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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Ter | 20.05.08

A desvantagem comparativa dos suspensórios face ao cinto

Jorge Fiel

  

O cinto não me deixa satisfeito. Mas não responsabilizo o acessório por esta insatisfação. Eu sei que a culpa é da culpa é da minha barriga.

De manhã, quando aperto o cinto, ajusto-o ao furo certo para segurar as calças no local recomendado da cintura –  ou seja, dois a três centímetros abaixo do umbigo.

O problema é que ao longo do dia a rotundidade da minha barriga favorece o deslizar do cinto . Este movimento não é bom, já que fico com as calças a cair, tipo Cantinflas.

Ontem aproveitei a folga para experimentar os suspensórios, a tradicional alternativa ao cinto que acho estar em vias de extinção. Penso que há mais gente a usar laço (como o meu preclaro amigo e antigo colega Nicolau Santos)  do que suspensórios – estou em crer que já nem o meu preclaro amigo e ex-colega António Marinho (que adoptou agora a marca Marinho Pinto)  os usa.

A experiência correu bem, apesar das molas se soltarem com mais frequência do que seria desejável , muito provavelmente por falta de uso -  comprei os meus suspensórios às riscas vermelhas e brancas numa loja  Mystic Shirt num momento de devaneio, algures no período de prosperidade cavaquista no dealbar dos anos 90.

No final de uma tarde de teste, detectei apenas o inconveniente maior de serem pouco práticos quando se trata de nos sentarmos no trono para satisfazer as nossas necessidades fisiológicas de carácter sólido.

Neste particular, o cinto é muito mais competitivo. É muito mais fácil e rápido desapertar o cinto e voltar a apertá-lo do que a operação de abrir e fechar as três molas (uma anterior e  duas posteriores) dos suspensórios.

Apesar de evitar a todo o recurso o recurso a sanitas alheias , valorizo esta desvantagem comparativa dos suspensórios face ao seu concorrente cinto.

Por essa razão – e também, não o nego, devido ao conservadorismo que cresce a par da idade - , decidi manter-me fiel ao cinto. Mas prometo que darei uma nova oportunidade aos suspensórios.

A única coisa que vos posso garantir é que optarei por um deles. Não sou homem para usar em simultâneo cinto e suspensórios.

 

Qua | 14.05.08

Uma visão crítica da teoria de gorjetas do camarada Mora

Jorge Fiel

 

Num dia da semana passada fui almoçar ao Andaluz, na rua de Santa Marta. Correu bem. As lulas grelhadas estavam boas, como de costume, e o meu amigo e camarada Mora (trata-se de um pseudónimo porque ele me proibiu de citar o seu nome de BI) estava muito menos implicativo do que é costume.

 

A conversa mole do almoço só endureceu quando chegou a altura de pagar a conta. A causa não foi a divisão da conta, já que o Paulo Freitas (num gesto de grande largueza que só o dignifica) resolveu arrematá-la. Não. A esquina teve só a ver com a gorjeta.

 

Amigo da América, onde, segundo creio, tem primos, Mora surpreendeu-nos ao criticar vigorosamente as bases do sistema de gorjetas em vigor nos Estados Unidos.

 

Não lhe parece bem que a gorjeta, que recompensa um serviço, seja uma percentagem da conta e não um montante fixo.

 

Argumenta que não há diferença sensível entre servir uma garrafa de Merlot argentino, de dez dólares e o Opus One, que pode custar 400 dólares a botelha.

 

Aplicando a percentagem de referência para as gorjetas em território americano (15%), no caso do vinho sul-americano haveria lugar a uma gorjeta de 1,5 dólares (um euro) enquanto que quem se atrevesse a encomendar o Opus One californiano incorreria numa “tip” de 60 dólares – cerca de 45 euros, dinheiro que chegava e sobrava para comprar uma caixa de Fontanário de Pegões branco e outra de Evel tinto.

 

Estou pronto a reconhecer que o raciocínio do camarada Mora é, à primeira vista,  muito sedutor, mas não é suficientemente sexy para me convencer.

 

A gorjeta ser calculada com base numa percentagem sobre a despesa realizada tem o encanto romântico de ser uma atitude do tipo Robin dos Bosques ou, se preferirem, ao estilo “os ricos que paguem a crise”.

 

Como se sabe, nos Estados Unidos a remuneração dos empregados de mesa é, no seu essencial, constituída pelas gorjetas, o que torna o exercício desta profissão especialmente atraente nos restaurantes caros.

