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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Dom | 30.12.07

O método infalível de evitar a fila mais demorada

Jorge Fiel

 

 

Fixem bem esta cara. É a minha. Se por acaso me virem numa fila (preferi esta designação à de bicha, no intuito de evitar equívocos e graçolas de gosto duvidoso) não hesitem um segundo antes de procurar uma outra. Aquela em que eu estou será a mais demorada. É infalível!

 

Ao fim da manhã de ontem, levei o meu filho João ao Oceanário de Lisboa. Havia uma fila única de razoáveis proporções que um pouco antes de chegar às caixas se dividia em duas.

 

Eu optei pela fila da esquerda. Demorei mais 25 minutos até conseguir comprar os bilhetes que as três jovens espanholas que estavam atrás de mim e escolheram a fila da direita.

 

Para começar, foi o longo diálogo de uma senhora de idade com óculos de escuros graduados que esteve quase dez minutos na conversa com a menina da caixa. 

 

Fartei-me de espremer as meninges e não consigo descortinar a enorme quantidade de perguntas que alimentaram aquela irritante converseta. Mais de uma vez tive acalmar o impulso de abandonar o meu lugar na bicha (digo, fila) para ir para o pé da senhora de óculos escuros graduados ouvir as perguntas.

 

Depois, a minha fila já de si, sem chatas a empatar a rapariga da caixa, andava muitíssimo mais devagar que a da direita. Percebi o porquê quando chegou a minha vez. Do lado direito havia duas caixas abertas. Do lado esquerdo, só havia uma.

 

Ao fim da tarde, após uma vista de olhos na Byblos (a recém inaugurada maior livraria do paÍs com uma área de vendas de 3.300 metros quadrados), fui ao Pão de Açúcar das Amoreiras comprar pão (prokorn fatiado), limões (para temperar os calamares) e uma garrafa de espumante (Aliança Danúbio Bruto).  

 

Na hora de pagar, elegia a que parecia ser a mais promissora das filas, reservada para compradores de menos de 15 unidades. Tudo correu bem demais até que a senhora que estava antes de mim contestou o facto da caixa ter processado as três embalagens de lombos de pescada congelados, alegando que o produto em causa estava ao abrigo de uma promoção «leve três pague dois».

 

Exasperado com a demora (ninguém atendia o telefonema da menina da caixa que procurava passar para uma superior hierárquica a decisão final do caso dos lombos de pescada congelados), transferi-me para a fila do lado, na ignorância do desfecho desta apaixonante querela.

 

Na fila do lado, o primeiro cliente despachou-se sem peripécias. O problema foi com o casal de idosos que estava a seguir. O pomo da discórdia foi o preço de dois pacotes de Ceralac (é bom para o avô e é bom para o bebé) que apresentavam o atractivo de conterem, gratuitamente, mais 15% de farinha do habitual.

 

Os idosos alegavam que a leitura do código de barras fornecia um preço superior ao que estava marcado na prateleira.

 

Presumo que a mesma superior dos caixas que não atendia o telefonema da caixeira do lado também não atendia o telefonema do caixa da minha segunda fila.

 

Pela segunda vez, mudei de fila, uma decisão que se revelou sábia, porque depois de pagar dei uma olhadela e reparei que os meus dois caixas anteriores continuavam a desesperar ao telefone.

 

Estes dois episódios não são uma excepção á regra. Uma andorinha que não faz a Primavera. Lamentavelmente, são reveladores de uma tendência.

 

No início deste ano, quando desembarquei no aeroporto de Newark em trânsito para Las Vegas, escolhi uma fila surpreendentemente pequena (só tinha cinco pessoas à frente) para a sempre morosa tarefa de atravessar os serviços de emigração norte-americanos.

 

Poupo-vos aos pormenores e salto directamente para o final. Só duas horas depois consegui atravessar a fronteira. È a vida, como diria o Guterres.

 

 

Sab | 29.12.07

O mistério da ausência do barro das Caldas em que um portista sodomiza um benfiquista

Jorge Fiel

A fotografia está propositadamente desfocada para evitar a identificação dos atletas que se entregam a esta prática vergonhosa

 

Quinta feira fui às Caldas da Rainha, onde adquiri por 4,50 euros o barro reproduzido nesta imagem.

 

Desde já peço, de joelhos, ao preclaro Com Tranquilidade e a todos os outros sportinguistas que gastam desta lavandaria, que não interpretem este acto duplo (a compra da peça e a sua divulgação) como um sintoma de furioso ódio anti-leonino.

 

Eu até tenho uma simpatia moderada pelo Sporting. Tenho bons amigos lagartos. Ainda ontem um sportinguista teve a gentileza de me oferecer um belo emprego.

 

Gosto muito do equipamento às riscas do Sporting (com o calção preto, acho que foi uma parolada a fase de copiarem o Celtic e usarem calção branco), que diz muito bem com o.relvado, principalmente nos jogos nocturnos. Também acho bonito o equipamento Stromp.

 

E foi no antigo Estádio de Alvalade, comigo e os meus amigos Manuel Serrão, Juca Magalhães, Costa Lima e Luís Jorge Pinto na bancada, que o FC Porto carimbou o feito único do pentacampeonato.

 

Posto isto, mais esclareço que não estava disponível o barro das Caldas que eu queria mesmo comprar - aquele em que um jogador portista estivesse alegremente a sodomizar um benfiquista.

 

Nas prateleiras da loja da rua de Camões, em frente a uma das entradas principais do Parque D. Carlos, havia bonecos com benfiquistas a sodomizarem portistas e sportinguistas, e bonecos com sportinguistas a sodomizarem portistas e benfiquistas. Mas com um portista no papel activo, só existia o que eu comprei.

 

Mais esclareço que foi a segunda vez no espaço de cinco meses que procurei, debalde, nas Caldas, um barro com um jogador do meu clube a sodomizar alegremente um benfiquista.

 

Só há duas explicações para esta ausência.

