O que mais impressão me mete nos hipermuseus, tipo Louvre,Met ou Prado, é a sua dimensão excessivamente descontroladae a “overdose” de obras primas disponibilizadas, que desorienta o visitante mais incauto e é até susceptível de baralhar o mais avisado.
Sejamos claros. Da mesma maneira, que só um gestor superdotado apenas é capaz de controlar directamente o trabalho de uma meia dúzia de pessoas(umas dez, no máximo do máximos),é absolutamente impossível desfrutar mais de uma meia dúzia de obras de arte durante a manhã ou a tarde que dedicamos a um museu.
Como os museus são as novas catedrais das cidades pagãs do Ocidente, acho que seria de uma enorme utilidade a elaboração de guias que ensinassem as pessoas a visitá-los.
Se há livros que ensinam a ganhar ao poker, fazer arranjos florais à japonesa, seduzir mulheres (e homens), jogar na bolsa e cozinhar bacalhau, não percebo por que é que ainda ninguém se lembrou de passar a escritos conselhos práticos e dicas úteis para tirar partido fazer da visita a um museu.
Não é impossível que, mais tarde ou mais cedo, publique aqui na Lavandaria um “post” dedicado à Arte de Bem Cavalgar um Museu a Toda a Sela.
Mas para já o que tenho a dizer é que os hipermercados, os jornais e os museus não devem ser lidos como um livro, sequencialmente, do princípio ao fim, sem saltar capítulos ou até mesmo frases, mas sim petiscados, como quem olha para uma mesa de bufete e selecciona cirurgicamente o que quer pôr no seu prato.
O excesso de oferta de comida nos casamentos tem o efeito de nos levar acomer menos. Também se come com os olhos e nós ficamos cheios só de ver tanta comida junta. Acho que este exemplo dos casamentos se aplica também aos hipermuseus. Os arquitectos da Escola do Porto lá terão as suas razões para teimarem em afirmar que “menos é mais”.
O edifício principal do Museu Nacional de Cracóvia não é um hipermuseu, mas mesmo assim, da manhã que lá passei apenas um quadro ( o perturbador Execução, de Andrzej Wróblewski) me ficou gravado à superfície na memória.
Da minha visita ao Castelo de Wawel, guardo com prazer a recordação do aspecto geral e detalhes do quadro “Tributo prussiano”, de Matejko, que acaba de ser recuperado e ocupa uma sala adequada do quadro à enorme dimensão da obra (8m75 de largura por 3m88 de altura) e com a iluminação apropriada para a podermos saborear confortavelmente sentados no pequeno auditório improvisado à sua frente.
O quadro, pintado no século XIX, recria o momento em, a 10 de Fevereiro de 1525, Alberto da Prússia, grão mestre dos cavaleiros teutónicos, presta tributo a Sigismundo I (rei da Polónia, grão duque da Lituânia e duque imperial da Silésia) e recebe das mãos dele o titulo de duque da Prússia.
Não é todos os dias que um Hohenzollern se ajoelha aos pés de um rei polaco, daí que Matejko tenha imortalizado o momento.
O que me apaixona no ”Tributo Prussiano”, mais do que a majestosidade da composição, o simbolismo da cena central e a maestria da técnica de pintura, é a formidável galeria de protagonistas, figurantes e mirones retratados por Matejko.
Escrita esta pequena declaração de amor, está na hora de deixar Wawel e dirigir-me para a Rynek (praça do mercado) de Cracóvia.
Monumento de Grunwald, na praça Matejko, em Cracóvia
Os polacos passaram os últimos dez séculos a levarem tabefes dos vizinhos, a serem invadidos, ocupados - e a assistirem impotentes ao triste espectáculo do seu vasto território ser retalhado e partilhado por impérios de todos os pontos cardeais.
Um milénio de humilhações acumuladas ajuda muito a compreender a profunda e massiva adesão dos polacos ao catolicismo (parece que não, mas a fé e a vodka são poderosos anestésicos), bem como a lupa que põem em cima dos raros momentos em que estiveram na mó de cima, como a Batalha de Raclawice (1), onde, comandados pelo preclaro general Tadeusz Kociusko, conseguiram derrotar os russos (2) recorrendo a manhas militares do estilo do nosso famoso quadrado, que em Aljubarrota se revelou letal para o mais numeroso exército de Castela.