 

Parece-me completamente sintonizado com os princípios básicos do marxismo e a doutrina da Santa Madre Igreja que um indivíduo que comeu um refeição de 20 dólares pague uma gorjeta de três dólares, enquanto um hedonista, com um salário anual na ordem dos seis dígitos,  que consumiu um opíparo jantar de 400 dólares, seja esportulado em 30 dólares. Acho isso muito bem feito. Quem não tem dinheiro não tem vícios. Ponto final, parágrafo.

 

Estou firmemente convencido que o terceiro do almoço do Andaluz (o nosso bem amado mecenas Paulo Freitas) comungou do meu ponto de vista crítico face à teoria das gorjetas do camarada Mora.

 

Mais se me oferece dizer sobre esta magna e candente questão que, no nosso país, encaro a gorjeta como um investimento. As minhas mãos são mais largas nos restaurantes de que sou cliente frequente, na esperança de que a minha generosidade renda dividendos.

 

Já no que toca a restaurantes que uso na base do “one meal stand” declaro-me um apoiante entusiasta da doutrina do meu amigo Joe Berardo que preconiza dar-se gorjeta à cabeça, antes de encomendar a refeição.

   

Qui | 01.05.08

A minha história com a rapariga generosa da camisola cor de rosa no Continente do Vasco da Gama

Jorge Fiel

Já se passaram umas boas doze horas sobre o acontecido, mas ainda me culpo pela falta de uma reacção rápida.

Ontem à noite, depois de sair do jornal, fui de metro buscar o Fiat Marea, que desde domingo estava estacionado em frente à Gare do Oriente. Resolvi aproveitar para abastecer a dispensa e frigorífico no Continente do Vasco da Gama.

Já passava das nove da noite, mas era véspera de feriado e não encontrei filas para as caixas com menos de meia dúzia de pessoas à frente.

Foi com um enorme despreendimento e muito pouca fé que escolhi a fila que a intuição me dizia ser a mais promissora.

A vida ensinou-me que seja nos supermercados, na auto-estrada ou na emigração para entrar nos EUA, a fila que eu escolho é invariavelmente a mais lenta. Trata-se de uma adaptação muito pessoal da lei de Murphy.

Ontem estava com sorte. Para ocupar mentalmente o tempo de espera, comparei a progressão da minha fila com a do caixa ao lado - e qual não foi a surpresa quando constatei que a minha se escoava muito mais rapidamente.

A sensação de que algo de importante podia estar a mudar da minha vida (estarei a transformar-me num Gastão?) obteve uma curiosa confirmação quando uma rapariga de camisola cor-de-rosa, que tinha acabado de pagar as compras, se virou para mim e disse: “Ei senhor, não quer ficar com isto?!” enquanto me enfiava na mão um cupão de desconto de quatro euros e se foi embora.

Foi tudo muito rápido. Quase de certeza que a rapariga da camisola cor de rosa tinha um sotaque brasileiro, mas não quero jurar.

Obriguei-me a um “flash back” e consegui reconstituir os antecedentes desta estranha e generosa oferta.

Não me lembro do que ela comprou, mas sei que a soma dos artigos não chegava aos 22 euros. Entregou o cupão para abater na compra. A rapariga da caixa explicou-lhe que não podia ser. Que só podia usar o cupão – cuja validade expirava ontem, 30 de Abril – em compras de valor igual ao superior a 25 euros.

A caixa ainda lhe sugeriu que ela fosse buscar mais alguma coisa para a conta subir aos 25 euros e poder usar o cupão – ela esperava. Mas a rapariga generorosa da camisola cor-de-rosa devia estar com muita pressa e não seguiu este conselho vantajoso.

Olhou para trás e foi muito rápida a avaliar a situação.

As duas mulheres que estavam entre mim e ela tinham poucos artigos no tapete. Compras seguramente inferiores aos 25 euros. Ora eu não só trazia muitas compras (57.99 que ficaram em 53.99 após o desconto) como ainda por cima tinha nas mão dois cartões vermelhos – o de descontos do Continente (indispensável para beneficiar do cupão) e o Multibanco do Santander.

“Ei, senhor não quer ficar com isto?!”, disse. Meteu-me o cupão na mão e foi-se embora. Nunca cheguei a ver-lhe a cara – apenas a camisola. Antes dela desaparecer, só tive o tempo de lhe agradecer.

Já se passaram umas boas doze horas (o talão de caixa registou as 21.18.07 como a hoar do meu “check out”) sobre o acontecido, mas ainda me culpo pela falta de uma reacção rápida.

Sinto que devia ter partilhado a vantagem do cupão com a rapariga generosa da camisola cor-de-rosa. No mínimo, devia ter-lhe oferecido dois euros.