 

1. O fabricante é um benfiquista tão furiosamente anti-portista que, em nome do lucro, não se importou de fazer uma peça com um jogador do seu clube a ser sodomizado por num sportinguista, mas cujo sentimento anti-tripeiro é tão arreigado ao ponto de o  impedir de autorizar o fabrico de um barro em que um benfiquista é enrabado por um portista.

 

2. A pressão da procura de barros com um portista a sodomizar um benfiquista é tão grande que origina constantes rupturas de «stock» e o fabricante ainda não foi suficientemente ágil no processo produtivo ao ponto de aumentar a oferta da peça esgotada.

 

Gostava de ter a opinião das preclaras e preclaros sobre este mistério que atormenta.

 

Sex | 28.12.07

Operação à vesícula e uma noite branca no Hospital de Santo António

Jorge Fiel

Ainda bem que não foi esta equipa que tratou da minha vesícula

 

 

A noite seguinte à operação, passada em branco, foi o segundo momento crítico da minha curta hospitalização para extracção da vesícula.

 

Passei a santa tarde a dormir. Eu bem me esforcei por virar páginas do «thriller» Whiteout, de Ken Follet, mas logo começava a cabecear, o livro caía-me no peito e eu adormecia. Uma maçada.

 

Paguei estas sestas inoportunas com uma noite em branco. E uma das piores coisas que pode acontecer a um doente hospitalizado, impossibilitado de se levantar da cama e com a recomendação de se mexer o menos possível, é passar a noite sem dormir.

 

A sensação de impotência é enorme. Não me parecia civilizado abrir a luz para ler. E cedo constatei ser a demonstração prática da expressão «estar sem posição».

 

A cama era curta demais para o meu 1m82. O meu corpo, com o tronco imóvel e dorido, deslizava nos lençóis. Para reagir a um incomodativo calor, pedi para me tirarem o cobertor e punha as pernas fora dos lençóis – e não tardava nada a sentir frio…

 

Nenhuma inclinação da cama me deixava confortável, mas inibi-me de passar a noite agarrado à campainha a pedir à enfermeira para baixar ou elevar a cabeceira da cama. Uma chatice.

 

Prevendo uma noite mal passada, fiz-me acompanhar pelo meu iPod. Mas a minha previdência é limitada. Não me lembrei de carregar a bateria e após uma hora e meia a debitar música variada (a minha versão do contar carneirinhos consistiu em concentrar-me nas letras e traduzi-las enquanto ouvia as músicas, o que no particular das canções da Aimee Mann não contribuía para elevar o moral) o aparelho calou-se. Passavam poucos minutos das quatro da manhã quando o iPod faleceu.

 

A alvorada do hospital foi libertadora, com o seu cortejo de ruídos e animação, abrir as persianas para deixar entrar a luz do dia, medir as tensões, verificar a temperatura, distribuir as pastilhas, mudar os frascos do soro, servir os pequenos almoços e a mudança de turno.

 

Todo este frenesim foi para mim uma enorme alegria e sepultou uma noite em branco apenas suavizada pelo bonito amarelo da bata da enfermeira do turno da noite (foi frequentemente à Enfermaria 3 porque o vizinho da cama ao lado queixava-se repetidamente de dores) e por uma pequena transgressão que passo a justificar.

 

A transgressão aos bons costumes consistiu em, a coberto da noite, ter-me consentido aliviar a acumulação de gases na região abdominal através da emissão (não silenciosa mas inodora) de quatro traques.

 

Em minha defesa, alego que o meteorismo foi uma espécie de remédio preventivo e auto-administrado das dores provocadas por excesso de gases.

 

Não sei se sabem (se não sabem ficam a saber) nas operações feitas com recurso a laparoscopia, é injectado ar para dentro de nós. E o ar que entra tem de sair – por cima (arroto) ou por baixo (traque).

 

Os quatro buracos abertos na minha barriga foram fechados com agrafes – e quando falo em agrafes estou a falar mesmo de agrafes em tudo idênticos aos que usamos no dia a dia para juntar folhas de papel A4 (há quem prefira o clip, que por sinal é uma bela peça de design) como tive oportunidade de verificar com estes olhinhos que a terra hão-de comer quando a enfermeira Maria mos tirou, onze dias depois, no Centro de Saúde de Lordelo.

 

Ter agrafes na barriga permitiu-me viver o drama pós parto das grávidas que quiseram ou tiveram de recorrer a cesariana.

 

Quando se tem a barriga agrafada de fresco, rir é uma experiência que rapidamente evolui para o choro. É de ir às lágrimas, não de contentamento, mas sim de dor.

 

Eu sei do que falo porque no final da tarde o meu vizinho do lado foi visitado por um tipo alto, sinistro, todo vestido de preto, com uns daqueles óculos com hastes larguíssimas e aerodinâmicas que estão na moda mas eu acho de um mau gosto atroz.

 

O sinistro homem de preto apresentou-se ao doente da cama 2 como o médico da dor. O meu colega e vizinho agradeceu a visita e perguntou-lhe o que é que ele lhe tinha para lhe dar.

 

(pelo sim pelo não faço legenda: da dor e dador soam exactamente da mesma maneira. A língua portuguesa é mesmo muito traiçoeira)

 

Foram dolorosas para mim todas as recordações do episódio do sinistro médico da dor, que, no meu caso concreto, falhou, porque provocou dor, em vez de a aliviar.

 

Deram-me ordem de soltura um pouco antes do meio dia, depois de me oferecerem uma chávena de chá quente e de se certificarem que eu me aguentava nas canetas quando fui à casa de banho escovar os dentes.

 

Com excepção dos dois momentos críticos (o xixi para o pistolão e a noite em branco) trata-se de uma história bonita e com um fim feliz.

 

Porém, antes de colocar o ponto final no relato desta minha experiência, permito-me abusar um pouco mais da vossa paciência e fazer um reparo.

 

Sou um fã incorrigível de série televisivas, incluindo as protagonizadas por médicos.

 

Já não me lembro muito bem do Dr. Kildare, mas actualmente sigo o ER, House e Anatomia de Grey (a principio quase me apaixonava pela Meredith mas agora já estou um bocado farto dela, não só da sua cara esquisita mas também da sua irritante personalidade).

