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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Sab | 20.09.08

A propósito do meu Outono capilar

Jorge Fiel

 

 

Não é preciso ser médico para diagnosticar que sofro de alopecia androgenética. Basta ter olhos na cara. Não tenho cabelos brancos porque eles, em vez de embranqueceram, optaram por cair.

 

Desde pequeno que me fui habituando à ideia de que mais tarde ou mais cedo ia ficar careca (o meu pai e avô também o foram), pelo que, apesar de ter usado o cabelo comprido quando era tempo disso, nunca criei especial afeição pela minha cabeleira castanha escura, lisa e que já foi farta.

 

Tive tempo para me preparar para o Outono capilar anunciado, que teve como causa principal o excesso de testosterona. Esta hormona masculina produzida pelos testículos é uma espécie de dopante natural (os ciclistas consomem muita na sua forma sintética) e provoca a calvície e problemas cardíacos. Neste particular dos efeitos perniciosos, eu fiz bingo.

 

Ao longo da vida fui analisando diferentes modos de lidar com a alopecia androgenética.

 

Um chefe de Redacção do JN que deixou crescer um cabelo como um fundamentalista sikh e depois obrigou-o a dar centenas, talvez até mesmo milhares, de voltas até cobrir o alto da cabeça.

 

Um vereador socialista que inventou uma complicada operação de engenharia em que o sovaco era a origem mais provável da pala de cabelos que lhe disfarçava a calvície.

 

Um presidente da Câmara que usava um capachinho suficientemente bem aplicado para o habilitar a dar cabeçadas quando jogava futebol mas que reagia de forma diferente do que os cabelos originais à humidade e ao envelhecimento.

 

Escolhi não recorrer a subterfúgios. Há quatro anos, quando suspeitei que a minha risca ao lado podia estar a ser usada para camuflar a ausência de cabelos, comprei por 25 euros um Hair Clipper HP C241 da Philishave, que corta o cabelo em sete diferentes alturas, dos zero e os dois centímetros. E troquei a risca ao lado por um pente 2.

 

Sex | 19.09.08

O estranho caso dos dentes 31 e 32

Jorge Fiel

 

Na hora da despedida do Governo, Miguel Cadilhe embrulhou numa frase a amargura que sentia: «A lealdade é como o guarda-chuva. Só se dá pela falta dele quando chove».

 

Neste delicado momento, em que os meus dentes 31 e 32 (para os leigos, informo que são dois da frente, no maxilar inferior) correm perigo de vida, apetece-me adaptar esta máxima: Só se dá pelos dentes quando eles doem.

 

A dor chegou de pantufas e foi subindo até ganhar expressão física -  o queixo inchou ao ponto de fazer inveja ao próprio Frankenstein – e exigir uma ida ao dentista mais próximo, em Lagos.

 

Radiografada a mandíbula, o diagnóstico veio rápido. Tenho um quisto, de grande dimensão, alojado sob os dentes 31 e 32, o que levou o dentista a decretar-lhes uma certidão de óbito antecipada.

 

A dor e inchaço, debelados pelo cocktail analgésico/anti-inflamatório/antibiótico, foram substituídos pela antevisão dos problemas. Familiares e amigos obrigaram-me a não equacionar a possibilidade de deixar o espaço vago. Por razões estéticas, mas também práticas. «Como é que vais poder trincar uma maçã com casca?» foi o argumento decisivo que me levou a abandonar a hipótese desdentado. A solução dentadura afastei-a liminarmente.

 

Na minha remota adolescência fiquei traumatizado quando soube que uma antiga namorada, com quem praticara intensamente a técnica do beijo francês, usava dois dentes postiços - e logo os da frente e de cima. Os meus dentes serão sempre escovados  «in su situ» e nunca cá fora! A alternativa implantes é astronomicamente cara. Atendendo à minha idade, o investimento nunca seria amortizado.

 

Valha-nos que a minha médica dentista, Teresa Alves Canadas, é um anjo e depois de examinar tudo muito bem deu-me esperança. Acha possível remover o quisto e manter os dentes 31 e 32. Deus a ouça.

 

PS. Esta história teve, pelo menos até agora, um fim feliz. Os meus dentes 31 e 32 têm-se aguentado à bronca.

