carlos Magno para ir tomar conta do Expresso no Porto. O Carlos convidou-me para o ajudar na empreitada. Limadas todas as arestas, desembarcamos os dois na sobreloja do 803 da rua Júlio Dinis, junto a Petúlia, onde os fundadores do Público tinham deixado para trás apenas um jornalista sénior.

Ora este jornalista, já de si bastante maçador, tinha ficado duplamente contrariado. Primeiro, por os seus antigos colegas e camaradas (nas duas acepções da palavra) não o terem levado para o Público. E em segundo lugar porque, ficando, ambicionava ser ele o chefe.

Vai daí o jornalista maçador tratou de fazer a vida negra à nova gerência, o que inspirou o Carlos Magno a pronunciar a melhor frase que me foi dada a ouvir sobre autoclismos: “Eles levaram tudo, mas esqueceram-se de puxar o autoclismo!”.

PS. Peço-vos que contrariem as previsões e façam-nos a todos o favor de ter um fantástico ano novo de 2009. Ah, e não se esqueçam de puxar o autoclismo e descarregar nos esgotos os restos mal cheirosos de 2008.

 

Ter | 30.12.08

Não se acanhe! Use a escova da sanita!

Jorge Fiel

 

Um dos efeitos secundários perniciosos da moda de alojar dentro das paredes os reservatórios dos autoclismos é ficarmos desprovidos de um óptimo esconderijo doméstico.

Todos nós já vimos em filmes e séries de televisão que os reservatórios do autoclismo são o sítio ideal para esconder a Smith & Wesson, o saquinho  de coca ou o vídeo porno caseiro que planeamos usar para fazer chantagem a uma importante figura pública.

É por essas e por outras que conto com a colaboração de todos os malfeitores – sejam eles traficantes de droga, membros de claques organizadas ou banqueiros corruptos – nesta minha campanha para a libertação dos reservatórios dos autoclismos, injustamente aprisionados no Guantanamo das paredes.

Mas ser um militante activo desta causa, não implica negligenciar o cumprimento da etiqueta do utente da sanita.

O facto da maioria dos reservatórios estarem inacessíveis não pode ser desculpa para a não observância de algumas regras básicas, das quais me permito destacar duas:

1.     Nunca se esquecer de accionar o autoclismo

Ser distraído não serve de álibi para o terrível pecado social que consiste em abandonar a casa de banho deixando atrás os seus detritos malcheirosos a boiarem na sanita;

 

2.     Usar a vassoura da sanita sempre que necessário

A escova da sanita pode não ser o mais bonito dos objectos domésticos, mas a verdade é que existe e tem uma utilidade incontornável. Os japoneses da Sanrio reconheceram isso e prestaram a este objecto a homenagem de comercializar uma vassoura de sanita Hello Kitty. Nenhum de nós controla a textura dos detritos sólidos que expele pelo ânus e de, quando em vez, lá vêm alguns com qualidade particularmente aderentes e resistem à enxurrada higiénica do autoclismo, obrigando ao manuseamento da escova que costuma estar estrategicamente colocada ao lado do trono.

Estas duas simples e básicas regras não são mais do que o declinar do conselho que, na sua imensa sabedoria, o povo dá: Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.

 

Seg | 29.12.08

Liberdade para os reservatórios de autoclismo aprisionados no Guantanamo das paredes!

Jorge Fiel

 

O autoclismo a verter é uma verdadeira dor de cabeça, de consequências gravosas para a economia doméstica e o equilíbrio ecológico do planeta.

Não há bela sem senão, e o grande senão do autoclismo é que, de vez em quando, desregula-se e começa a verter, obrigando-nos a chamar um canalizador e a entrar em despesas.

Apesar de saber que corro o sério risco de ser apelidado de reaccionário, declaro aqui ter muitas saudades do tempo em que os reservatórios e o essencial do mecanismo do autoclismo estavam à vista de todos e as suas entranhas eram acessíveis aos leigos.

Sou completamente desprovido de jeito de mãos. Mudar uma lâmpada e um pneu são os limites da minha competência nestas questões. Mas mesmo assim, lembro-me perfeitamente do tempo em que era auto-suficiente em matéria de autoclismo.