Filho de Cracóvia, Jan Matejko (1838-1893) é um dos nomes mais proeminentes (se não mesmo o mais proeminente) da pintura polaca e o seu patriotismo militante levou-o a imortalizar com a sua arte os raros momentos de glória da sua martirizada pátria.
A mais célebre das obras de Matejko é a Batalha de Grunwald, que celebra a vitória, em 1410, do exército polaco-lituano (3) sobre os cavaleiros teutónicos, parando assim o seu avanço em direcção a leste.
Para se ter uma ideia da importância que os polacos dão a Grunwald, basta saber que a inauguração em 1910, na praça Matejko, em Cracóvia, do monumento evocativo dessa vitória militar sobre os cavaleiros teutónicos foi presenciada no local (a televisão ainda não tinha sido inventada…)por uma multidão calculada em 160 mil pessoas.
Estou em crer que a inauguração em Lisboa de um monumento que celebrasse a derrota dos exércitos napoleónicos nas Linhas de Torres atrairia ainda menos pessoas que as 325 que assistiram ao vivo ao União de Leiria-Sporting a contar para a Taça de Portugal.
Voltando à vaca fria, melhor dizendo a Matejko, o que mais me impressionou na manhã da visita a Wawel foi o quadro “Tributo prussiano”, que acaba de ser alvo de uma meticulosa recuperação e está exposto no Castelo.
Auto-retrato de Jan Matejko
(continua)
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(1)A batalha de Raclawice, travada a 4 de Abril de 1794, que se saldou por uma vitória dos patriotas polacos sobre os russos, está celebrada numa gigantesca pintura (120 metros de comprimento por 15 de altura) circular, exposta em Wroclaw.
(2)Sol de pouca dura. A rebelião de Kosciusko acabou por ser aniquilada e a Polónia perdeu a soberania durante cem anos.
(3)Em 1385 - o ano em que, em Portugal, D. João I punha fim à crise dinástica que ameaçou a nossa independência e inaugurava a Segunda Dinastia - , a Polónia e a Lituânia assinavam em Krewo um tratado de união.
O tempo – refiro-me ao tempo tiquetaque, não ao metereológico – é um grande curandeiro, muito melhor que sulfamidas quando se trata de cicatrizar todo o tipo de feridas (e olhem que as piores são as que não deitam sangue!).
Mas é muito mais do que isso. O tempo é um poderoso filtro que peneira e classifica as nossas recordações, ordenando-as pela importância que lhes atribuímos - e arrumando-as depois, em conformidade, nas estantes e gavetas da nossa memória.
Se me perguntarem agora, assim de repente, as mais fortes recordações que guardo da manhã passada, há coisa de dois meses, em Wawel, eu começo por me refugiar em generalidades, como a grandiosidade da arquitectura e a calma beleza das vistas.
Num segundo momento, falando de coisas concretas, as impressões mais fortes que guardo são a da ossada, pendurada junta à entrada da catedral, e do quadro “Tributo prussiano” de Jan Matejko.
Passo a explicar, começando pelos ossos. Na entrada da Catedral de Santo Estanislau e São Venceslau é visível a ossatura de uma criatura (alegadamente um dragão).
Coisa banal e sem importância, se atendermos que além de salão de festas, a catedral de Wawel serviu, através dos séculos, de cemitério de ilustres reis, bispos, cardeais e generais (as cinzas do prezado Tadeusz Kosciusko lá estão na cripta). Está tão repleta de sarcófagos que desconfio está lá mais gente do que num cemitério português de província.
O sino de Sigismundo, que pesa duas toneladas, é a atracção sublinhada por todos os guias de Cracóvia, mas o que mais me atraiu a atenção foram os ossos da entrada. Por causa da lenda.
Reza a lenda que a queda desses ossos será o prenúncio do Apocalipse, sinal de que o Mundo está prestes a acabar.
Se eu fosse rico, não desperdiçaria esta magnífica oportunidade. Tratava logo de instalar uma câmara de televisão apontada para os ossos da catedral que transmitisse permanentemente e em directo para uma janela aberta no ecrã do meu portátil LG.
Mal caísse um ossinho que fosse, eu accionava o meu plano de emergência e desatava a fazer todas as patifarias que reprimo - e a entregar-me aos vícios que controlo.
Para começar, acendia logo um cigarro enquanto pensava em que restaurante me iria empanturrar com uma refeição rica em colesterol e num plano de teste aos limites do meu cartão de crédito.
No caminho para o restaurante, parava numa relojoaria para comprar finalmente um Rolex verdadeiro (hesito entre o Day-Date e o Submariner), que mediria o tempo que faltava para fim do Mundo.
