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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Qua | 27.08.08

Denúncia da tenebrosa conspiração russa das carteiras e porta moedas alérgicos a dinheiro

Jorge Fiel

 

Há carteiras e porta moedas que, muito infelizmente, são confeccionados com um material alérgico a dinheiro.

Esta situação encerra em si uma consequência gravosa – uma insuportável pressão inflacionista -,  requerendo, assim, análise urgente e aturada por parte dos Ministérios das Finanças, Economia, Defesa e Negócios Estrangeiros.

Os infelizes proprietários de carteiras e porta moedas alérgicas a dinheiro são impelidos, por uma inexplicável força interior, a torrá-lo rapidamente, precipitando-se numa voragem consumista que anima o consumo interno mas é perniciosa para a evolução da taxa de inflação.

Para além de andarem sempre tesos, os infelizes proprietários de carteiras e porta moedas alérgicos a dinheiro são socialmente tão descriminados como os moradores do bairro do Aleixo, os fumadores, os ciganos e as mulheres que teimam em não pintar de vermelho as unhas dos pés.

Estes infelizes são olhados de lado pela imensa comunidade de compradores de certificados de aforro, PPR e fundos de investimento - e acusados à boca pequena de serem “estroinas”, “esbanjadores”  e “gastadores incontinentes”.

Por todas estas razões e mais uma (os mais elementares princípios da solidariedade nacional obrigam-nos a um esforço de integração destes infelizes)  urge adoptar um plano de combate às carteiras e porta moedas alérgicos a notas e moedas.

Os ministérios das Finanças e da Economia devem dar as mãos para descobrir a origem criminosa destas carteiras, sendo que será criminoso  negligenciar a pista russa.

Acidentalmente, cruzei-me hoje, na praia do Zavial, com um ex-colega de Faculdade que em voz baixinha, como se estivesse a falar numa catedral, murmurou ter um amigo que é da Maçonaria e lhe confidenciou estar em curso uma manobra subversiva destinada a sabotar as economias dos países da Nato.

O Putin terá dado luz verde a uma vasta operação secreta que consiste em encharcar todos os países subscritores do Tratado do Atlântico Norte com atraentes e baratas carteiras e porta moedas alérgicos a dinheiro, etiquetadas Made in China apesar de serem fabricados clandestinamente numa fábrica de marroquinaria localizada na Ossétia do Norte.

Enquanto, Pinho e Teixeira dos Santos, não convencem Sócrates e o ministro Amado a colocarem a questão em Bruxelas, na próxima cimeira da Nato, há duas medidas de protecção que devem ser imediatamente adoptadas:

1.     Vítor Bento tem de pôr em marcha um gigantesco plano para que o mais rapidamente possível as máquinas de multibanco geridas pela SIBS passem a dispensar notas de cinco euros. Numa altura crítica como estas, é melhor andar com pouco dinheiro no bolso;

 

2.     À mínima suspeita de serem infelizes possuidores de carteiras e porta moedas alérgicas a dinheiro, os portugueses devem guardá-los numa caixa de sapatos, passando a usar um clip dos grandes para acondicionar as notas e guardando as moedas no bolsinho apropriados dos jeans.

 

Este alerta e sugestões constituem mais um modesto contributo meu para vivermos num mundo mais perfeito.

 

Qui | 21.08.08

Abaixo a moeda de dois euros!

Jorge Fiel

Acho muito traiçoeiras as moedas de dois euros. Sou, por isso, favorável a qualquer petição tendente a que sejam retiradas de circulação.

Já reparei que quando pago uma pequena despesa com uma moeda de dois euros há uma enorme probabilidade de receber o troco de um euro.

Se não estiver atento e vigilante, usando em simultâneo a manha da raposa, a astúcia da coiote e a leveza da gazela, o mais certo é sair prejudicado em um euro. E euro a euro lá se vai enchendo o papo dos espertalhaços.

A  moeda de dois euros, não acrescenta nada à felicidade dos nossos porta-moedas e é vilmente usada por desonestos dadores profissionais de troco.

Comentando o panorama fiduciário actual da zona euro, preconizo ainda que sigamos o exemplo finlandês e eliminemos as moedas de um e dois cêntimos.

Sou contra a proposta italiana de introduzir uma nota de um euro. O argumento de que uma nota inspira mais respeito do que uma moeda é fraco quando se compara o abismo que separa a esperança média de vida de uma nota e de uma moeda.

Foi precisamente por terem feito essas contas que os norte-americanos estão a substituir por moedas as tradicionais notas verdes de um dólar.

Por fim, ponho duas perguntas à consideração de todos os distintos e preclaros (apesar de escassos) frequentadores desta lavandaria:.

1.     Não vos parece que o facto de a nota de 20 euros ser a mais dispensada pela rede de ATM pressiona a inflação?

 

2.     Não seria preferivel que a nota de dez euros fosse a preferida dos multibancos?

 

 

Ter | 19.08.08

Sobre a utilidade marginal de um iPod

Jorge Fiel

 Fazer de conta que somos um pouco duros de ouvido ajuda muito a desembrulhar-nos nestes tempos complicados e difíceis de entender em que vivemos.

Todos os dias ouvimos coisas que preferíamos não ter ouvido. Nestes casos, a melhor táctica é fazer de conta que não as ouvimos, ponto final parágrafo.

Mas a adopção desta táctica obriga-nos ao prévio esforço de estabelecimento da reputação de ligeira surdez junto de amigos, conhecidos, colegas e superiores hierárquicos.

No esforço de construção desta fama, poderá ser fatal incorrer em  exageros, como cair na tentação de imitar as respostas non sense do professor Tournesol ou usar atrás da orelha aparelhos da Sonotone.