 

Estas séries televisivas retratam o dia a dia hospitalar visto a partir dos médicos.

 

Ora a rotina de um hospital vista a partir de uma cama é muito diferente. Logo a começar, porque lidamos muito com auxiliares e enfermeiros – e raramente vemos os médicos.

 

FIM

 

 

PS. Seria muito ingrato da minha parte concluir este relato sem agradecer publicamente a quatro amigos médicos:

O Rui Ponce Leão, que diagnosticou o problema.

O Eurico Castro Alves que generosamente tratou de toda a logística e abriu as portas que havia para abrir

O Zé David que pacientemente extraiu uma vesícula complicada

O Zé Martins que não pode ser o anestesista como queria ser porque, no entretanto, nos deixou (um grande abraço para ti, onde quer que tu estejas, Zé!)

 

 

 

 

Qui | 27.12.07

Pânico na Enfermaria 3 com o pirilau a encher o pistolão de vidro

Jorge Fiel

Teria sido mais libertador e gratificante aliviar-me no famoso urinol de Marcel Duchamp

 

Comemoram-se hoje 17 dias exactos sobre o dia em que a minha vesícula esclerosada foi extraída no Hospital de Santo António.

 

Sei perfeitamente que a data não é muito redonda (comemorar uma semana, um ano, um mês, sei lá, até 15 dias, seria muito mais adequado, sem dúvida), mas achei que tinha chegado a altura de partilhar com as preclaras e os preclaros amigos da lavandaria os momentos mais marcantes desta experiência.

 

Devo começar por dizer que foi uma limpeza. Desde o «check in», às 7h30 de 2ª feira, dia 10, até ao «check out» , por volta das 12 horas do dia seguinte (tal qual como nos hotéis) decorreram menos de 29 horas. Um espectáculo.

 

Logo à chegada, vi-me rodeado de cinco simpáticas enfermeiras que me preparam para ser operado, após me terem fornecido uma espécie de bata azul com abertura pela retaguarda, que me pareceu bastante indecente (adequada mesmo a práticas sexuais bizarras) e umas cuecas de plástico, tipo slip, transparentes de um mau gosto tão atroz que 16 dias volvidos sobre a ocorrência ainda tenho vergonha de confessar que as usei.

 

A bata é toda aberta atrás, podendo ser fechada através de um cordões a que o próprio não tem acesso (a não ser que se tenha sido acrobata num dos circos da família Cardinalli) , o que me colocou na situação embaraçosa de ter de pedir a uma enfermeira para a atar.

 

Uma hora depois de ter chegado ao hospital estava a entrar no bloco operatório, uma eficiência que só posso aplaudir de pé.

 

Acordei algures entre o meio dia e a uma da tarde, eufórico por não ter qualquer espécie de dores – euforia precipitada, pois não tinha dores apenas porque estava sob o efeito de analgésicos e dos restos da anestesia.

 

Às três da tarde fui transferido para a Enfermaria 3 de Cirurgia 3, que tinha três camas – eu fiquei na mais perto da porta (a junto à janela é melhor pois desfruta-se de uma vista deslumbrante da encosta de Miragaia e do rio Douro).

 

Para não ficarem a pensar que tudo decorreu sob o signo do 3 (a conta que Deus fez) devo informar-vos que Cirurgia 3 fica no 5º piso do edifício novo do Stº António, que foi muito justamente baptizado com o nome do meu amigo e vizinho Luís de Carvalho.

 

Há a reportar dois momentos críticos durante a minha estadia de menos de 24 horas na Enfermaria 3.

 

O primeiro teve a ver com o xixi. O paciente fazer xixi após uma intervenção cirúrgica é um dos pontos da «check list» de médicos e enfermeiras.

 

Como sei isso, não rabujei quando me trouxeram uma peça de vidro com um design interessante, que dava um magnífico decanter (é bem mais bonita que a esmagadora maioria das horrendas peças em exposição no Depósito de Vidro da Marinha Grande), e me solicitarem que urinasse lá para dentro.

 

Eu tenho princípios. E um deles é o de considerar que ultrapassa claramente os limites da dignidade humana estar prostrado numa cama de hospital e ser obrigado a satisfazer as necessidades fisiológicas de carácter sólido numa arrastadeira.

 

Para evitar ter de fazer cocó na cama, adoptei a táctica de recusar as refeições sempre que estou hospitalizado. Fechando a boca evito a arrastadeira. No caso da operação à vesícula, não tive de me maçar a recusar comida – pois em nenhuma altura ela me foi disponibilizada.

 

Já fazer xixi deitado na cama, para dentro do pistolão, é tão inevitável como morrer, pagar impostos e fazer escala no aeroporto de Frankfurt.

 

A bexiga é alimentada pelas litradas de soro que nos vão injectando para a veia durante todo o período de hospitalização.

 

Chegados a esta altura, tenho uma confissão a fazer. Tenho a mania de durante o dia estar sempre a beber água ou chá (na minha secretária de trabalho há sempre uma chaleira, um bule e pacotinhos de chá) . Este exagero deve ser bom para a saúde mas teve o efeito secundário de ter dilatado bastante a capacidade de armazenamento da minha bexiga.

 

Não sei como é convosco. Mas comigo o xixi é um momento de descontracção.

 

Abre-se a braguilha, empunha-se o pirilau e há um «je ne sais pás quoi» de prazer libertador em puxar pelo xixi e deixá-lo correr livremente contra a parede do urinol, durante o tempo que seja necessário até ele se esgotar e nós sacudirmos com vigor as pinguinhas resistentes.

 

Ora, na cama do hospital, deitados de lado com o pirilau metido no pistolão, estamos privados desse prazer. Uma pessoa começa a fazer xixi e logo depois entra em alerta vermelho, pois tem de usar o ABS para travar o fluxo e evitar que transborde por fora.

 

Eu morreria de vergonha se tivesse de carregar no botão para chamar a auxiliar de enfermagem e confessar-lhe que tinha mijado a cama toda.