Ah, e era rapaz para apurar pessoalmente se a equação sexo+coca= momento perfeito sempre é verdadeira, o que poderia muito bem ter como consequência antecipar a minha partida para as grandes planícies, poupando-me assim a assistir ao fim do Mundo propriamente dito…
Acho que nunca ninguém valorizou devidamente o extraordinário valor do “inside trading” de uma informação tão preciosa como a proximidade do fim do Mundo.
Se bem que, pensando melhor e atendendo ao trágico naufrágio em curso das bolsas mundiais, começo a desconfiar que os gestores dos fundos tiveram a informação privilegiada da queda de um ossinho em Wawel e desataram as despejar as suas carteiras e a fazer “short selling”, sem dó nem piedade…
Pelo sim, pelo não, deixo ficar para amanhã o relato das minhas impressões sobre o “Tributo prussiano”, do Matejko, e vou já mandar um mail ao meu primo Fernando a perguntar-lhe se ele não se importa de dar uma saltada ao Wawel e verificar se os ossos da entrada da catedral estão todos no sítio.
As bucólicas margens do Wisla vistas da colina de Wawel. O Ibis fica nas traseiras do Novotel, assinalado com letreiro a azul
Wawel vale bem o investimento de uma manhã (pelo menos), dividida entre uma espreitadela à Catedral de Santo Estanislau e São Venceslau, cenário da coroação das rainhas e reis da Polónia, e o castelo que lhes serviu de residência – e, posteriormente, de quartel general a Hans Frank,governador geral alemão de Cracóvia durante a ocupação nazi.
Do alto da colina de Wawel desfruta-se de apreciáveis vistas panorâmicasda cidade e do curso do rio Wisla, pelo que não são de estranhar as preferências de reis e nazis.
Aliás, em mais de uma ocasião tive a oportunidade de testemunhar que se vive muito melhor olhando o Mundo de alto do que quando se é obrigado a andar a chafurdar no meio dele – ou até, pior ainda, a observá-lo de baixo, suportando assim com o seu peso. Acreditem que esta é uma verdade de sangue.
Viaja-se muito melhor na primeira classe de um Airbus da Lufthansa, refastelado numa poltrona e a encomendar comida e vinhos à lista, do que atracado cá atrás, na económica, com as pernas encolhidas, a mesa espetada na barriga e os nossos cotovelos envolvidos numa guerra sem quartel por espaço vital com os dos parceiros do lado.
Vê-se muito melhor um jogo de futebol – mesmo agora que o FC Porto teima lamentavelmente em jogar à Benfica, com os tristes resultados que estão à vista de todos - do alto de um camarote no Dragão, a beberricar vinho branco, com jantar servido ao intervalo e um plasma sintonizado na Sport Tv para tirar as teimas sobre se foi falta, penalti ou fora de jogo, do que no lugares rasteiros e baratos da primeira fila, ao nível do relvado, onde eu e o meu filho Pedro ficamos no jogo de inauguração do estádio, contra uma equipa do Barcelona.
Não vamos mais longe. Eu adoro o meu Mini Clubman branco, de 1974, mas nunca me senti tão bem e importante ao volante como quando andei a guiar por essas ruas, avenidas e auto-estradas empoleirado no alto da minha saudosa Renault Espace azul.
É sempre melhor desafiar a força da gravidade e estar em cima do que por baixo - com a única excepção da cama, onde estar temporariamente por baixo é uma experiência gratificante que recomendo vivamente a todos os jovens e inexperientes casais católicos.
Não é por acaso que o preço dos andares sobe proporcionalmente à sua altura e que a generalidade das pessoas está ainda mais obcecada em subir na vida do que o João Garcia (o que precisa de um nariz novo, não o meu antigo e distinto colega do Expresso) em escalar a cordilheira dos Himalaias.
Mas basta de filosofia de pacotilha e regressemos a Wawel, pois já me começo a convencer que esta minha atracção fatal pela divagação e pelos apartes pode ser em grande parte responsável por eu ter passado a vida ao nível do rés do chão, com episódicas visitas à mezanine e ainda mais raras visitas a primeiro andar.
Sobre o Wawel, o incontornável (1) guia Kraków In Your Pocket escreveu: “Ir a Cracóvia e não visitar Wawel é como jogar ténis sem bola”, uma expressão medianamente feliz que calculo seja idiomática e o equivalente polaco ao nosso “… (um homem sem cornos, por exemplo)… é como um jardim sem flores”.
