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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Qua | 27.02.08

Uma denúncia fundamentada das patifarias romanas

Jorge Fiel

Os cinco dias que passei em Roma, o berço da nossa civilização, ajudaram-me muito a compreendê-la (à nossa civilização), permitindo-me detectar com clareza a origem remota de atitudes e comportamentos modernos tão bizarros e condenáveis como a vaidade, o gozo com o mal alheio e a queda para a violência e patifarias.

A coisa começou logo torta, já que o nascimento da cidade está associado ao hediondo crime de Rómulo, que matou o irmão gémeo Remo, e assim continuou ao longo dos séculos.

Vejamos o caso de Júlio César, personagem que me era simpática, apesar da maneira pouco amável como Goscinny o retratou nas aventuras do Astérix e Obélix.

Era-me difícil não admirar um homem que proferiu «sound  bytes» tão eficazes como os famosos «veni, vidi, vici» e «alea jacta est».

Tinha uma boa impressão deste tipo corajoso e decidido, que não hesitou em atravessar o Rubicão e entrar em Roma armado até aos dentes, à frente dos seus exércitos vitoriosos.

Pois confesso-vos que fiquei muito triste ao saber que a República romana caiu às mãos de um careca que tinha vergonha de o ser e inventou a célebre coroa de louros para disfarçar as entradas.

Sim. Júlio César, o conquistador da Gália , vencedor de Vercingetorix e ditador de Roma, era um careca envergonhado, um antecessor do Luís XIII de França, que está creditado como o primeiro homem que usou um capachinho em público para dissimular a falta de cabelo.

A vaidade não era um exclusivo de César. Augusto, o seu sucessor, o primeiro imperador, que governou Roma durante 19 anos divinizado pelo Senado, ganhou a fama de ser uma pessoa austera e frugal, pois habitava uma casa modesta e usava roupas feitas em casa pela sua mulher Lívia.

Ora o nosso amigo Augusto era um falso modesto. No fundo, no fundo, era um vaidoso como Júlio César, já que foi o inventor dos sapatos/plataforma que mandava fazer por encomenda, porque tinha o complexo de ser minorca.

Além de vaidosos, os romanos e os seus sucessores também revelaram uma costela sádica bastante difundida e âncorada no seu código genético.

Ingenuamente, eu pensava que a violência sanguinária e os desmandos de celerados como Nero e Calígula eram uma excepção. Estava enganado. São a regra.

Paguei nove euros para entrar nas ruínas do Coliseu, palco de combates selvagens entre homens (escravos e gladiadores)  e bestas diversas (leões, hipopótamos, tigres, crocodilos, ursos, etc) que lutavam até à morte perante uma multidão ululante de 55 mil pessoas que deliravam com o espectáculo e ser divertiam em incitar o imperador a pôr o polegar para baixo  (hoje em dia os polegares são usados para um fim bem mais pacifico – escrever SMS).

Quando o desgraçado tombava morto na areia, entrava em cena um assistente, disfarçado de Caronte (o mítico barqueiro da Morte), que removia o cadáver da arena depois de se certificar que ele estava bem morto, perfurando-lhe o corpo todo com ferros em brasa, não fosse o caso do infeliz ter-se armado em engraçado fingindo-se de morto para tentar escapar.

Saído do Coliseu, passei pelo Fórum Romano, onde apreciei a Rostra, a tribuna em frente à Cúria onde Marco António fez o discurso «Amigos, romanos, conterrâneos» , posteriormente imortalizado por Shakespeare, após ao assassinato de Júlio César.

Pois foi nessa mesma Rostra que foram exibidas ao público a cabeça e as mãos de Cícero, assassinado às ordens do segundo triunvirato  (Augusto, Marco António e Marcos Lépido) com requintes de malvadez e profanação de cadáver. 

Fúlvia, a mulher de Marco Aurélio, perfurou com um gancho do cabelo a língua do grande orador («Quosque tandem, Catilina, abutere patientia nostra?», ou dito por outras palavras, «Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?).

Confirmei o carácter violento dos romanos quando desaguei na Piazza del Popolo, vindo da Via del Corso, e me documentei sobre esta espaçosa praça.

Fiquei a saber que nos séculos XVIII e XIX , a Piazza del Popolo era o cenário de grotescas execuções públicas, integradas no programa dos festejos carnavalescos.

Os condenados não eram fuzilados, nem enforcados. Eram mortos à base de sucessivos murros nas têmpora, apesar de à época já ter sido inventado a guilhotina.

Apesar de violentos, os romanos eram comprovadamente crédulos, prontos a caírem na primeira patranha que lhe enfiavam.

Uma das atracções da igreja de Santa Francesca Romana (a patrona dos motoristas romanos) são as impressões dos joelhos de Pedro e Paulo, que terão sido feitas na sequência de um estranho caso desencadeado por um tal Simão Mago.

O Simão pôs-se com basófias perante os apóstolos e decidiu provar que tinha mais poderes do que eles. Para o efeito pôs-se a levitar. Pedro e Paulo caíram de joelhos (se fosse de queixo teria sido pior)  rezando a Deus para indicasse quem é que efectivamente tinha mais poderes. O Altíssimo atendeu as preces, fazendo-lhes a vontade, e o pobre do Simão espatifou-se no chão.