 

Foram por isso momentos de grande «stress», esses em que enchi sucessivamente dois pistolões e meio de xixi, o que dá ao mesmo tempo a medida do pânico que senti e da enorme capacidade instalada da minha bexiga.

 

(CONTINUA)

 

Qua | 26.12.07

O futuro próximo está a parasitar-me o presente

Jorge Fiel

 

Sinto que estou a ficar velho. E o termómetro não é o Bilhete de Identidade. O meu, por sinal, caducou dia 18. Vou ter de ir á Loja do Cidadão para o renovar. Talvez me emitam um vitalício (ou pelo menos quase vitalício) com um formato que caiba nas carteiras normalizadas.

 

É uma porra. Uma grande porra . Está tudo normalizado por Bruxelas menos o formato do BI português, XXL, enorme, que sai fora das carteiras e com o uso fica danificado nas pontas. Até parece que o andamos a roer com os dentes.

 

Mas não é do BI que vos quero falar, mas sim dos alarmantes sinais do meu irremediável envelhecimento.

 

Acho que o momento de viragem foi o dia em que decidi nunca mais estacionar o carro de frente, mas sim em marcha atrás, de modo a ficar prontinho a sair.

 

Este é um sinal inequívoco de que o meu futuro próximo começou a parasitar o meu presente.

 

Estacionar o carro de cu significa sacrificar o presente no altar do futuro próximo

 

Opero agora uma manobra complicada – ir à frente, primeiro, e depois executar a marcha atrás devagar e com especial atenção aos espelhos retrovisores – para desafogar o futuro.

 

Quando voltar é uma limpeza. É só baixar o travão de mão, embraiar, meter a primeira e ala que se faz tarde!

 

A prudência e bom senso da decisão de estacionar de cu tresanda a velhice. Grita que deixamos de viver como se não houvesse amanhã. O passo seguinte na escala da geriatria consiste em fazer um PPR

 

Tenho estado atento a mim próprio e fico alarmado com a quantidade de sinais de envelhecimento que detecto.

 

Quando alguns meus amigos e beneméritos me convidam para os seus camarotes no Dragão, dou por mim a pensar na enorme chatice que é o regresso do futebol, a espera para entrar numa carruagem de metro superlotada ou os engarrafamentos no trânsito se optar por ir de carro.

 

Quando me desafiam para uma jantarada, dou por mim a pensar se não é melhor inventar uma desculpa para não ir, porque se for é certo e sabido que como e bebo demais -  e por isso vou dormir mal e acordar zangado com o Mundo.

 

E quando entro numa livraria e me sinto tentado a comprar um livro, na maioria das vezes resisto à tentação, cedendo ao argumento interior que muito provavelmente já não vou ter tempo para consumir todos os livros interessantes que me enchem as estantes de casa e que ainda não conseguir ler.

 

É uma grande chatice sentir que o futuro próximo está a parasitar-nos o presente - e vivermos obcecados pelo amanhã.

 

Estou completamente horrorizado com a ditadura do amanhã que passou a governar-me com uma mão de ferro!

 

Ter | 25.12.07

Relatório mais ou menos circunstanciado de uma consoada recatada

Jorge Fiel

Fomos três e meio à mesa. A Mariana ficou em Los Angeles. Como sempre, o Pedro passou a véspera de Natal em casa da mãe. A Camila foi para casa dos avós. Os meus tios consoaram com uns amigos ao Alentejo.

 

Sobramos quatro. A minha mãe, a Isabel, o João e eu.

 

A minha mãe passou a noite a queixar-se do frio, apesar da lareira estar em plena actividade. Abasteci-me para o Natal, numa garagem junto do cemitério da Foz. 20 euros por 80 quilos. O preço da lenha está pela hora da morte. E mais cinco euros por um saco de pinhas. Valha-nos Deus! Vá lá que não esteve vento, a tiragem estava boa e a casa não ficou tipo fumeiro.

 

O João, sete anos (foi encomendado para celebrar a passagem do milénio pelo que nunca será difícil saber a idade dele – em 2018 completará 18 anos), só apareceu à mesa para engolir meia rabanada, sem molho, e perguntar pela octagésima nona vez quando é que se abriam os presentes. Comeu esparguete no escritório a ver o Nickelodeon.

 

Sentamo-nos à mesa às 20h30. A Isabel diz que nunca começou a jantar tão cedo na noite de Natal. A ementa foi a clássica. Sem grandes adornos mas estava tudo entre o Bom e o Muito Bom, com excepção do Serra, de marca Serrão, a que, imbuído da generosidade natalícia, atribuo um Bom Menos. Provavelmente nunca evoluirá para a formidável fase do amanteigado que escorre pelo prato fora.

 

As couves mereceram, sem favor, um Muito Bom. As postas de bacalhau cozido (Bom Mais) foram regadas por um Dão 2004 Vinha do Contador, do Paço dos Cunhas do Contador, fornecido por um benemérito anónimo (recebi uma caixa no escritório do Expresso do Porto, acompanhada de um cartão de Boas Festas manuscrito e assinado com uma garatuja ilegível). Desconhecia este vinho que se revelou claramente à altura dos acontecimentos. Muito obrigado ao dador!

 

A escolha de sobremesas compreendia o essencial: rabanadas irrepreensíveis (confeccionadas pela Isabel, segundo receita própria), bolo rei da Petúlia (obrigado Jorge pela tua gentileza que dura há uns bons 20 Natais) e o já referido Serra Serrão (nada a ver com o meu amigo Manuel de apelido homónimo ao do queijo).

 

A garrafa de Vértice (adquirida no quiosque do ArrábidaShopping por 5.95 euros ao abrigo da promoção Lux, uma pechincha) não chegou a sair do frigorífico. Acompanhamos a sobremesa com um Vintage Port Quinta do Roriz 2005. Obrigado João Van Zeller. Peço desculpa de ter sido pedófilo ao consumir um Vintage com apenas dois anos, mas devo confessar-lhe que o acho demolidor assim jovem e pujante.