Sendo Wawel assim tão importante, justifica-se plenamente que eu gaste mais uns quatro ou cinco “posts” tendo como base a manhã que lá passei.
(continua)
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(1)E que além de incontornável, o que já é bom, é gratuito, o que ainda é melhor. Grátis é um preço excelente! Como dizia o meu amigo Américo Amorim, “mais do que zero é muito”. E olhem que não é por acaso que ele é o homem mais rico de Portugal.
É fácil compreender porque é que o conjunto fortificado de Wawel foi construído no alto de uma colina, avistável logo ao dobrar da primeira esquina depois de termos saído do Ibis Centrum Cracóvia, em direcção ao rio Wisla.
Já não é tarefa ao alcance de qualquer mortal identificar as famosas sete colinas de Lisboa, mesmo que o observador esteja confortavelmente instalado no esplendoroso miradouro da Graça, no jeitoso bar do último piso do Sheraton ou no deslumbrante pátio do Regency do Chiado (onde recomendo vivamente a sanduíche de galinha tandoori a acompanhar a vista e o copo de vinho branco).
Em quatro prestações, vivi em Lisboa sete dos 52 anos que levo nesta vida e nunca consegui obter a prova à S.Tomé (ver para crer) da existência das célebres sete colinas.
Mas pensando melhor no assunto, isso não vêm ao caso. O que interessa é que a colina de Wawel existe. Eu vi-a e visitei-a no dia 9 de Setembro de 2008 (1)!
Que se lixe se Lisboa tem mania das grandezas e apregoa ter sete colinas, quando efectivamente só tem cinco, ou até mesmo apenas quatro.
Wawel reúne os dois edifícios mais importantes que à época (a transição da Idade Média para a Moderna) uma capital europeia albergava: o Castelo Real e a Catedral. Se fosse hoje, haveria que acrescentar um estádio de futebol e um museu de arte contemporânea.
Ao subir a rampa de acesso ao castelo, reparamos que ao alto estava um jovem cavalheiro, montado a cavalo, que nos acenava amigavelmente, em jeito de quem dá as boas vindas.
Muito bem impressionado com esta deferência, consultei o guia DK de Cracóvia e fiquei a saber que se tratava do incontornável general Tadeusz Kosciusko, uma presença frequente na toponímia polaca (nos arredores de Cracóvia há mesmo uma colina artificial erguida em sua homenagem).
Kosciusko era já um veterano da Revolução Americana quando, em 1794, liderou uma insurreição bem sucedida (ainda que apenas temporariamente) contra os russos. As cinzas dele estão da cripta da catedral. A estátua fica ali logo à entrada, mas trata-se de uma cópia. A original foi destruída pelos nazis, devido ao seu elevado grau de intolerância para com a iconografia patriótica polaca.
À entrada, junto à bilheteira, está um contador que assinala o número de bilhetes disponíveis para o dia. Bem visto. O estabelecimento de um “numerus clausus” de visitantes, impede que o local mais sagrado para os polacos se assemelhe à feira de Custóias ou às praias da Costa da Caparica num dia quente de Verão.
Alardeando uma prudência e sabedoria que não posso deixar de elogiar, adquiri apenas o bilhete básico, que abre as portas da catedral e do castelo (dez zlotys por cada adultos, cinco euros para estudantes e menores), abstendo-me de cair na tentação de ter mais olhos que barriga e comprar o acessos aos aposentos reais, toca do dragão, exposições permanentes ou temporárias e etc.
Não devemos nunca abusar da nossa capacidade para conhecer e digerir coisas novas, que como todos sabemos é finita.
E a minha visão de uma viagem de férias está nos antípodas dos japoneses, que durante a viagem só se preocupam em tirar fotografias. As férias deles só efectivamente começam quando estão de regresso a casa e começam a ver as fotos.
Bilhete de acesso a Wawel
(continua)
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1)Tivesse eu esperado um ano e seria o memorável dia 09.09.09
A vista de que desfrutei da janela panorâmica do quarto 429 (1) do Ibis Centrum Kraków não é exactamente a imagem que eu escolheria para passar pelos meus olhos antes de morrer.
Mas seria injusto não declarar desde já que o Ibis Centrum está extraordinariamente bem localizado, a pouco mais de uma centena de metros das bucólicas e atraentes marginais do rio Wisla e a uma “walking distance” (2) das principais atracções turísticas de Cracóvia.