 

 

Qui | 18.09.08

O sonho dos 24 gorazes

Jorge Fiel

 

 O coronel Vítor Alves foi incumbido pelo Governo português da missão secreta de entregar 24 gorazes (vivos) em Brasília, até ao final do dia seguinte. Trata-se da multa que Lisboa tem de pagar à Organização Mundial do Comércio, no âmbito da Ronda de Doha, por termos excedido em duas toneladas e meia a nossa quota de produção de açúcar de beterraba, no ano passado.

 

O coronel improvisou rapidamente um satélite que conseguiu por em órbita. O objectivo era transmitir os gorazes via satélite. O major comandante do destacamento de 24 gorazes ofereceu-se como voluntário para a experiência de teletransporte, que falhou por completo.

 

Vítor Alves passou para o plano B, que consistia em tentar enviar os gorazes por email, como anexos. Debalde Seixas da Costa passou a noite toda na nossa embaixada em Brasília em frente ao ecrã do computador, agarrado ao telefone e a uma garrafa de vodka.

 

Os 24 emails com gorazes não conseguiam chegar ao destinatário. Davam sempre erro. «Delivery to the following recipient failed permanently», dizia o PC a Vítor Alves pouco tempo após mais uma tentativa de fazer passar os gorazes por email para o outro lado do Atlântico.

 

A missão estava prestes a abortar quando o nosso coronel foi assaltado pela ideia genial. Foi ao Google e descobriu uma organização multinacional, tipo Flora, só que em vez de flores entrega um largo catálogo de peixes (vivos ou mortos) em 117 países do Mundo.

 

Contratado o serviço com a Pisces (assim se chama a empresa) a missão foi cumprida!  

 

Vivi o sonho dos 24 gorazes na noite do primeiro dia de Agosto. Haverá por aí algum discípulo do doutor Freud, de Viena de Austria, capaz de me arranjar uma boa explicação para este sonho? Ou será que tenho de começar a encarar a hipótese de estar doente da cabeça!?

 

 

Qua | 17.09.08

Informação relevante sobre os meus episódicos e mini-ataques de priapismo nocturno

Jorge Fiel

 

Nunca sofri de um ataque de priapismo puro e duro, daqueles que duram 36 horas (ou até mais), como o que ocorrido num episódio recente da série Serviço de Urgência, da Fox, em que as simpáticas enfermeiras tiveram de administrar duas injecções na base do pénis do paciente para conseguirem derrubar a teimosa erecção que o atormentava.

 

O pior que me acontece neste particular são episódicos mini-ataques de priapismo nocturno que se revelam bastante incómodos quando coincidem com uma irreprimível vontade de satisfazer as minhas necessidades fisiológicas de carácter líquido.

 

Não é preciso ser-se um iniciado nas artes do tiro curvo e do tiro tenso (o que, por acaso, eu sou, já que a minha especialidade na tropa foi Anti-Carro e Morteiro Médio) para se perceber que é completamente impossível acertar com a urina dentro da sanita se o pénis está erecto.

 

A alternativa de fazer xixi como as senhoras, ou seja sentado, é um exercício doloroso e desprovido de resultados práticos já que pénis está num ângulo superior a 90 graus com o chão e não está no seu estado flexível pelo que é impossível acomodá-lo dentro da sanita.

 

O que fazer nestas circunstâncias? Caso se trate de pequenos ataques, não é necessário recorrer à Urgência do Hospital. Pense em coisas desagradáveis (como por exemplo, rim grelhado ao pequeno almoço) ou ligue o televisor e fique a ver um canal de vendas. Se não passar, vista o roupão e vá aliviar-se ao ar livre (hipótese particularmente recomendada se morar perto de um bosque) rezando para não encontrar no elevador uma vizinha feia que pode achar que você ficou assim entusiasmado por a ver. Ou então use o método de Robert de Niro em «O Touro Enraivecido» - encha um «frappé» e despeje o gelo sobre as suas partes. Vai ver que resulta.

 

 

PS. No Verão de 2006, a revista Única publicou um conjunto de pequenas crónicas sobre as minhas doenças. A série foi interrompida na 13ª crónica, dedicada ao meteorismo, que não chegou a ser impressa, por decisão superior. Ao arrumar os ficheiros no meu computador dei de caras com estes textos e  achei por bem republicá-los, na vã esperança de que alguém se divirta com as minhas desgraças. Ponham-se a pau, porque aí vão eles.