 

Levantada a mesa e arrumada a cozinha (tarefa complicada atendendo ao adiantado e lamentável estado de decomposição da canalização que deixou as duas bancas entupidas), passamos ao momento alto da noite – a distribuição e abertura de presentes.

 

Eu fui contemplado com o seguinte lote de sete magníficos presentes:

 

Dois belíssimos quadros da pintora polaca  Iwona Swick Front (ambos da família da obra que reproduzo a encimar este «post»), oferecidos pelo meu primo Fernando e pela Luísa, que estão emigrados em Cracóvia.

 

Uma pele de rena, oferecida pelo Fernando e a Luísa, que já foi colocada no valioso espaço da sala que separa o sofá preto do ecrã de televisão.

 

Um GPS Mio C220 com mapas da Península Ibérica, oferecido pela Isabel. Nunca mais me vou perder nas estradas de Portugal e Espanha. Pelo menos assim espero. Estou mortinho pro começar a dar-lhe uso. E sinto-me tecnologicamente actualizado. No Natal passado recebi um iPod (mais uma vez obrigado aos dois Paulos, Ramalheira e Nordeste, da PT Inovação). Neste ganhei um GPS. Quem sabe se em 2008 não haverá um LCD no sapatinho J

 

Umas luvas castanhas de pele oferecidas pelo João (ou seja pela Isabel), que não achou bem que eu tivesse de pedir umas luvas emprestadas para suportar o frio de Dezembro em Budapeste.

 

Meia dúzia de peúgas pretas de algodão, da Burlington, que dão muito jeito (juro-vos que não estou a brincar) porque a Isabel anda implacável e atira para o lixo as minhas peúgas logo que lhes descobre um pequeno buraco.

 

O livro-álbum The Beatles, a private view, de Robert Freeman, oferecido pela Mariana e pelo Tom, recheado de histórias curiosas e fotografias pouco conhecidas dos primeiros tempos dos Fab Four.

 

Uma camisola cinza antracite de lã (100% Geelong Lambswool), de gola alta e fecho eclair, Pedro del Hierro (Cortefiel), oferecida pelos meus tios Maria Luísa e Abílio. Penso que irá muito bem com o meu fato preto, com leve e fina risca, em situações «casual» composto, como concertos na Casa da Música, por exemplo.

 

Rica safra, não acham?

 

 

Seg | 24.12.07

Ide todos para a grande meretriz que vos deu à luz!

Jorge Fiel

 

  

Por amor de Deus!, não levem a mal o título. A última coisa do Mundo que eu queria neste momento era ofender as preclaras e preclaros que paciente e estoicamente aguentaram os meus desvarios ao longo deste  meu último ano no Expresso.

 

Mais! Não só não só devem sentir ofendidos, como, e ainda por cima, devem se sentir pessoalmente abraçados, cada um de vós, por mim - o genial inventor da Roupa para Lavar.

 

O carinhoso insulto foi traduzido no título para português «soft» para não inviabilizar definitivamente a hipótese de uma chamada de atenção para este «post» merecer uma estadia, ainda que curta, na página inicial do «site» do Expresso, o que por si só amplifica a sua visibilidade e multiplica o número de visitantes.

 

E eu não posso esconder o orgulho que tenho (e partilho com todos os passageiros frequentes da lavandaria, a quem se deve a pequena proeza que vos relato a seguir) no facto deste blogue ter sido o mais visitado e comentado, de todos alojados no «site» do Expresso, ao longo deste ano que se cumpre exactamente a 24, na véspera do 25 de Novembro.

 

Uma pessoa está sempre a aprender. E às vezes aprendemos onde menos se espera. Eu aprendi no Correio da Manhã o truque que me levou a traduzir o título para português «soft».

 

Num artigo em que se queixava de ter sido enganada (presumo que por um empresas de telemóveis) uma jornalista usava profusamente e com grande à vontade o verbo «enrabar».

 

Mais nos informava a minha colega que para não arranjar problemas tinha solicitado previamente um parecer à direcção do jornal, que não viu problema no uso do verbo enrabar, no sentido em que ele é usado no Brasil (consultar pf, pequeno léxico em anexo), ao longo do texto, contanto que ele não constasse do título.

 

É por isto mesmo que o título deste «post»  não é um carinhoso «ide todo para a grande p*** que vos pariu», mas antes a sua versão com as unhas aparadas rentes.

 

Vem tudo isto a propósito do estado de absoluto entusiasmo em que fiquei, quando li no Financial Times a minha colunista preferida (a Lucy Kellaway é o meu ídolo número um internacional, sendo que o nacional é o Ferreira Fernandes) defender o hábito de praguejar no trabalho, dando-se inclusive ao luxo de inventariar as vantagens do uso e abuso do vernáculo.

 

«Praguejar faz mais do que aliviar o stress. Faz bem à mente e ao espírito. Além disso é gratuito, fácil de usar e não provoca esclerose nem suores frios», escreve a Lucy.

 

Estas palavras são um bálsamo para os ouvidos de uma pessoa como eu que está habituada a praguejar e que, no entender de lisboetas mais sensíveis, abusa de uma linguagem que qualificam como sendo própria de um carroceiro (profissão que em parece estar em vias de extinção).

 

Não faço a mínima ideia se o corrector moralizador em que são passados os «posts» aceita o uso por extenso de alguns palavrões. Acho muito provável que aquilo que eu estou a escrever com todas as letras chegue aos vossos olhos com algumas das letras substituídas por asteriscos.

 

Pois a Lucy Kellaway tem uma opinião sobre este procedimento, que considera hipócrita: «Escrever f*** ou m*** dá-me a sensação de estar a embrulhar uma poia de cão num toalhete perfumado. A poia está lá: sinto-lhe a massa e a textura. Mas o pior não é o seu carácter ofensivo – é o gesto fútil de tentar ocultá-la».