No Vaticano, nos deslumbrantes aposentos do papa Júlio II decorados por Rafael, um dos frescos mais célebres é o do «Incêndio do Borgo», relatando uma patranha aceite à época – a de que o papa Leão IV apagara um violento incêndio com o simples acto de fazer o sinal da cruz.

A ser verdade esta história do papa-bombeiro, tenho pena que já não se façam papas assim, com super-poderes, pois dariam um jeitaço na época dos incêndios.

Já agora a propósito do Rafael, deve dizer-vos que tinha tanto de bom artista como de mau carácter.

Para começar era um graxista sem vergonha. No fresco «O Encontro de Leão I e Átila» começou por retratar o papa Leão I com as feições do papa Júlio II, que foi quem lhe encomendou o trabalho.

Mas, mal o Júlio bateu a bota e foi substituído por Leão X, logo Rafael  pintou a cara do novo papa no lugar da do falecido. Um oportunista!

O mau carácter de Rafael está também espelhado no episódio da sua amante Margherita «La Fornarina» (tinha essa alcunha por ser filha de um padeiro de Siena).

Enquanto a Fornarina era viçosa, Rafael fartou-se de fornicar com ela, apesar de não estarem unidos pelos sagrados laços do matrimónio, fazendo assim com que ela ganhasse a fama de «mulher desonrada».

Mas mais tarde, quando o pintor já pressentia a morte - e por isso não precisava que a Fornarina lhe continuasse a aquecer os pés -, teve o desplante de a escorraçar do seu leito, no intuito de obter a absolvição de Deus e garantir um lugar nos céus. Um escroque!

 

Qui | 21.02.08

Ai, se eu fosse rico! Parte I O meu parque automóvel

Jorge Fiel

 Não abro muito a boca quando peço. Uma Voyager igual a esta já me deixaria feliz

 

Apesar de partir amanhã de férias para Roma e apesar de estar escandalizado com as poucas vergonhas que se estão a passar no Nickelodeon (não é que o Patrick Estrela e o Sponge Bob resolveram sair do armário, passaram a viver como um casal e adoptaram como filha uma concha cor de rosa?) inicio hoje uma série de «posts» subordinada ao tema «Ai, se eu fosse rico!».

Destina-se esta série - que desconheço em absoluto de quantos «posts» será composta (para já apenas me comprometo a fazer um segundo para justificar a denominação «série») - a partilhar com as preclaras e preclaros o que eu faria se de um momento para o outro ganhasse o «jackpot» do Euromilhões (o que é altamente improvável uma vez que não jogo) ou descobrisse que era filho do Américo Amorim (o que é bem mais provável, estas coisas estão sempre a acontecer; não é que no outro dia a Alexandra Lencastre soube que era meia-irmã duma jeitosa da televisão?).

Começo esta auspiciosa série (que lamentavelmente é de ficção) com o que faria relativamente ao meu parque automóvel se a minha conta bancária fosse subitamente fortificada com pelo menos mais sete zeros à direita.

Neste preciso momento, o meu parque automóvel é constituído por uma carrinha Fiat Marea, cinzenta, de 2001, e por um Austin Mini Clubman, branco, de 1974.

Na opinião das Finanças, consta também do meu parque automóvel um Fiat Uno, azul, fabricado algures nos anos 80, que comprei ao meu amigo e colega Abílio Ferreira com o bondoso intuito de o oferecer ao meu enteado Gonçalo.

O Gonçalo alega que vendeu o Uno a um ucraniano, mas a verdade é ele ainda está registado em meu nome, o que me leva a pensar, com bastante fundamento, que ainda não acabaram as chatices derivadas do meu acto generoso de o presentear com um carro assim que ele tirou a carta. Enfim…

Ganhei muito afeição ao Mini, pelo que, mesmo que milionário tipo Tio Patinhas, estaria fora de questão desfazer-me dele.

Já a Marea seria despachada e substituída, nas suas funções de transportar família, amigos e ofícios correlativos, por uma Chrysler Voyager castanha.

Tenho uma paixão já antiga pela Voyager. Quando era chefe do Expresso no Porto e tinha direito a carro de serviço (esta recordação faz-me lembrar que a minha carreira tem andado para trás pois nunca mais usufrui dessa simpática regalia) escolhi o monovolume da Chrysler quando chegou ao fim o «leasing» da carrinha Laguna.

A administração do Expresso alegou que a Voyager estava ligeiramente acima do «plafond»  a que eu tinha direito e contrapropôs a Renault Espace.

Aceitei e não me arrependi. A Renault Espace (azul) foi, do ponto de vista de conforto, o melhor carro que guiei até hoje.

Fiquei freguês dos monovolumes. Têm o inconveniente de terem pouca arrumação, mas o que é isso senão uma minudência sem relevância face à sensação bestial que é conduzir no andar de cima do tráfego?!?!

Parece que não, mas a elevação face ao nível da rua garantida pelos monovolumes pode poupar alguns embaraços. Que o diga o meu amigo Luciano (chamemos-lhe assim para ele poder manter-se meu amigo) que em tempos idos ficou à rasca quando deu por ele engarrafado no meio do trânsito, em plena avenida dos Aliados, com um autocarro do STCP ao lado, cheio de passageiros a presenciarem o labor da namorada dele, que se afadigava a fazer-lhe um broche.