Quando o mecanismo começava a verter, lá ia eu, muito lampeiro, abrir a tampa do reservatório e com estas mãozinhas resolvia o assunto, ajustando a bóia. Além de económico, este dar um jeito ao sifão enchia-me de orgulho, pois tinha acabado de desempenhar com sucesso uma das tarefas domésticas que consta da lista de atribuições do homem da casa.

Agora que o reservatório foi aprisionado no interior das paredes, parte da minha masculinidade está ameaçada e não tenho outra solução senão recorrer ao outsourcing para solucionar a questão do autoclismo que verte.

É por essas e por outras que defendo o aprofundamento do movimento de ruptura iniciado nos anos 70 pela dupla Renzo Piano/Richard Rogers com a construção do Centre Georges Pompidou. E reivindico que o autoclismo e as outras canalizações sejam libertadas do interior das paredes e externalizadas, em nome do fácil acesso às condutas em que assenta parte essencial da felicidade dos nossos lares.

 

Dom | 28.12.08

Duas ou três nuvens ecológicas sujam o belíssimo céu azul do maravilhoso mundo dos autoclismos

Jorge Fiel

 

O mundo era muito mais triste antes da invenção do autoclismo.

Agora parece tudo simples. Um só gesto de rodar ou pressionar um botão (puxar a corrente, no caso dos mecanismos vintage como o da fotografia) e lá vem uma descarga de água purificadora que empurra para a rede de esgotos os desperdícios líquidos e sólidos do funcionamento íntimo do nosso aparelho digestivo. É uma maravilha!

 

Mas como diz o povo, na sua infinita sabedoria, não há bela sem senão, e eu detecto duas ou três nuvens, de carácter ecológico, a sujar o belíssimo azul do céu do maravilhoso mundo dos autoclismos.

A verdade é que nós abusamos do consumo de água e o bom do autoclismo é a maior fonte de desperdício. A dura realidade do INE revela-nos que uma família média portuguesa, com quatro elementos, gasta 182 mil litros de água por ano e um terço deste consumo tem origem nas descargas do nosso amigo autoclismo.

Chegado a este ponto, não posso deixar de me levantar e, de pé, saudar respeitosamente o esforço ecológico desenvolvido pela nossa Cerâmica de Valadares que inventou um autoclismo verde. Nem mais!

Volto a sentar-me (escrever de pé no teclado dá tanto jeito como satisfazer, na mesma posição erecta, as nossas necessidades fisiológicas de carácter sólido) para explicar o que é o autoclismo verde que está a ser produzido aqui ao lado, em Gaia, por obra e graça das louváveis preocupações ambientais do terceiro maior fabricante europeu de louça sanitária.

O autoclismo verde é um Ovo de Colombo, já que o seu reservatório produz descargas de apenas seis litros, ao invés dos nove litros dos autoclismos tradicionais.

O autoclismo verde é a consagração tecnológica do truque de pôr um garrafa de água vazia no reservatório para diminuir a quantidade da descarga, que era usado por famílias preocupadas com a conta da água e/ou o futuro do Mundo.

 

Sab | 27.12.08

Descarga da privada ou autoclismo da retrete?

Jorge Fiel

 

“Em 1973, fui trabalhar numa revista brasileira editada em Lisboa. Logo no primeiro dia, tive uma amostra das deliciosas diferenças que nos separavam, a nós e aos portugueses, em matéria de língua. Houve um problema no banheiro da redação e eu disse à secretária: «Isabel, por favor, chame o bombeiro para consertar a descarga da privada». Isabel franziu a testa e só entendeu as quatro primeiras palavras. Pelo visto, eu estava lhe pedindo que chamasse a Banda do Corpo de Bombeiros para dar um concerto particular de marchas e dobrados na redação. Por sorte, um colega brasileiro, em Lisboa havia algum tempo e já escolado nos meandros da língua, traduziu o recado: «Isabel, chame o canalizador para reparar o autoclismo da retrete». E só então o belo rosto de Isabel se iluminou.”

Socorro-me desta pequena história, contada pelo escritor brasileiro Ruy Castro na Folha de São Paulo, para introduzir (sim, a língua portuguesa pode ser muito traiçoeira) a magna e candente questão do autoclismo.