Ao contrário do que a crise financeira internacional teima em demonstrar, nem todos os capitalistas são completamente estúpidos e desprovidos de bom senso.
No caso de Cracóvia, o grupo francês Accor aproveitou um belo terreno (3), que penso ter adquirido em boa hora (ou seja nos primeiros tempos agitados de privatização do capitalismo de Estado que vigorou na Polónia desde o final da II Guerra Mundial até 1989), para instalar não um mas sim dois hotéis.
Eu, que desde que comecei a usar, com resultados positivos, o champô anti-caspa Head & Shoulders, me tornei um adepto entusiasta do conceito “dois em um” não posso deixar de me curvar perante a sabedoria da decisão do grupo hoteleiro francês.
A Accor optou por dar a vista de rio ao quatro estrelas Novotel, deixando as traseiras para o duas estrelas Ibis. Nada a objectar, portanto.
Se eu quisesse estar a pastar da janela do meu quarto a colina de Wawel e o curso pachorrento das águas do Wisla até Gdansk (com escala em Varsóvia), em vez da fachada envidraçada que imortalizei no “post” anterior , tinha um bom remédio: mudar-me para o Novotel e pagar 192 euros por noite por um quarto duplo, em vez dos módicos 269 zlotys (90 euros) que me custava o quarto por noite no Ibis (4) .
Como diria o camarada Guterres, é fazer as contas. A minha família ocupava dois quartos e estivemos em Cracóvia sete noites. Hospedados no Novotel, teria de fazer face à conta calada (pensando bem a expressão adequada é “gritada aos berros” - e não calada) de 2692 euros, quando no Ibis festa ficou-me por uns abordáveis 1260 euros.
Ora como eu não ando a roubar – ou seja nem sou praticante activo de “carjacking” nem financeiro – não me posso dar ao luxo de pagar 1432 euros por uma semana de vista e do Wawel (ou seja204 euros/dia).
Falei no Wawel pelo que os estóicas/os preclaras/os que persistem em frequentar esta lavandaria (5) têm todo o direito de perguntar: “Afinal, ó Fiel, o que é isso do Wawel?”. Até rima!
E eu respondo, sem medo das palavras e resumindo o que dizem a propósito os guias que me iluminaram nesta expedição a Cracóvia (6):
O Wawel é o berço da cultura na Polónia, a antiga residência dos reis e o local da sua coroação mesmo depois da capital ter sido transferida para Varsóvia e o símbolo maior do patriotismo da Nação que deu ao Mundo o Mlynarzick, a miúda da bilha do gás, o papa João Paulo II, a Rosa Luxemburgo, a Maria Walewska e o Chopin - que, ao contrário do que pensava o pobre do Santana Lopes, compôs belíssimos nocturnos, mas não concertos para violino).
(continua)
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(1)Esta janela virada para o prédio (não para o mar, como a da canção), protagonizou um pequeno incidente eficazmente debelado pelo Ibis. Eu sou viciado em esplanadas e gosto de janelas abertas. Ao segundo dia, quando saí pela manhã deixei a janela escancarada. Só na manhã do terceiro dia reparei que tinha sido imprudente. As paredes e tecto estavam cobertas com mais de uma centena de mosquitos, que estavam ali como completos parasitas, para se alimentarem do nosso sangue sem sequer se disponibilizarem para participarem no pagamento do quarto.Socializei esta informação com a compatriota da miúda da bilha que estava de serviço à recepção, que após me ter passado uma leve admoestação – “Não se deixa as janelas abertas nesta altura do ano e à beira do rio!” – prometeu resolver o problema. O que realmente aconteceu.
(2)999 mil desculpas pelo anglicismo, mas não me soa nada bem a expressão “distância andável”, nem a versão mais longa e descritiva: “distância susceptível de ser percorrida a pé”.
(3)Entre aKósciuski, que corre paralela ao Wisla, e alameda Krasinkiego, que é perpendicular ao rio e integra uma circular de Cracóvia.
(4)O preço pareceu-me bastante adequado ao que me deram em troca. Só tenho a dizer bem da variedade do pequeno almoço do bufete do pequeno almoço. Eu optei por um figurino constituído por uma tigela (às vezes duas) de iogurte local, com estilhaços de cebolinho por cima, uma tigela de salada de frutas, um pão com fiambre da perna fumado, vários copos de sumo de laranja e uma litrada de café tipo americano para bebericar enquanto planeava a excursão do dia.