Amei a Espace, mas fiquei com a Voyager atravessada. Assim tenha dinheiro e/ou um pretexto, compro logo uma. De preferência castanha.

Satisfeitas as necessidades básicas de transporte com a Chrysler, haveria lugar a um pequeno luxo. Um milionário tem o direito e o dever da excentricidade e ninguém pode aspirar a ser excêntrico sem ser o feliz proprietário de um descapotável de dois lugares.

Aqui confesso que hesito entre o velho Alfa Romeu Spyder, vermelho, e o mais recente Mazda Miata (ou MX5), cor de canela. Gosto um bocadinho mais do Alfa, mas toda a gente diz que ele é uma fonte de dores de cabeça e está sempre a avariar.

Aliviando-me da Marea e adicionando ao Mini a Voyager e um descapotável (o Spyder ou o Miata), daria por mim satisfeito e com o meu parque automóvel fechado. Três carros é a capacidade máxima da minha excentricidade neste particular dos automóveis.

Mas ainda há outros três carros que me trazem pelo beicinho e eu gostaria de um dia ter:

1.     A carrinha VW «Pão de Forma» é fabulosa. Uma moca. Já por mais de uma vez me senti tentado a comprar uma. O problema é que duplicaria a oferta da Chrysler Voyager.

 

2.     O Mini Cooper S, vermelho e com o tejadilho a branco, fabricado nos anos 60, é uma paulada. O problema é que não faz sentido ter dois Minis.

 

3.     O Trabant é tão feio, tão feio que acaba por ser incrivelmente belo. Tem dois problemas. A ausência de assistência e de peças e o facto de duplicar a oferta do Mini.

 

 

 

Ter | 19.02.08

Um breve tratado sobre queijos

Jorge Fiel

Digam-me lá se não ficam com vontade de comer estas fatias de Manchego?

O queijo é (sempre foi) um dos meus amores de perdição.

Nunca liguei muito a doces. Nas festas de aniversário não faço feio e como uma fatia de bolo depois de cantar os «Parabéns a Você». E se estiver nos Pastéis de Belém o mais provável é que encomende um para acompanhar o café -  e o polvilhe com muita canela. Mas não me lembro de alguma vez ter comprado chocolates ou bombons para consumo próprio. Creio que isso nunca me aconteceu.

Esta saudável indiferença face aos doces tem como contrapartida uma paixão antiga e recorrente pelo queijo.

No Natal, as rabanadas e o bolo rei sabem-me pela vida.

Tenho uma belíssima impressão da tarte de maracujá da Padaria Ribeiro.

E não tenho dúvidas em considerar as invenções do «apfelstrudel» e do leite creme queimado como dois marcos importantes da história da Humanidade.

Mas não trocava todas estas iguarias juntas (mais o pudim Abade Priscos e as «profiteroles» que são a perdição sdo meu amigo Manuel Queiroz) por uma colher de queijo da Serra amanteigado em cima de um bocado de pão escuro e acompanhada por um valente copo de tinto de Douro.

A tábua básica com que eu atravesso o meu dia a dia é constituida por três queijos, de diferentes nacionalidades:

1.     Ilhas (S. Jorge)  picante, preferencialmente cura de quatro meses;

 

2.     Manchego (quanto mais curado melhor);

 

3.     Parmesão.

De vez em quando, para variar, introduzo ligeiras variantes, que quase sempre contemplam a substituição do Parmesão, já que o Ilhas e o Manchego são titularíssimos e indiscutiveis.

Posso trocar o Parmesão pelo seu conterrâneo Provolone, que comi uma vez, com bastante agrado, na Garota de Ipanema (foi neste bar, propriedade de um português, que Tom Jobim teve a suave visão da dita que estava em trânsito para a praia), no Rio de Janeiro, na versão panado e frito.  

O Provolone admite ser cozinhado, mas marcha muito bem cru, na minha opinião, que como já sabem não é modesta.

Acontece também com bastante frequência recorrer à imensa oferta francesa (De Gaulle tinha razão quando desabafou que era difícil governar uma Nação que produzia tamanha variedade de queijos).

Construi uma relação muito séria com o Camembert há cerca de 20 anos, quando a Longa Vida começou a produzir e comercializar uma muito aceitável variedade deste queijo, mas devo confessar que ao fim de muito consumo o meu palato se enfadou um pouco dos queijos tipos pasta.

O que não quer dizer que não recorra de quando em vez a um Camembert ou a um Brie para fazer companhia ao Ilhas e ao Manchego.

Tenho uma grande consideração pelos Chèvre gauleses, mas se me perguntarem quais são os meus queijos franceses preferidos, eu não hesito um segundo antes de responder Roquefort e Reblochon.

O Roquefort encerra os pequenos contras de não ser barato e de o seu paladar forte desaconselhar o seu consumo diário.

O Reblochon é magnifico mas não é facilmente encontrável no nosso país. Só me recordo de o ter visto (e nem sempre) na queijaria do supermercado do El Corte Inglès.

No panorama nacional, tenho elevado apreço por um Terrincho, um Serpa ou um Azeitão, queijos nobres que degustaria com muita mais frequência se tivesse mais um zero (à direita) na conta bancária e menos um zero (também à direita) na contagem de colesterol mau no sangue.

O Serra, que não hesito em entronizar como o Rei dos Queijos, não visita regularmente a minha mesa por várias ordens de razões, sendo que a saúde é uma das mais importantes.