 

Ter | 16.09.08

Alguns pensamentos sobre a proposta audaciosa, manhosa e engenhosa do governador Prakash

Jorge Fiel

Fiquei impressionado com a proposta apresentada pelo preclaro governador do estado indiano do Bihar, Vijay Prakash, que sugere passemos a alimentar-nos de ratos e sublinha as excelências nutrientes destes pequenos (bem, às vezes não são tão pequenos quanto isso)  roedores.

Quando tomei conhecimento da audaciosa proposta de Vijay, a minha primeira reacção foi responder-lhe : “Têm fome? Comam bifes de vaca!” – e pensar que estava claramente sobre a influência perniciosa de um visionamento mal digerido (e ainda pior compreendido)  de “Ratatouille” o famoso e recente filme de animação da Disney.

Mas já aprendi que devemos ser cautelosos e desconfiar sempre da nossa primeira reacção. Contei mentalmente até dez e respirei fundo, enquanto lia a notícia até ao fim, e constatei que a proposta do governador Prakash não era apenas audaciosa – mas também manhosa.

Ao fim e ao cabo, o que o estimado Vijay ambiciona é um Head & Shoulders -  o verdadeiro dois em um. Se lograr convencer o povo do seu estado a atirar os ratos para o fundo da panela, não só lhes enche o papo como ainda por cima elimina uma marabunta que ataca os stocks de cereais. Estamos assim na presença de uma proposta que não só é manhosa -  mas que ainda por cima é engenhosa.

Apesar disso, e não obstante a proposta do astuto Vijay ser audaciosa, manhosa  e engenhosa, na minha qualidade de frequentador assíduo e entusiasta de restaurantes indianos, declaro desde já urbi et orbi que votarei ao ostracismo (o que, desde já aviso, não tem nada a ver com ostras) se sequer desconfiar que alguma dessas casas está a encarar a hipótese de incluir no seu menu o caril de rato ou a ratazana tandoori.

E nem sequer ousem pensar que esta ameaça não passa de algumas  palavras escritas com a cabeça quente, numa tarde morna de final de Verão, após dez dias de férias passadas entre Varsóvia, Cracóvia e Wroclaw.

Há coisa de 20 anos, estava eu descontraidamente a almoçar no restaurante chinês em frente ao Bom Sucesso (no Porto), quando o meu preclaro amigo Rogério Gomes detectou a presença de uma pequena barata no interior do frasco de molho de soja que usava para temperar a loempia.

Prontamente o Roger chamou a atenção da anomalia à dona do restaurante, que acto contínuo operou um rápido vaivém entre a nossa mesa e a cozinha. No regresso, trazia um sorriso nos lábios e disse ao bom do Roger . “Toma!” enquanto lhe devolvia o frasco de molho de soja já despojado da barata – que ela deve ter comido na cozinha enquanto dizia para os seus botões: “Que tolos estes diablos blancos! Não sabem aplecial o melor!”.

No seguimento deste episódio, adoptei um duro e persistente veto pessoal aos restaurantes chineses, que conheceu uma única excepção, ocorrida a dia 30 de Setembro de 2005, quando paguei 50 euros por um excelente Dim Sum (a Isabel, a Luísa e o Fernando não partilham esta minha apreciação, mas isso não vem ao caso) para quatro pessoas no venerável restaurante Nam Tim, na Jodenbreestraat, 11-13, em Amesterdão.

Não gosto de ratos, sendo que aqui também há uma excepção. Alimento uma vaga simpatia pelo Rato Mickey. Aprecio em particular o peculiar formato das suas orelhas e a paciência que tem para aturar a tonta da Minnie.

Partilho com os ratos a paixão pelo queijo. Partilhei ainda com eles o primeiro andar do 304 da avenida Rodrigues de Freitas onde vivi os primeiros 15 anos da minha vida.

Nunca gostei de ratos. Nem mesmo em pequeno. Sendo que esta animosidade antiga não se filia no facto de eles habitarem clandestinamente, como verdadeiros okupas, a minha residência, sem contribuírem para a renda da casa.

É com algum orgulho que recordo o dia em que assassinei, com um tiro certeiro de sapato, um rato que corria junto ao lambrim do meu quarto nas águas furtadas.

Reconheço não ser muito consequente detestar ratos e ter alguma consideração por alguns dos seus primos, directos ou afastados, como os ternurentos esquilos, as fofas preguiças ou os pacatos cangurus. Mas às vezes a coerência apenas serve para camuflar uma aflitiva falta de imaginação!

 

 

 

 

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