Na expressão “descarga da privada” começo por salientar a sabedoria brasileira em consagrar na língua o carácter eminentemente privado dos actos cometidos na sanita, que já foi devidamente sublinhado aqui na Lavandaria.

Registo ainda o facto relevante de que enquanto, deste lado do Atlântico, nós tratamos o reservatório pelo nome genérico atribuído ao mecanismo hidráulico (autoclismo), do outro lado eles preferem, com graça, designá-lo pela sua acção: a descarga.

Devo ainda dizer que me agrada a sonoridade da palavra autoclismo, que tem embutida algum valor onamatopeico, pois, em certa medida, imita o som daquilo que significa..

A palavra autoclismo é uma palavra de ser muito valiosa para os poetas, já que rima todos os ismos.

Excluindo alguns autores escolhidos a dedo (toda a Adília Lopes, quase todo o O’Neil, algum Manuel António Pina), nunca fui muito de poesia (sempre meteu impressão o desperdício de papel inerente a esta expressão) mas reconheço que para um poeta contemporâneo deve ser uma enorme tentação fazer rimar com autoclismo o cataclismo que se anuncia para 2009.

Mais acrescento que autoclismo se presta ainda a graças como a da participação no genérico de um dos programas dos bons velhos tempos do  Herman de um tipo chamado Tó Clismo.

 

Sex | 26.12.08

Deixem passar a música

Jorge Fiel

Nesta agitada vida moderna que levamos, raramente dedicamos 100% da nossa atenção à música.

Ouvimos música nas mais variadas circunstâncias, mas estamos quase sempre a fazer também outra coisa.

Ouvimos música enquanto trabalhamos, lemos, conversamos, pensamos, quecamos, guiamos, cozinhamos, comemos, bebemos, jogamos poker ou adormecemos.

Mas raramente ouvimos só música. Raramente nos sentamos no sofá com o único objectivo de fruir a música – isso normalmente só acontece quando vamos a um concerto.

Vem esta reflexão a propósito do esforço para tirar partido, com prazer e eficácia, do tempo que passamos descontraidamente sentados no trono.

Ler está bem, como já tivemos oportunidade de problematizar aqui na Lavandaria. Mas por que não ouvir música?

Levanta-se aqui um pequeno problema de não ser comum as nossas casas de banho estarem apetrechadas com alta fidelidade.

Pode sempre levar-se o iPod, mas não me parece muito prático ter ao dependuro várias coisas ao mesmo tempo (os fios dos auscultadores e o resto) enquanto estamos com as calças em baixo.

A solução pode passar por um pequeno investimento num daqueles rádios modernos, com forma de cubo e analógicos, que dão um som bem porreiro.

Só pode facilitar o trânsito intestinal estar sentado no trono a ouvir canto bizantino na Antena 2.

Também pode optar por alocar à casa de banho uma daquelas aparelhagens compactas, que lhe permitirá ouvir CDs enquanto alivia os intestinos, mas neste caso é preciso ser muito criterioso na escolha dos álbuns.

A voz de Ana Bacalhau é claramente desadequada à função, por isso, se não quer desafiar as forças do demónio, deve evitar pôr a tocar o Canção ao lado, dos Deolinda.

Easy come, easy go, de Marianne Faithfull, é um duplo estupendo, mas talvez seja mais adequado como banda sonora de uma dura batalha de cama.

Já o Que belo dia pra se ter alegria, da Roberta Sá, me parece ser uma  sábia escolha para quem quer ouvir música sem tumultuar o trânsito intestinal.

Enquanto não se decide, se investe no rádio ou na aparelhagem compacto, pode fazer como eu. Leve para a casa de banho o portátil sintonizado na Oceano Pacífico, a nova webradio da RFM. Grandes músicas calmas só podem ajudar a coisa a fluir.

 

Qui | 25.12.08

Em defesa da saúde dos nossos pirilaus

Jorge Fiel

Pilatos emprestou uma terrível fama ao acto de lavar as mãos, mas isso nunca me inibiu de o fazer sempre que concluo com sucesso a missão de satisfazer as minhas necessidades fisiológicas de carácter líquido e sólido.

Não sou um maníaco da lavagem de mãos. Até desconfio desse tipo de pessoas, a quem recomendo uma leitura atenta de Mãos Sujas, a obra seminal de Jean Paul Sarte.