Uma dose de Serra equivale a um chuto de colesterol administrado directamente na veia. E eu apesar de ser viciado em queijos  não estou agarrado a esse ponto. Por isso, defendo-me ao poupar para as festas natalícias a delícia e o subido prazer de o comer.

A paixão pelo Manchego chegou-me de uma forma inusitada – através da literatura.

Pepe Carvalho, o intrépido detective inventado por Manuel Vasquez Montalban, adorava petiscar fatias de Manchego enquanto bebia ums copos de Paternina.

Eu experimentei. Dei-lhe toda a razão no queijo, mas discordei no vinho. Assim como assim, um Prazo de Roriz vale dez Paterninas.

 

Sex | 15.02.08

A problemática da moedinha para o arrumador

Jorge Fiel

Não é simples definir e adoptar um política correcta e adequada para fazer face ao fenómeno dos arrumadores de automóveis e ofícios correlativos que infestam as ruas e a todo o custo nos tentam extorquir uma moedinha, invocando pretextos diversos.

Eu decidi ser conivente com a prática e pactuar com a extorsão no caso concreto dos arrumadores com quem estabeleço uma relação regular.

Quando trabalhava no escritório do Expresso do Porto, em Júlio Dinis, tinha dois ou três locais onde aparcava regularmente, que eram território demarcado e supervisionado por arrumadores permanentes.

Habituei esses arrumadores regulares à gratificação diária com uma moedinha de 50 cêntimos.

O entendimento tácito que estabelecia com eles é que esse imposto revolucionário garantia a protecção da viatura por todo o dia. Ou seja se à hora do almoço eu tinha de sair com o carro, estava absolutamente fora de questão ser esportulado em mais 50 cêntimos no regresso. Ni hablar.

Se por algum motivo o arrumador regular não estava no seu posto, ou se aparecia em seu lugar um arrumador espontâneo que eu desconhecia, adoptava a linha dura de não dar a moedinha, fornecendo uma mentira hipócrita em caso de interpelação - «Não tenho dinheiro trocado. Dou-lhe quando voltar».

Abro um parêntesis para avisar toda a gente que andam para ai uns espertalhaços prevenidos, que com quase toda a certeza vão ao banco à hora da abertura para se abastecerem com trocos e assim ficarem habilitados a despistar esse tipo de desculpa.

Eu já dei com um que tinha troco para uma nota de 20 euros, o que me deixou a pensar que ser arrumador de automóveis pode ser uma actividade assaz lucrativa , tanto mais que está a coberto das tenebrosas investidas do Fisco.

A manutenção de uma relação agradável com pessoas em que tenho de tropeçar no dia a dia esteve na origem desta minha decisão de dar a moedinha aos arrumadores regulares.

O meu amigo Manuel Serrão está habituado a dar um euro a todos os arrumadores, mas esta aparente generosidade mergulha as suas raízes no facto de ele estar muito mais exposto ao risco da vingança – materializado em riscos no carro.

Compreende-se a atitude «mãos largas», porque o Manel faz-se transportar num belo Mercedes convertivel, de modelo recente. O meu parque automóvel é constituido por um Mini Clubman de 74 e uma carrinha Fiat Marea de 2001, cheios de ferrugem, amolgadelas e riscos. Por isso, estou por tudo.

Sendo assim, por norma abstenho-me de dar a moedinha a arrumadores que nunca me foram apresentados e em locais onde apenas estaciono episodicamente. Nestes casos, deixo a decisão ao sabor do momento. Se estiver bem disposto, posso dar uma moedinha de 10 ou 20 cêntimos.

A minha relativamente tolerância face aos arrumadores não é extensível a outro tipo de pedintes, como por exemplo:

a)     A velha que está sempre emboscada num semáforo numa das perpendiculares a Júlio Dinis;

 

b)    O deficiente motor que estaciona com uma caixa de pensos no semáforo da esquina da rua que liga Bessa Leite à avenida da Boavista;

 

c)     O marmanjola que percorre Júlio Dinis a interpelar os transeuntes pedindo-lhes uma moedinha para ir comer um sopa;

 

d)    O chato encartado que se acoitou nas imediações do Casad’Oro, junto à ponte da Arrábida, que usa a táctica do desgaste e persegue os clientes à saída do restaurante durante centenas de metros (se for caso disso) esperando vencê-los pela resistência e assim ganhar mais uma moedinha;

 

e)     Os palhaços que aproveitam o facto de estarmos parados num semáforo para desatarem a tentar lavar o pára-brisas sem nos pedirem autoruização (enxoto-os pondo logo o limpa pára brisas a actuar no máximo da sua potência).  

A estes e outros afins não lhes dou moedinha. Já fico com problemas de consciência quando deparo com um tipo que conheci vagamente na minha juventude a pedinchar a moedinha à saída do Pingo Doce da Pasteleira.

Acho cobarde atacar as pessoas quando elas estão a saír do supermercado carregadas de compras. É escarafunchar na mais sensível ferida da nossa consciência judaico-cristã. Mas na maior parte das vezes não consigo resistir e lá lhe dou a moedinha de 50 cêntimos.

Aproveito esta oportunidade, em que estou a abordar a magna e candente problemática da moedinha, para tornar pública a minha mais vigorosa e enérgica condenação à venda de rosas em restaurantes.