(5)Aproveito para recordar que a persistência é uma virtude que recomendo a gente de todas as idades e credos religioso e não apenas aos jovens casais de católicos ainda desajeitados na arte da interacção entre dois corpos e trocas de fluidos.
(6)O gratuito e incontornável In Your Pocket Kraków e o imprescindível Cracow da DK Eyetiness Travel, que dá a sua capa a uma bela fotografia de Wawel.
No dia seguinte ao meu desembarque nocturno em Cracóvia, a primeira coisa que fiz, após uma noite bem dormida no quarto 429 do Ibis, foi correr as cortinas e olhar em frente. Mau movimento.
O que eu vi foi isto: este prédio, cuja fachada resolvi imortalizar fotografando-a logo com a minha Sony (1). Não gostei.
Não gostei do prédio, mas isso ainda é ao menos. O pior de tudo foi ter-me estado a guardar desde a véspera a formação da minha primeira impressão de Cracóvia e depois gastá-la assim, inútil e ingloriamente, com a visão deste prédio banal (2).
Acho que naquele preciso momento em que corri o cortinado do quarto fui invadido pela mesma triste desilusão sofrida, na noite de núpcias, pelos jovens casais de católicos que militantemente conseguem preservar a virgindade até essa data.
No caso, altamente improvável, de alguns destes jovens católicos estar a ler isto, o meu firme conselho é o seguinte: Não desanimem, por favor. Ninguém nasce ensinado. A persistência é um valor seguro que com toda a certeza será uma preciosa ajuda na árdua tarefa de desbravarem o capim desta vida (2).
Não desistam, porque se persistirem em navegar nas ondas da paixão, um dia tirarão mais prazer do acto (também usado para procriar) do que o alardeado pelos actores dos filmes que o canal XXL emite nas madrugadas dos fins-de-semana. (3)
É maior a probabilidade ganhar no Euromilhões do que as coisas correrem bem quando ambos os protagonistas são maçaricos. Tudo na vida exige muita prática. Não se obtêm grandes performances logo no início. É preciso muito treino e espírito de sacrifício até atingir uma boa performance. Não foi logo ao primeiro triplo salto que o Nelson Évora conseguiu a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, pois não?
Pois foi animado por este espírito de persistência, que desci para o pequeno almoço, onde me empanzinei com tigeladas de um óptimo iogurte polvilhado de cebolinho, empurrado por abundantes canecas de café, enquanto planeava o nosso primeiro dia em Cracóvia.
A primeira impressão do prédio em frente ao Ibis (ver fotografia que encima este post)tinha de ser apagada. E depressa.
(continua)
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(1)A minha máquina fotográfica digital Sony cybershot foi uma das últimas baixas patrimoniais que esta viagem à Polónia me infligiu, mas reservo a narração da desdita para mais tarde, se bem que para antes do Natal, na secreta esperança (que deverá ser vã, eu sei!) que alguma alma caridosa (atenção administrações da Media Markt, Rádio Popular e Worten!) se apiede-se de mim, perca a cabeça e decida pôr-me no sapatinho uma Lumix com lente Leika.
(2)Se calhar, seria “anódino” e não o “banal”a palavra mais adequada para adjectivar este prédio. O que acham?
(3)Não me perguntem por favor onde eu vou buscar estas imagens estapafúrdias e foleiras. Não só não sei como ainda por cima tenho medo de procurar uma resposta.
(4)A propósito, todos podem e devem ver a Garganta Funda, mas fiquem a saber que é tudo ficção.Está cientificamente estabelecido que é impossível que a falecida Linda Lovelace (RIP) tivesse orgasmos induzidos pelo toque continuado e ritmado na sua garganta da guarda avançada do órgão sexual masculino. Esqueçam isso!
O cometa nos céus de Cracóvia não simboliza a nossa passagem pela cidade, já que por lá nos detivemos durante uma semana bem contadinha, de segunda a segunda
O camarada Guterres dizia que não há uma segunda oportunidade para deixar uma primeira boa impressão.
Como acredito piamente neste pedacinho de sabedoria guterrista e cheguei a Cracóvia já depois do sol posto, resolvi avisadamente (1) adiar para o dia seguinte a minha primeira impressão da cidade.
Estou em crer terá sido a decisão certa. O povo está cobertinho de razão (tal como o camarada Guterres) quando diz, na sua imensa sabedoria, que de noite todos os gatos são pardos.