Começar a debitar uns decibéis acima do normal, tal como fazem os canais de televisão durante os intervalos publicitários, é um truque de adopção obrigatória, porque todos os surdos falam aos berros.

O Luís Filipe Menezes é a excepção a esta regra, pois é surdo e fala baixinho. Tenho reflectido bastante sobre este caso e conclui que das três uma:

a)     É um falso surdo, que aparenta essa deficiência para fazer de conta que não ouve coisas que prefere não ouvir;

 

b)    Fala baixinho por táctica, pois no meio de uma berraria  baixar o tom de voz é a melhor receita para quem pretende captar a atenção dos presentes;

 

c)     As duas anteriores são verdadeiras.

 

O iPod pode ser um precioso auxiliar neste processo de passar por surdo. Experimente passar em média três horas por dia a ouvir, no volume máximo, uma dieta musical à base de Stones, Led Zeppelin, Yes, Black Sabath e Deep Purple, e ao fim de um par de meses verificará que está a desempenhar na perfeição do papel de surdo – pela única e simples razão de que está efectivamente com sérios problemas de audição.

Mas pode usar o iPod com o mesmo êxito e menos consequências, se andar sempre com os auscultadores brancos colocados os ouvidos mas com o aparelho desligado. As outras pessoas julgarão que está a ouvir o álbum Oito, dos Rádio Macau, e por isso desculparão que não lhe tenha deixado sem resposta a pergunta “Tens aí 20 euros que me emprestes porque eu deixei a carteira em casa?!”.

Os auscultadores nos ouvidos, mesmo com o iPod desligado, têm um efeito dissuasor equivalente ao do livro que, no filme “Turista Acidental”, William Hurt transportava como repelente de eventuais tentativas de paleio desencadeadas pelo parceiro do lado durante uma viagem de avião.

Se fizer de conta que está a ouvir música, evita ter de fazer conversa quando vai na rua, metro ou comboio e tropeça em colegas, amigos ou conhecidos. Basta acenar-lhes e, se for caso disso, piscar-lhes o olho.

 

Dom | 17.08.08

A possibilidade de uma cebola

Jorge Fiel

 

 

Desde que me lembro, tenho uma excelente relação com a cebola, que muito aprecio, quer na versão sushi quer cozinhada.

Se me perguntarem qual o meu molho preferido, eu não hesito um micro-segundo sequer antes de responder:  molho verde.

Molho verde é a designação nortenha para o conjunto constituído por cebola e salsa picadas a navegarem em azeite, temperado por umas gotas de vinagre e uma pequena nuvem de pimenta.

Sem ofensa para o “pulpo a galega” (nem desprimor para o colorau), a paixão que tenho pela  salada de polvo com molho verde está,  na minha escala de preferências, a par com a obra de Tom Sharpe e  o rock sinfónico dos Moody Blues.  

O molho verde (com muito azeite!) também acompanha muito bem lulas grelhadas com batatas cozidas e punhetas de bacalhau.

Estou em crer que o velho Ludwig escreveu a Nona a pensar num bife de cebolada. E a minha passagem de um ano pela Madeira (onde servi a pátria como a aspirante a oficial miliciano, com a especialidade de Anti-Carro e Morteiro Médio, tirada durante quatro longos meses na Escola Prática de Infantaria, em Mafra – o famoso Calhau)  iniciou-me nas delícias dos bifes de atum fritos, a nadarem numa farta cebolada.

Durante alguns anos contornei o exorbitante preço do atum fresco nas bancas de peixe (onde, como agravante, nem sempre marca presença)  adquirindo a preço módico no Lidl umas embalagens de filetes de atum congelada.

Por motivos a que, quero crer, a ASAE é alheia, essas maravilhosas embalagens desapareceram, com grande pena minha, das arcas congeladores dos Lidl.

A cebola fica também a matar quando guisada com azeite e couves de Bruxelas. E a acompanhar o tomate nos molhos à espanhola também não é nada de deitar fora.

A minha conversão à salada de tomate com mozarella fresco (com muito azeite, vinagre balsâmico e orégãos)  não me impede de ter fortes saudades da salada de tomate à antiga portuguesa, em que as rodelas de tomate conviviam alegremente com as suas homónimas rodelas de cebola tomate, tudo regado com um molho avinagrado e sal, muito sal.

A cebola é um ingrediente que aprecio nas suas múltiplas declinações, seja na pizza seja nos “onion bahji” num indiano.

Há cerca de dez anos tive uma epifania no Old Mc Sorleys, nas bordas da East Village (15 East Street, 7th Av. junto à Astor Plaza), em Nova Iorque, quando pedi uma fatias de cheddar americano  para acompanhar um par de canecas de cerveja escura da casa e o queijo veio acompanhado de crackers e rodelas de cebola crua. Experimentei e só vos digo: é um casamento fabuloso! Supimpa!

Fiquei de tal modo entusiasmado com esta descoberta  (a fantástica relação entre o queijo e a cebola) que na primeira paragem que fiz na Strand comprei logo um volume com as melhores histórias publicadas no ano anterior no Onion, para  oferecer ao meu amigo Daniel Deusdado, gesto que poderá assegurar que o meu nome numa nota de rodapé quando um dia se fizer a história do Inimigo Público.

Já que estamos em Nova Iorque, devo confessar-vos que estou em crer que devemos aos americanos essa maravilhosa invenção que dá pelo nome de “onion rings”, que constam obrigatoriamente do meu pedido sempre que almoço ou janto num “dinner”.

Um último esclarecimento. Este amor antigo que tenho pela cebola não faz de mim pessimista. Não, não sou daquelas pessoas olham a vida como uma cebola que se descasca a chorar.