Enerva-me estar a jantar com um amigo e chegar um tipo a insinuar que eu sou rabeta já que me pergunta se eu lhe quero comprar uma rosa.

Enerva-me o embaraço de parecer fonas ou insensível quando estou a jantar com a minha mulher e sou alvo dessa espécie de extorsão sentimental por parte dos vendedores de rosas vermelhas.

Por isso, quando estou bem disposto e/ou o esvaziamento da garrafa de vinho já vai bem encaminhado, não resisto a protagonizar a  graçola de dizer que sim, que quero, todas, sim, compro todas as rosas, faço uma pausa, deixo a alegria reflectir-se no rosto do vendedor e depois desfiro a estocada final fazendo, com um ar inocente, a seguinte pergunta:

«Como é óbvio, pode passar um recibo para abater no IRS…?»  

 

Qua | 13.02.08

Discurso sobre o tempo e a conversa de elevador

Jorge Fiel

O que é que dizemos se viajamos de elevador com uma boazona e ela de repente tira as cuecas?

Pelham Grenville, o inglês que ficou conhecido pelo nome literário de P.G.Wodehouse (alias que adoptou por achar que «trabalhar sem três nomes é como sair de casa nu em pêlo»), quando se mudou para Nova Iorque o que o que mais pediu à mulher foi que lhe alugasse um rés-do chão.

A mulher perguntou-lhe o porquê desta estranha obsessão pelos rés do chão e ele explicou: «Nunca sei o que dizer nos elevadores».

Como eu compreendo o grande P.G.Wodehouse, um dos meus idolos porque se fartou de ganhar a dinheiro e fama a escrever sobre nada.

Pega-se num romance dele, vai-se virando página após página, com algum interesse e até aguma avidez, e quando chegamos ao fim damos por nós a interrogarmo-nos sobre o que é que P.G. escreveu. Espremimos as meninges e concluimos que ele escreveu sobre nada – niente, rien du tout, nothing at all.

Mas não é sobre o soberbo e invejável talento de P.G.Wodehouse que vos queria falar, mas antes do pavor dele pelas conversas de elevador (apesar dele ser inglês e da esmagadora maioria dos seus compatriotas ser eximia na arte de fazer conversa sobre o tempo) que eu lamentavelmente partilho.

Eu moro no 4º esquerdo. Se por acaso os vizinhos do 4º direito  - um casal de médicos simpáticos (mais ele que ela) e pacifico – estão a estacionar o carro ao mesmo tempo que eu, não tenho a mínima dúvida em retardar a minha operação de saída do carro.

Desato logo a procurar coisas inexistentes no banco de trás ou no porta luvas, com o subido objectivo de me poupar ao embaraço de ter de estar com eles à espera de elevador e na viagem ronceira (o elevador lá de casa não sobe à velocidade do do Empire State Building) até ao quarto andar.

È tramado cumprimentar o vizinho e depois ficar a pensar ou a dizer «Pois é!» e a olhar para outro lado à espera que o tempo passe, cheguemos ao nosso destino e possamos, aliviados, sepultar o encontro acidental com um educado «Boas tardes» ou«Boas noites», seguido de um «Com licença» emitido pelo primeiro a estar em condições de fechar a porta do seu apartamento.

Ao contrário do que muito boa gente pensa, o tempo é subjectivo. A Swatch demonstrou isso há alguns anos com um magistral comercial (que presumo tinha como banda sonora o «Breathe» do Midge Ure) em que se expplica por a mais bê que um minuto no elevador com uma boazona de mini-saia passa 99 vezes mais depresa que um minuto à porta da casa de banho à espera de vez quando se está aflitinho para fazer xixi e as primeiras gotas rebeldes já molharam as nossas cuecas.  

Feito o ponto sobre a relatividade do tempo (o que não faz de mim um Einstein) faço a excepção que confirma a regra. Há duas alturas (as férias grandes e o Natal) no ano que me é relativamente fácil fazer conversa de elevador. Passo a exemplificar:

«Então!?! Já foi de férias?»

«Este ano para onde vão?»

«Ai já fizeram!! Onde estiveram?»

«Então já começou a fazer as compras de Natal?!?»

 

…………………….

Frase relacionada

«Para um amigo tenho sempre o relógio no fundo da algibeira»

Ramos Rosa

 

Seg | 11.02.08

Redacção sobre a Coca-Cola

Jorge Fiel

Sou um consumidor moderado de Coca-Cola Light, bebida que aprecio apesar de nunca se ter entranhado em mim – muito provavelmente por nunca a ter estranhado.

Aquilo que estranhei na minha adolescência foram os dois pesos e medidas com que o Estado Novo tratava a Coca-Cola, interditando a sua venda na Metrópole ao mesmo tempo que a autorizava nas colónias. Nunca percebi a razão que esteve  na origem deste tratamento diferenciado.

Como o fruto proibido é o mais apetecido, em 1972, comprei uma garrafa enorme de Coca-Cola logo na primeira paragem que o Sud Express fez  após vencida a fronteira.  Viajava com um InterRail e era a primeira vez que bazava do país. Tinha 16 anos.

Devo confessar-vos que vivi nessa viagem primeiras experiências mais gratificantes do que a do o primeiro golo de Coca-Cola. Mas adiante, porque isso já são contas de outro rosário.