 

Se, neste momento, o meu portátil HP fosse abaixo (o que começa a alarmantemente a ser frequente…) e desaparecesse este texto, a minha reacão seria um sintético «Fodasssssse!!!» e não um elaborado «Que grande contratempo. Vou ter de começar tudo de novo e com isso ainda vou chegar atrasado ao almoço da Churchil’s na Feitoria Inglesa».

 

Em apoio da tese que sintetiza no título da sua crónica («É saudável praguejar no trabalho»), a Lucy cita um trabalho de Yehuda Baruch, em que este reputado professor da Universidade de East Anglia defende que praguejar no trabalho pode reforçar as relações no trabalho, ao desanuviar a tensão e tornar mais informal o ambiente de trabalho.

 

Agora, quando praguejar vou sentir-me com as costas quentes pelas doutas opiniões de Lucy e do professor Baruch, e não terei de me explicar aos pedantes que se mostrarem ofendidos que eu apenas estou a usar palavras constantes do dicionário.

 

A propósito de dicionário, resolvi enriquecer este «post» incluindo em anexo um pequeno léxico, que espero nos seja útil no dia a dia.

 

O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia de Ciências de Lisboa, é a base deste léxico.

 

Surpreendido pela ausência no Dicionário da Academia dos substantivos masculino «minete» (apesar de constar o substantivo masculino «broche») e feminino «punheta» (apesar de constar a masturbação) recorri ao Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora, onde encontrei as mesmas lacunas.

 

Já estava a ficar alarmado, quando encontrei o sossego nas páginas do Dicionário Houaiss, que reconhece a existência da «punheta» (substantivo feminino definido como masturbação masculina e admitindo o uso dos verbos bater ou tocar)  e do «minete» (substantivo masculino derivado do vocábulo francês do século XVI «minet» que é dado como sinónimo de cunilíngus; o grande Houiass também define mineteiro como aquele que pratica o minete).

 

 

PEQUENO LÉXICO DE VERNÁCULO

 

 

Broche

 

Substantivo masculino (do francês broche)

 

1.     Peça de adorno pessoal, provido de um alfinete e um fecho que se usa pregado em peças de vestuário para prendê-las ou apenas como ornamento. = Alfinete, Pregadeira. A capa estava presa por um broche de diamantes

 

2.     Mola ou colchete que serve para apertar peças do vestuário feminino.

 

3.     Colchete que se prega nos livros ou pastas para os fechar = Brocha. «Havia oferecido ao convento um missal novo, obra ultimamente impressa, encadernado a couro, pregueado com broches de prata, assim como de prata eram suas cantoneiras (F.Campos, Casa do Pó, p. 22)

 

4.     Gross. Prática sexual que consiste na sucção do pénis.

 

 

 

Cabrão, ona

 

Substantivo (De cabro, de cabra+ suf. ão)

 

1.     Calão popular. Pessoa de má índole, mal formada, que age de forma reprovável ou considerada como tal. «Sabes como é, ninguém em tira da cabeça que estes cabrões da tropa se fizeram todos com os russos» (A Lobo Antunes, Fado Alexandrino, p.312).

 

2.     Interjeição Calão. Exclamação que exprime um insulto, uma ofensa. «Escarro tem ainda o vergalho na mão, passado ao pulso pelo fiador, já lhe passou a fúria de bater assim, mas dá um berro, Cabrão, e cospe na cara do homem derrubado na cadeira como um casaco que foi despido e está vazio» (Saramago, Levantado do Chão, p. 174).

 

 

 

Carago

 

Interjeição (do castelhano Carajo) popular. Exclamação que exprime impaciência, indignação, espanto ou é usada como forma de incitamento. Aquele indivíduo faz mesmo perder a paciência, carago!

 

 

Carago

 

Substantivo masculino (do latim caraculum, pequeno pau). Zoológico. Nome vulgar de um peixe seláquio da família dos lamnídeos, de grandes proporções, que aparece nas costas marítimas portuguesas e é també conhecido por peixe frade.

 

 

Caralho

 

Substantivo masculino (do latim caraculum, pequeno pau)

 

1.     Grosseiro. Órgão genital masculino = pénis.

 

2.     Gros. Homem malandro, patife

 

3.     Gros. O que traz ou provoca aborrecimento, transtorno..

 

4.     Interjeição grosseira. Exclamação que exprime irritação, impaciência, indignação, espanto…

 

Pra caralho  locução adversativa brasileira grosseira 

 

1.     Muito; muito intensamente.

 

2.     Em grande quantidade.

 

Vai (vá, vão) pró caralho! Grosseiro, frase exclamativa que exprime forte irritação, desprezo

 

 

Cona

 

Substantivo feminino (do latim cunnus). Grosseiro. Órgão genital feminino; vagina.

 

 

Cornudo, a

 

Adjectivo (do latim cornutus)

 

1.     Que tem chifres ou cornos; que tem cornos grandes, imponentes. «Por aqueles sítios, além das lendas sobre a existência dos embuçados, das feiticeiras e do homenzinho cornudo a que se dera o nome de Diabo, José-Maria conquistara o corpo e a natureza de Maria –Água» (J. de Melo, Gente Feliz, p. 449)

 

2.     Popular. Que foi enganado, traído pelo cônjuge ou pela pessoa com quem mantém uma relação íntima, a qual se envolveu amorosamente  com outra pessoa ou cometeu adultério = Corno.

 

3.     Que é difícil de resolver; que tem duas pontas, dois bicos = bicudo.

 

 

Enrabar

 

Verbo ( e en+rabo+suf. ar)

 

1.     Perseguir de perto um animal.

 

2.     Seguir de perto e com demasiada insistência = Perseguir.

 

3.     Tauromáquico.  Segurar uma animal, pelo rabo.

 

4.     Prender o animal pelo cabresto, à cauda de outro, para seguirem na mesma direcção.

 

5.     Prender um veículo à parte traseira de outro.

 

6.     Amarrar com atilho especial à parte mais grossa da cauda do boi para ser arrastado.

 

7.     Pôr o rabo de cana a um foguete.

 

8.     Gros. Praticar sexo anal.

 

9.     Bras. Enganar, ludibriar.

 

 

 

Filho da puta

 

substantivo (do latim filius)

 

1.     Gros. Pessoa desprezível, ordinária.

 

2.     Gros. Insulto utilizado para maldizer alguma coisa ou alguém.

 

 

 

Foder

 

Verbo (do latim futuere)

 

1.     Gros. Ter relações sexuais = copular, fornicar (popular)

 

2.     Deixar ou ficar muito prejudicado, destruído, em mau estado ou em condições desfavoráveis,

 

Foda-se! Gros. Expressão que indica espanto ou desagrado.