As luzes nocturnas, coligadas com a escassez delas e os efeitos perniciosos do consumo excessivo de vinho, vodka, caipirinha, whisky, gin e outros álcoois, têm sido -ao longo dos tempos, e em diversas latitudes do Globo -, a mãe de muitos equívocos lamentáveis.
Não andarei longe da verdade se afirmar que se devem contar pelos dedos da mão (2) os passageiros frequentes desta lavandaria que pelo menos uma vez na vida não acordaram com uma enorme dor de cabeça e de imediato viram-se à beira de um ataque de pânico ao repararem que o outro lado da cama está ocupado por uma desconhecida, que em 99,9% dos casosnão é parecida em nada com a miúda da bilha (3).
Foi por estas e por outras que guardei para o dia seguinte a minha primeira impressão da cidade.
O Fernando foi-nos buscar à estação ferroviária (que me pareceu muito mais decente e navegável que a sua homónima de Varsóvia) , levou-nos ao hotel(Ibis Kraków Centrum, ulica Syrokomly 2, quarto duplo com pequeno almoço incluído, 290 zlotys/dia ) para fazermos “check in” e deixarmos as malas nos quartos, após o que nos transportou até à sua residência onde jantamos um arroz de pato (que desde já vos informo estava supimpa), confeccionado pela Luísa, que foi empurrado por um divino Vale Meão.
Abstenho-me de divulgar a morada (porque acho altamente improvável que eles vos convidem a jantar lá em casa) e preço (porque foi de borla).
Em todas estas deslocações olhei para Cracóvia “by night” da janela do Audi do meu primo, com a mesma enfadada ausência de paixão que voto à paisagem urbana do Porto que faz de cenário à viagem de metro entre a Casa da Música e a Senhora da Hora.
A primeira impressão estava adiada para o dia seguinte, 9 de Setembro de 2008.
Por norma as desconhecidas que acordam ao nosss lado não têm esta presença
(continua)
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(1)Acho absolutamente despropositado este abuso, continuado e gratuito, dos advérbios de modo, mas, o que querem?, é completamente superior às minhas forças.
(2)Refiro-me especificamente à mão usada no acto da masturbação, que não é necessariamente a mesma que é utilizada no obrigatório manuseamento do papel higiénico que se segue à conclusão das nossas necessidades fisiológicas de carácter sólido (acto quotidiano, com excepção de pessoas atreitas a prisão de ventre, e vulgarmente designado pela expressão sintética "limpar o cu"). Mas reconheço que a diferença, no caso em apreço, apenas seria relevante se a pessoa em causa tivesse mais dedos (seis, por exemplo, como o antigo defesa esquerdo benfiquista Álvaro) numa mão do que noutra.
(3)Parece-me que nestes casos, a melhor solução não é perguntar à desconhecida se tem Sida. Acho muito mais prudente certificar-se primeiro se o seu pirilau está agasalhado por um preservativo engelhado - e depois optar pela capitulação pura e simples. Não hesite. Abdique imediatamente do resto de vergonha que tem na cara e recomece tudo de novo perguntando, por esta ordem, “como te chamas?”, ”o que fazes na vida?” e “quantos anos tens”? (esta última é opcional, e deve mesmo ser evitada em casos de avistamento de abuso de botox ou ainda se a parceira tiver veias azuis muito salientes a sulcar uma pele que nos faz lembrar os pergaminho antigos), antes de entrar na fase mais perigosa do diálogo sugerindo um jogo: “Vamos os dois fazer um puzzle imaginário, tentando reconstituir em conjunto tudo o que nos aconteceu ontem à noite?”
Quase todos os amigos, aqueles que se preocupam com o meu bem estar e futuro. me fazem esta pergunta, com cada vez mais insistência.
Porquê este massacre polaco, que dura há 24 dias consecutivos e ninguém pode prever qual dos dois pesadelos que dilacerama Humanidade vai acabar primeiro: se a crise financeira mundial ou esta série de “posts” polacos? (1)
Tenho de reconhecer que estas questões são judiciosas.
Como o caso em equação também me perturba, procedi a um exercício introspectivo e encontrei três respostas possíveis para esta assustadora e interminável série de “posts” mono-temáticos.