Acho exagerado atribuir à minha militância politica radical o facto de ter atravessado o resto da adolescência e a minha primeira fase da idade adulta sem beber Coca-Cola.

É certo que nas águas políticas em que eu navegava, a Coca-Cola era tratada como «a água suja do Imperialismo» mas não estou em crer que fosse essa a razão para me abster de a beber.

Nunca fui grande amante de refrigerantes e não andava com muito dinheiro no porta moedas.

Por isso, quando se impunha encomendar uma bebida refugiava-me na Água das Pedras. Presumo que pedia água com gás porque achava que era um desperdicio pagar por água lisa já que ela estava disponível gratuitamente na torneira. A verdade, é que me apaixonei e fidelizei às águas com gás.

Estou em crer que a minha reaproximação à Coca-Cola se deu pelo efeito conjugado de factores estético e cosmopolita.

Começando pelos estéticos. Presumo que as preclaras e os preclaros não me contrariarão se eu disser que um dos objectos de design industrial mais bonitos do Mundo é a erótica garrafa de Coca-Cola.

Um parêntesis. Quando pego numa garrafa de Coca-Cola  não consigo deixar de pensar na idiotice involuntária do seu inventor, que preferiu vender os direitos por uma soma fixa, em vez de ter escolhido receber «royalties» sobre cada garrafa vendida. Meu Deus, ninguém está livre de deitar assim, sem querer, uma fortuna pela janela fora.

Fechado o parêntetesis e mantendo-me no terreno estético, acrescento que a mais linda lata do Mundo é a de Coca-Cola Light.

Passando para o factor cosmopolita. Algures no início dos anos 90, numa das minhas primeiras viagens a Nova Iorque, passei uma boa parte de uma noite quente no terraço do hotel, em boa companhia - a beberricarmos Coca- Cola em copos cheios de gelo e a pastar as luzes e o movimento da cidade, enquanto diziamos disparates. Uma boa recordação.

Lenta mas seguramente tornei-me um freguês moderado de Coca-Cola, com as seguintes idiosincrasias:

a)     A Coca-Cola tem de ser bebida gelada mas não basta ter estado a arrefecer no congelador. O copo deve ser grande e tem de estar atestado de estilhaços de gelo que são detidos pelos dentes quando damos um golo maior.

 

b)    Uma rodela de limão cai a matar num copo de Coca-Cola. Aliás a minha favorita é a Light com sabor a limão.

 

c)     Boicote total à Coca-Cola Zero que sabe a aspertame ou lá como se caham e escreve esse sucedâneo do açúcar.

 

d)    Pepsi Cola? Ni hablar. É muito mais doce. Não gosto.

Há coisa de dois anos fui a Atlanta e, como não podia deixar de ser, visitei o Museu da Coca-Cola. Fiquei impressionado por saber que um aluno de uma secundária da Georgia tinha sido expulso por ter tido o topete de se apresentar na escola com uma T Shirt da Pepsi. De resto, gostei.  Material publicitário foi sempre fabuloso. Experimentei Coca-Cola de cereja e gastei algum dinheiro em «mercandising» na loja. Se voltar a Atlanta, repito.

Posto isto, finalizo esta redacção partilhando convosco uma pequena mania minha.

Quando faço longas viagens (como o Porto-Lisboa ou vice versa) sozinho de carro, faço-me acompanhar por uma garrafa de 1,5 litros de Coke Light, que ocupa o lugar de morto. E vou amenizando a viagem bebendo uns golos de Coca-Cola enquanto ouço a RFM.

………………………

Frase relacionada: 

«É uma estratégia 100% publicitária. Vamos vender Zapatero como uma Coca-Cola ou um modelo Dolce&Gabanna»

Juan Luiz Bastos, responsável da campanha do PSOE nas próximas legislativas

 

Qui | 07.02.08

Sofre-se mais com a troca de computador e telemóvel do que com a mudança de namorada

Jorge Fiel

O Inferno, de Bosch. Eu ando por ali. Descobrem-me se procurarem

Ando triste porque comprei um computador novo.  Como esta frase pode soar como um enorme disparate, eu passo a explicar.

Mudei de computador porque o meu HP estava a precisar de reforma ao fim de quase dois anos de serviços prestados. Volta e meia (sendo que volta e meia quer, neste caso, dizer todos os dias e, às vezes, várias vezes ao dia) tirava-me do sério ao desligar-se sem pré-aviso. Uma merda!

Procurei especialistas na matéria e disse-lhes o que queria.

Queria um portátil mais leve que o HP, que de manhã, quando saía de casa, pesava três quilos, mas que ao fim da tarde pesava mais do dobro.

Queria um portátil com mais autonomia que o HP, que na sua juventude me garantia uma viagem Porto-Lisboa no Alfa mas nos últimos tempos começava a dar o badagaio por volta de Santarém.

Queria um portátil capaz de resolver as minhas parcas necessidades, ou seja uma máquina de escrever moderna e com correio electrónico, uma janela aberta sobre a rede e um armazém para as minhas fotos e videos. Mais nada. Não sei se já vos disse, mas não um tipo de jogos.

Queria não ser obrigado a partir o gordo porquinho amarelo que serve de mealheiro para financiar a compra do novo portátil.

O resultado destas consultas foi a compra por 853,49 euros de um LG E300, com ecrã de 13 polegadas.