 

Que se foda! Gros. Expressão que indica desinteresse, desprezo.

 

 

 

Paneleiro

 

Substantivo (de panela + suf. eiro)

 

1.     Region. (Beiras) Pessoa que fabrica panelas de barro.

 

2.      Gross. Homossexual masculino; homem efiminado.

 

3.      Gross. Expressão insultuosa.

 

 

 

Picha

 

Substantivo feminino (de pica)

 

1.     Zool. Designação vulgar atribuída a um camarão pequeno

 

2.     Cal. Pénis.

 

3.     Region. Galheta

 

 

 

Puta

 

Substantivo feminino (de puto)

 

1.     Gross. Mulher que se dedica à prostituição, a ter relações sexuais mediante remuneração = Meretriz, Prostituta.

 

2.     Mulher sem moralidade, mulher devassa ou com comportamento reprovável.

 

3.     Mulher que se detesta ou se maldiz pelo seu carácter, pelas suas atitudes, pelas suas maneira…

 

4.      Expressão insultuosa. Filho da puta, Ir para a puta que o/a/te…pariu. Gross. Expressão utilizada quando sequer mandar embora alguém em termos insultuosos. Mandar alguém para a puta que o/a/te …pariu, Gross. Afastar alguém que se detesta ou com quem se está extremamente aborrecido.

 

 

 

Rabeta

 

Adjectivo feminino  (De rabo + suf. eta)

 

1.     Zool.  Ave passeriforme da família dos turdideos, também conhecida por rabirruiva e rabo-queimado.

 

2.     Zool.  Ave passeriforme da família dos motacilídeos, de cauda comprida, também conhecida por alvéola e rabodarvela.

 

3.     Gir. Charuto de má qualidade

 

4.     Region. Rapariga astuta, espevitada, perspicaz.

 

 

 

Dom | 23.12.07

Uma escuta telefónica que pode ser imaginária desvenda «making of» do «post» mártir da meretriz!

Jorge Fiel

 

O «post» da meretriz  (vamos chamá-lo assim por comodidade) que inaugura o segundo fôlego desta lavandaria foi inicialmente escrito para ser publicado na Roupa para Lavar, na página de blogues do Expresso.

 

No entanto, só agora na véspera de Natal, quando nos preparamos para celebrar o parto do Menino Jesus na manjedoura, é que este «post» é dado à luz do dia.

 

Como tudo na vida, este adiamento tem uma explicação. Decorriam as negociações para o meu divórcio do Expresso quando recebi uma chamada do meu preclaro amigo e comendador Marques de Correia, informando-me que tinha lido o «post» da meretriz e tinha uma proposta indecente para me apresentar.

 

Passo a reproduzir, em termos aproximados, o teor dessa conversa telefónica:

 

MdC -. Ouve lá tu planeias manter o blogue depois de saíres do Expresso?

 

JF - Sim. Estava a pensar transferi-lo para o Sapo. Porquê? Tens alguma objecção?

 

MdC - Não. Não tenho. Só me parece que não devias manter o nome Roupa para Lavar. Nem o Sataiva quando saiu levou com ele A Política à Portuguesa.

 

JF - Ok. Não há problema. Eu mudo o nome do blogue para Lavandaria. Está bem assim? Era isso que me querias dizer?

 

MdC - Não. Na verdade eu queria fazer-te uma sugestão. Para lançares a Lavandaria no Sapo não te dava jeito um «post» mártir?

 

JF – O que é que queres dizer com isso de um «posrt» mártir?

 

MdC- Não era bom para ti reabrires o teu blogue com um texto que pudesses anunciar como tendo censurado pelo Expresso?

 

JF - Ó comendador, isso dava cá um jeitaço. Espectacular. É mais uma daquelas ideias geniais! Obrigado.

 

MdC-_ Então está combinado. Não vou autorizar a publicação deste «post». Os amigos são para as ocasiões.

 

JF – Obrigado comendador! Mais uma vez obrigado!

 

Depois de lida a transcrição desta conversa telefónica (que não vejo motivo conste de qualquer processo judicial aparentado ou não com o Apito Dourado)  creio que todas as preclaras e preclaros ficam a par do «making of» do  «post» mártir intitulado «Ide todos para a grande meretriz que vos deu à luz».

 

Mais acrescento que no pretérito dia 10,  por volta das dez da matina, no Bloco Operatório do Hospital de Santo António a minha vesícula esclerosada deixou-me por intervenção de uma equipa liderada pelo dr Zé David.

 

Creio que haverá oportunidade para partilhar com todo o bom povo da lavandaria, as facécias que rodearam este episódio. Para já, quero apenas chamar a atenção que fui submetido a uma anestesia geral.

 

Como a conversa telefónica que reproduzi terá acontecido antes da anestesia geral, eu não se sinto capaz de jurar -  com a mão direita pousada em cima da edição encadernada a couro preto do Novo Testamento que adquiri na última Feira do Livro – que ela aconteceu mesmo. Pode ter saído apenas da minha fértil imaginação. Eu sei lá… (com a devida vénia à colega Margarida Rebelo Pinto).

 

Que o Pai Natal seja generoso com todas as preclaras e preclaros é o mais sincero desejo deste que se assina

 

Jorge Fiel

 

 

PS. O meu portátil HP, que acaba de completar dois anos de vida, está a dar as últimas. Raramente aguenta sem ir abaixo sessões de trabalho superiores a duas horas. Anda mais cansado do que eu. Prometo no início do ano comprar um novo.