Sabendo que corro o sério risco de construir a reputação de ser um pouco porco, confesso-vos que não acho indispensável lavar sempre as mãos antes de comer – a não ser que as tenha sujado ao apertar a mão a um politico, a mudar um pneu ou a fazer um montinho de 20 notas de cinco euros para ir ao banco trocá-lo por uma nota de cem (gostava de ter uma na mão e nunca me saiu nenhuma no multibanco).

O povo diz que o que não mata engorda e eu estou aqui para comprovar como ele (o povo) está carregadinho de razão neste seu pedacinho de sabedoria – estou vivo e gordo.

Estabelecidas as minhas credenciais como um liberal nesta matéria (a lavagem de mãos) acho estar apetrechado com a credibilidade suficiente para defender a importância nuclear de proceder a esta operação (a lavagem de mãos) antes de fazer chichi – e não apenas depois, como é regra e hábito universalmente aceites.

Se as preclaras (apenas indirectamente interessadas na matéria) e os preclaros reflectirem um pouco estou certo que me darão razão.

Enquanto as mãos andam em contacto permanente com a sujidade deste mundo (corrimões infectos das escadas do metro, jornais impressos com tintas baratas e tóxicas, puxadores de porcos badalhocos, e assim por diante), o bom do pirilau passa o dia agasalhado e protegido por uma muralha dupla (constituída por cuecas e calças), preservando-se assim limpinho desde que foi seco com enlevo por um atoalhado turco (produzido no Vale do Ave) após o chuveiro matinal.

Por isso mesmo, em defesa da saúde dos nossos pirilaus, lanço a partir desta Lavandaria, neste dia de Natal de 2008, uma campanha nacional no sentido de todos os preclaros passarem a lavar obrigatoriamente as mãos antes de praticarem tiro curvo (o mesmo usado pelas granadas de morteiro) tendo como alvo o centro da sanita ou do mictório.

Estou mesmo em condições de afirmar que lavar as mãos depois do chichi pode ser opcional, contanto que esse acto higiénico tenha sido cumprido antes!   

 

Qua | 24.12.08

Revistas cor de rosa facilitam trânsito intestinal

Jorge Fiel

O que se deve ler na casa de banho? Eis uma pergunta judiciosa, a que não me esquivo de tentar encontrar resposta.

Em primeiro lugar, devo desaconselhar vivamente leituras demasiado densas. Apesar de não haver ligação directa entre o que se passa cá em cima e lá em baixo, a verdade é que o corpo é o mesmo e não convém abusar dele, exigindo-lhe muito ao mesmo tempo.

Aqui há umas semanas andei uns dias com o intestino preso, fenómeno que atribui a um excesso de fluxo de sangue à cabeça ocorrido enquanto estava sentado no trono a ler o The Captive Mind, de Czeslaw Milosz (Penguin Classics, 65 zlotys), um interessante livro onde o Nobel polaco analisa a maneira como os regimes tiranos instalados no Leste, no final da II Guerra Mundial, conseguiam fazer reféns os seus intelectuais.

A inteligência denúncia dos mind games do estalinismo não facilita o trânsito intestinal, pelo que deve guardar essas leituras que exigem a nossa concentração a 100% para outros locais, como por exemplo uma deck chair do Lais de Guia num dia solarengo de Outono.

No meu entender (que, como todos já repararam, não é modesto), a leitura ideal de casa de banho são revistas cor-de-rosa.

Saber o que Ricky Martin passou para ser pai não perturba o labor intestinal, pois todos nós desconfiamos que a coisa contemplou umas sempre agradáveis cambalhotas com um moça saudável (a promitente mãe) -  a não ser que a obediência sexual do rapaz seja outra e tenha, por isso,sido obrigado a recorrer à inseminação artificial ou à adopção de um casal de gémeos do Burkina Fasso infectados com sida.

Saber que a Judite e o Carlos do Carmo estiveram "mesmo" para se separarem não prejudica a função evacuadora, pois todos nós desconfiamos que durante 44 anos de um casamento que atravessou os anos 60 e a Revolução de Abril, o gabiru do fadista deve ter-se fartado de pular a cerca.