Iniciei-me no Vista (de que ainda não reuni razões de queixa suficientes que justifiquem um lamento organizado) e iniciei o processo de migração para o novo LG dos ficheiros do HP, antes de o mandar rapidamente para a marca, pois o expirar da garantia estava por uma ou duas semanas.

Pois foi na operação de transferência dos ficheiros que deflagrou a catástrofe que ainda desconheço se há ou não meios de a esconjurar.

O disco do HP recusou-se terminantente a arrancar, apesar dos valorosos esforços do pessoal da Introduxi que, após 48 horas de luta, confessou a sua impotência.

Sim, eu não tinha «back up» de nada. Ou seja, os meus últimos dois anos de vida estão armazenados naquele disco autista que se recusa terminantente a comunicar com o Mundo exterior. O grande palerma! .

E a recuperação das fotos, videos, textos e contactos está nas mãos de técnicos da HP que não me conhecem de lado nenhum e que são muito bem capazes de se estar a referir a mim como o grande e incauto bimbo que passou dois anos a encherumo disco sem se dar ao trabalho de usar qualquer tipo de cinto ou suspensórios. Nada! Niente! Rien! Nothing!

É por esta e por outras que ando triste, ensimesmado, suspenso do que 2ª feira vou ouvir da boca dos técnicos da HP (se calhar não dizem nada e mandam-me telefonar  mais para o fim da semana…)

As outras são menores, mas também moem.

O «scanner» Canon teima em não se relacionar com o novo portátil. Pede o disco de instalação e eu ainda não descobri onde o meti.

Devo ter configurado como um asno o meu mail do Sapo no Outlook, porque só recebo mails e não os consigo enviar – dá sempre erro.

A ligação telefónica à Net não só vai abaixo mais vezes do que eu acho razoável como, ainda por cima,  quando a quero retomar manda-me à merda baixinho ao dizer-me «erro de ligação: o modem (ou outro dispositivode ligação) já está a ser utilizado ou não está correctamente configurado».

Esta série de contratempos deita-me abaixo. São percalços como estes que estou a viver que nos fazem infelizes.

Tenho a ideia que sofro mais hoje em dia quando mudo de computador (ou de telemóvel) do que na minha adolescência quando mudava de namorada.  

 

Ter | 05.02.08

Não foi regicídio. Foi eutanásia. Diabético e hipertenso, Carlos suicidou-se!

Jorge Fiel

Uma das coisas que mais sumamente me aborrece no jornalismo é a sua vertente burocrática de assinalar as efemérides.

Nas agendas das secretarias de Redacção é posto um alarme a tocar um mês antes de um aniversário significativo (dez anos, 25 anos, 50 anos, 200 anos, 300 anos, 500 anos e mil anos parecem-me ser os marcos mais adequados) e, chegada a hora, toca a encher páginas de papel e minutos de emissão com a evocação do efeméride.

A« overdose» de regicídio a que todos fomos submetidos é um exemplo de quão entediante e maçador pode ser o jornalismo de efemérides.

As comemorações do assassinato de Carlos e do seu filho Luís Filipe foram o caldo de cultura em que medrou um breve reacender da causa monárquica que aproveitou a oportunidade para tirar a barriga de misérias e desfrutar do inusitado tempo de antena que lhe foi proporcionado na Comunicação Social.

Coitados dos monárquicos. Não perdem pela demora. Quem semeia ventos colhe tempestades. Os velhos republicanos já estão a afiar já os dentes para a gigantesca romagem aos cemitérios que vai constituir a comemoração da República. Já só faltam dois anos para o 5 de Outubro de 2010.

«Heróis do mar, nobre povo, nação valente e imortal ( …) Contra os Bretões, marchar, marchar!

Para os que não sabem, informo que o Hino Nacional surgiu como um canção de revolta contra a vergonhosa capitulação monárquica face ao Ultimatum inglês e apelava ao povo para marchar contra os bretões – a idiota e suicidária adaptação do verso (cabe na cabeça de alguém marchar contra canhões?)  foi posterior.

Feito este breve parêntesis republicano, devo informar que a única coisa que aprecio e invejo da Monarquia portuguesa é a beleza da sua bandeira e das suas cores, que inspiraram o equipamento do meu clube.

Neste momento, em que se começam a dissipar os vapores do enjoo carlista a que formos submetidos, sinto-me na obrigação de partilhar com os distintos fregueses desta lavandaria a minha opinião sobre o Regicidio.

Para começar, acho um disparate dizer, sem mais, que o rei foi assassinado. Na verdade, basta ler algumas prosas avulsas recentemente publicadas e dar uma vista de olhos à hagiografia que lhe dedicou Rui Ramos (consta da colecção de biografias dos monarcas portugueses editada pelo Circulo dos Leitores) para perceber que Carlos se suicidou.

Não descortino outra explicação para o facto de um rei tão doente  impopular (nos dias seguintes ao seu passamento as ruas de Lisboa e Porto estavam pejadas de gente usando gravatas verde-rubras) ter optado por seguir num landau, uma carruagem aberta, após desembarcar junto ao Terreiro do Paço, regressado de umas ociosas férias em Vila Viçosa.

Poucos dias antes, a polícia do ditador João Franco (cujo único suporte era o rei) tinha estrangulado uma revoltam em que estavam conluiados republicanos e monárquicas dissidentesm e metido na choldra proeminentes figuras da Oposição.