A saber:
a)Revela perigosas tendências suicidas. No meu subconsciente, quero afugentar em definitivo todos os frequentadores desta lavandaria. Ao insistir desmesuradamente na tecla polaca, sei que mais dia menos dia estarei a falar sozinho e então terei um pretexto para acabar com o blogue e afogar-me em lamentações, cheio de pena de mim mesmo;
b)Estamos na presença de uma deriva masturbatória, de um mero exercício de onanismo bloguístíco, em que o que me interessa é o meu prazer e os outros que se prejudiquem (para não escrever a palavra que começa por "f" e acaba em "m", tendo pelo meio um "o", um "d" e um "a");
c)Entrei em órbita, perdi por completo o contacto com a realidade e ainda não tive a lucidez suficiente para contactar Houston a dizer que tenho um problema. Estou plenamente convencido que as minhas desventuras na terra dos polacos podem interessar a alguém, e que as dicas de viagem que vou deixando espalhadas aqui e ali, no meio deste enorme delírio verborreico, poderão vir a ser úteis para algum preclaro ou preclara que um dia vá à Polónia.
No geral, as pessoas sobrevalorizam-se, o que seria a base de um negócio ultra-lucrativo se fosse possível comprá-las ao preço que elas que efectivamente valem e vendê-los pelo valor que elas julgam ter.
Eu muito infelizmente não escapo a esta regra. O que me dá ânimo para diariamente escrever, publicar e incomodar-vos com750palavras com a tag Polónia é o facto de estar sinceramenteconvencido que a alínea c) é a resposta certa aos dois porquês dos primeiros parágrafos.
Amanhã continua a saga polaca, com as minhas primeiras impressões sobre Cracóvia.
(continua)
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(1)Submetida ao impiedoso olhar estatístico, esta questão assume contornos obviamente alarmantes. Se gastei 24 “posts” a narrar episódios ocorridos durante apenas três dias e na menos interessante cidade (faltando, por isso, uma semana de aventuras em Cracóvia) será que vou conseguir esta locomotiva antes do Natal?
Deixados para trás os tumultuosos corredores da estação ferroviária central de Varsóvia, que fazem o Grande Bazar de Istambul passar por um calmo e organizado centro comercial de Dusseldorf, suspirei de alívio quando constatei que a minha caçada ao tesouro tinha sido coroada de sucesso.
A irrefutável constatação deu-se quando desaguei no grande átrio da estação decorado com um painel gigantesco onde se assinalam as partidas e chegadas, bordado lateralmente por guichets onde se adquirem bilhetes e informações, e fervilhante em pessoas e confusão. .
O átrio da Dworzec Warszawa Centralna dá uma ideia aproximada desta ideia que eu fui construindo com estadias em estações como Santa Apolónia, Atocha, Victoria Station ou a Gare de Austerlitz.
A partir daqui foi quase tudo rosas. Há um espaço moderno recheado de simpáticas compatriotas da miúda da bilha, disponíveis para nos darem informações num inglês económico mas correcto - e para vender bilhetes em zlotys (não se esqueça, pronuncia-se zuótis), cash ou cartão.
Em segunda classe, o bilhete Varsóvia-Cracóvia (só ida) importa em 73 zlotys, qualquer coisa como 22 euros. Como é menor, o João pagou apenas 42 zlotys.
O desassossego não acabou com o nosso desembarque na Plataforma (peron) 4 (cztery), onde a compatriota da miúda da bilha me disse que iria largar partiria o Intercity em direcção a Cracóvia – informação confirmada pelo quadro de partidas e chegadas.
Estacionamos no Peron Cztery uns dez minutos antes da hora da partida e não vos nego que foram dez minutos de alguma aflição, ansiedade e incerteza, à medida que o quadro da plataforma foi assinalando sucessivamente a chegada de três diferentes composições com outros destinos que não Cracóvia.
A minha inquietação só desapareceu quando às 17h04, o quadro da Plataforma 4 assinalou a partida Kraków 17h05.
O comboio revelou-se bastante simpático. É uma espécie de Alfa Pendular sem o cheiro enjoativo destes comboios made in Italy, e sem as carruagens open space – mas sim equipadas com compartimentos para seis pessoas.
Ir de Varsóvia até Cracóvia em comboio é mais ou menos o mesmo que o Lisboa-Porto. Dura duas horas e meia, e tem a vantagem comparativa de ser directo. Ou seja não pára em Lisboa-Oriente, Santarém, Coimbra B, Aveiro, Espinho e Gaia.
O nosso comboio chegou mais ou menos a horas. Passavam poucos minutos das 19h30 do dia 8 de Setembro quando desembarcamos em Cracóvia, uma das doze mais bonitas cidades do Mundo, na classificação da Unesco.