Saber que a Isabel Angelino confirma a relação com o cirurgião plástico Ângelo Rebelo, e "está muito feliz", não introduz ruído no processo de satisfazer as nossas necessidades fisiológicas de carácter sólido,  pois todos nós desconfiamos que qualquer quarentona daria pulos de satisfação se ganhasse na cama o acesso gratuito a lipoaspirações e correcções mamárias.

Lux, Caras, Nova Gente, Flash, a Hola (se está mesmo interessado num jet set à séria) são por isso companheiras indispensáveis a ter ao lado da sanita.

Ler as revistas cor de rosa no trono permite-lhe estar actualizado com as fofocas (o que pode revelar-se útil, quando menos espera, pois ninguém está livre de se ver na contingência de fazer conversa com uma mulher graficamente atraente mas não particularmente dotada do ponto de vista intelectual) sem ter de pagar os custos de imagem daí decorrentes: na casinha não está lá ninguém a testemunhar este acto comprometedor.

 

Ter | 23.12.08

É absolutamente proibido falar ao telemóvel

Jorge Fiel

O acto libertador de aliviar os intestinos deve desenrolar-se sem pressas e na mais absoluta das privacidades, mas não exige um regime de exclusividade.

Ou seja, pode e deve aproveitar o tempo em que está sentado no trono para ler ou ouvir música.

A função mobiliza o concurso dos músculos abdominais mas dispensa por completo as celulazinhas cinzentas e sentidos como a vista e a audição, que devem estar a ser usados em profícuas actividades paralelas.

Pode estar a ler ou ouvir música enquanto satisfaz as suas necessidades fisiológicas de carácter sólido, mas deve abster-se em absoluto de usar o telemóvel para manter conversas de viva voz, para não correr o estúpido risco de se ver na contingência de explicar ao seu interlocutor/a a origem daquele som que parecia mesmo uma bufa – pela simples razão de que se tratava mesmo de uma inoportuna e sonora bufa (e olhe que, digo-o por experiência própria, nem sempre dá resultado tentar desviar a conversa começando a divagar sobre óperas bufas).

Se precisa mesmo de comunicar com o exterior, recorra por favor a mensagens de texto, as populares SMS.

Estar com o portátil nos joelhos a responder a mails é descoroçoante e, por isso, desaconselhável.

A regra é estar descontraído e esvaziar a caixa de correio não ajuda a transformar o acto de esvaziar os intestinos numa espécie de retiro espiritual.

Seg | 22.12.08

Um acto solitário e sagrado que deve desenrolar-se sem testemunhas oculares e auriculares

Jorge Fiel

A felicidade passa por pequenas coisas, não raras vezes negligenciadas, como estar completamente descontraído quando estamos sentados no trono a evacuar a matéria que o nosso aparelho digestivo classificou como não relevante para o regular funcionamento do corpo.

Sim, preclaras e preclaros amigos, cagar tem que se lhe diga e pode ser uma arte – ou, pelo menos, um momento zen.

Para começar, além de uma necessidade é evidentemente uma questão de estado de espírito.

É um erro terrível, com consequências funestas, encarar a satisfação das necessidades fisiológicas de carácter sólido como um acto corriqueiro que se deve despachar com a ligeireza com que se põe uma carta no correio.

O conselho número um é simples: não há que ter pressas. Evite ir para a casinha stressado. Dê tempo ao tempo. Mais vale perder um minuto na vida do que apanhar uma prisão de ventre num minuto.

Esteja preparado para alocar uns bons 20 minutos (por que não meia hora?) à nobre operação de evacuar os intestinos. 

O segundo conselho, ainda mais importante que o primeiro, é o seguinte: não seja apanhado com as calças na mão e a mão no papel higiénico. Proteja a sua privacidade, Feche a porta da casa de banho à chave e não a abra antes de ter calmamente concluído a função, seja qual for o pretexto invocado por quem está a bater à porta.

(sei de uns engraçadinhos que adoram disfarçar a voz, assumir a falsa identidade de bombeiros e gritar que a casa está a arder, a ver se cola e um tipo abre a porta).

Defecar é um acto solitário e sagrado que deve desenrolar-se sem a presença de testemunhas oculares ou auriculares.

 

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