Nesta conjuntura, a decisão de Carlos de atravessar a multidão no Terreiro do Paço a bordo de uma carruagem aberta é um acto tão disparatado e suicidário como Jorge Nuno Pinto da Costa ir pavonear-se sozinho para o terceiro anel da Luz, em noite de Benfica-Porto.

Não é preciso ser um Einstein para perceber o porquê deste acto desesperado. O rei sabia que tinha os dias contados depois de lhe ter sido diagnosticado diabetes, à época uma doença mortal, pois os tratamentos com insulina só surgiriam uns 30 anos depois.

Gordo como um texugo, hipertenso e diabético, Carlos era uma bomba relógio ambulante, que preferiu suicidar-se por pessoas interpostas em vez de morrer na cama em cima de uma aia da mulher Amélia (que tudo leva a crer lhe retribuia as infidelidades encornando-o com o Mouzinho).

Neste sentido, o papel de Manuel Buíça e Alfredo Costa na História deve ser revisto. Eles não foram regicidas, mas sim ajudantes na eutanásia do rei.

Esta ideia de Carlos foi muito boa. Ao morrer baleado, conquistou uma entrada simpática e romântica na História.

Em vez de ser recordado como o Rei que desprezava o país (que caracterizou como uma «piolheira»), que traiu a pátria cedendo ao Ultimatum inglês e que gastava mais do lhe era dado generosamente pelo país (estava sempre a pedir adiantamentos, apesar de por dia receber quatro vezes mais do que um professor primário como Buíça ganhava num ano!), é evocado como um mártir.

Carlos teve muito sorte e conseguiu uma saída da vida muito melhor do que a merecia. Como dizia o outro, há cães com sorte.

 

Sex | 01.02.08

Desvendei o truque manhoso das mulheres a dias

Jorge Fiel

Não. Esta não é a mulher a dias que presta serviço lá em casa

Já lhe aconteceu chegar a casa ao fim do dia, mesmo em cima da hora de começar a exibição do novo episódio do Boston Legal, e desesperar por não encontrar o comando da power box da TV Cabo?

Já lhe aconteceu ter o seu Nokia a miar, queixando-se de que tem a bateria descarregada, e que, por mais voltas que dê à casa, não encontra a porcaria do carregador?

Já lhe aconteceu passar a pente fino o seu armário da roupa e não conseguir encontrar a merda dos jeans Levi’s 501 pretos que pôs para lavar há mais de 15 dias?

Pois este três contratempos flagelaram, em dias diferentes e recentes, a minha felicidade quotidioana, pelo que obrigaram a reflectir profundamente na causa destas coisas.

A primeira conclusão da minha exaustiva e meticulosa investigação foi a de estabelecer um denominador comum a todas estas ocorrências domésticas: a mulher a dias.

Não se precipite nas conclusões. A honestidade da Leonor (a minha mulher a dias) é à prova de bola. O comando da power box, o carregador do Nokia e os 501 pretos não foram roubados. Estavam lá em casa, postos em sossego, mas desaparecidos em parte incerta.

Com telefonemas para a Leonor, no horário pós laboral, os três objectos foram rapidamente localizados.

O comando estava guardado na gaveta da mesa onde guardo garantias e literatura dos electrodomésticos e afins.

O carregador estava na gaveta da cómoda onde arrumo passaportes, binóculos e o meu stock privado de caderninhos de apontamentos Clairefontaine, em papel quadriculado.

As Levi’s 501 estavam na mesma cruzeta do meu fato azul de Verão – muito bem dobradinhas debaixo das calças do fato.

Chegado a este ponto do meu trabalho detectivesco, senti-me capaz de uma segunda conclusão, mais ousada e surpreendente que a primeira.

Os três objectos, que eu tinha deixado fora do seu sítio devido, tinham sido cuidadosamente arrumados pela mulher a dias no estrito e zeloso desempenho das suas funções.

O «quid pro quo»  desta questão é que o comando, o carregador e os jeans foram arrumados em localizações que eu não hesito em qualificar como improváveis. Porquê?

A resposta a este porquê é um valioso segredo que eu revelo aqui, neste «post», a todos os poucos (mas magníficos!) frequentadores desta lavandaria.

Sim, eu, Jorge Fiel, desvendei o truque manhoso das mulheres a dias!

A manha das mulheres a dias, que as leva a guardar em lugares improváveis as coisas que deixamos desarrumadas e espalhadas por todo o lado (o comando no chão ao lado do sofá da sala, o carregador ligado a uma tomada da cozinha e os jeans em cima da cadeira de balouço do quarto) tem o subido e estratégico objectivo de educar o nosso comportamento. Nem mais!

É um método sofisticado, baseada na mais fina psicologia humana. Através da experiência quotidiana, nós aprendemos que se deixarmos alguma coisa fora do sítio iremos pagar a curto prazo essa negligência ao sermos obrigados a fazer uma espécie de busca ao tesouro doméstica  (que se não for coroada de êxito, nos leva a fazer um humilhante telefonema para a mulher a dias confessando-lhe o nosso fracasso) para reaver os objectos que que necessitamos.

Educando-nos a sermos arrumados, as mulheres a dias ganham porque passam a ter menos trabalho. Agora chamem-lhe burras…