 

Uma das mais perniciosas consequências do cansaço do meu HP reside no facto de eu ainda não ter conseguido carregar todos os arquivos da Roupa para Lavar. Mas prometo que, mais dia menos dia,  todos os «posts» do glorioso passado da lavandaria passarão a estar aqui disponíveis.

 

Lamentavelmente, o melhor (os comentários das preclaras e preclaros) perdeu-se. Com grande pena minha não os consigo recuperar.

 

 

 

Qui | 20.12.07

Notícia de um divórcio

Jorge Fiel

 

Chegou ao fim o meu casamento de 17 anos com o Expresso.

 

Teve, como todos os casamentos, os seus momentos de glória e as suas fases mais rotineiras, aqui e ali interrompidas por pequenos conflitos domésticos, rapidamente sarados. No geral, foi bom enquanto durou.

 

Em 1990, quando nos casámos, eu tinha 34 anos, dois filhos, bigode, 80 quilos e onze anos de jornalismo, durante os quais vivera três relações mais ou menos estáveis (Norte Desportivo, Comércio do Porto e Semanário) e um número bastante razoável de escapadelas (Jornal do Comércio, Gazeta dos Desportos, Tripeiro, Diabo, Crime, entre outras).

 

Em 1990, quando nos casámos, o Expresso estava lamber as feridas da dolorosa e traumatizante separação do grupo de jornalistas liderado por Vicente Jorge Silva, que o tinha traído, primeiro às escondidas, depois à luz do dia, indo para a cama com Belmiro de Azevedo, relação de que resultaria um filho: o Público.

 

Tenho muito orgulho de ter integrado a legião de jornalistas (na sua maioria oriundos do Jornal e do Diário de Notícias) contratados pela dupla José António Saraiva/Joaquim Vieira para ajudar a cicatrizar as feridas abertas pela partida do grupo de Vicente.

 

Durante os 17 anos que durou o nosso casamento, tive o prazer, a liberdade e a oportunidade de fazer um pouco de tudo. Redigi notícias e escrevi reportagens sobre quase todas as faces da vida – economia, sociedade, desporto e política. Por três vezes fui editor – do Porto (cinco anos), da saudosa Revista (dois anos) e, finalmente, da Economia (três anos).

 

Tenho muito orgulho de ter dito que sim sempre que a direcção precisou de mim em Lisboa e me seduziu com desafios novos, apesar de isso me obrigar a viver emigrado.

 

Como me gabo de me conhecer razoavelmente bem e me esforço por compreender e antecipar o futuro, fiz sempre questão de sair pelo meu próprio pé das funções que fui chamado a desempenhar.

 

Sempre preferi agir a reagir, Sei que sou viciado em adrenalina, arrebatamentos e entusiasmos. Gosto de agarrar grandes empreitadas e de não descansar enquanto não atinjo os meus objectivos.

 

Mas também sei que deixo de ser a melhor opção para capitanear um navio assim que a rotina se apodera do meu dia-a-dia e que o projecto que comando entrou em velocidade cruzeiro.

 

Não sou daquelas marinheiros que aprecia navegar em mar chão. Prefiro as águas revoltas. Nunca enjoei com a turbulência.

 

Tenho muito orgulho nos quatro pontos cardeais que foram a marca de água da minha atitude durante os 17 anos que durou o casamento com o Expresso:

 

 

1.     Sempre soube o que estava a fazer

 

Admito (um pouco de modéstia fica sempre bem…) que por vezes a minha estratégia até podia não ser a mais acertada. Mas tive sempre uma estratégia. Antes de começar a navegar tirei sempre um azimute, tracei com cuidado a rota a seguir e apetrechei-me com rotas alternativas;

 

2.     Nunca tive medo de decidir

 

Ser director, editor ou jornalista significa estar permanentemente a escolher, a avaliar, a decidir. Escolher os temas que tratamos e os que deixamos cair. Avaliar as matérias que merecem destaque. Decidir os assuntos em que empenhamos as nossas forças. Nunca fui contaminado pelo vírus da indecisão. Nunca tive medo de falhar.

 

3.     Sempre gostei de arriscar

 

Após um Porto-Sporting comparei as estatísticas de Raul Meireles e João Moutinho. O médio portista tinha falhado quase metade dos passes. O sportinguista praticamente não tinha falhado nenhum. À vista desarmada, Moutinho tinha jogado muito melhor do que Meireles. Não foi verdade. Moutinho não falhou passes porque sempre que tinha a bola repassava-a, para trás ou para o lado, para o colega que estava mais perto. Meireles falhou mais porque fez muitos passes a 30 metros de distância, de ruptura, procurando entregar a bola a um colega  desmarcado e assim criar uma situação de golo.

Num momento em que o factor escasso é a défice de atenção humana, o empate não chega. Acho criminoso passar para o lado, com medo de arriscar e de ser assobiado pelos adeptos. Para ganhar é preciso não ter medo de fazer passes de 30 metros. E não marcamos golos se não arriscarmos atirar à baliza.

 

4.     Nunca perdi o leitor de vista

 

Nunca na minha vida perdi de vista que neste negócio vivemos em função do nosso cliente: o leitor. E tenho muita pena alguns colegas com menos memória esqueçam por vezes esta verdade de sangue.

Sempre que escolho um tema, penso no título, selecciono o ângulo de ataque, preparo a maneira como matéria vai ser apresentada em página, e, finalmente, me sento a escrever, tenho sempre presente que não estou a trabalhar para brilhar juntos dos meus colegas jornalistas ou das minhas fontes. Estou a dar o meu melhor para seduzir e satisfazer o meu cliente leitor.

 

Não acho que haja motivo de espanto por o nosso casamento de 17 anos ter chegado ao fim. A relação estava emocionalmente desidratada. Eu e o Expresso já estávamos um bocadinho fartos um do outro. E o Tom Jobim estava carregadinho de razão quando disse que «a única coisa que importa é ser feliz».

 

Neste mundo efervescente, abundante em novas novidades de vidas e de costumes, manter um casamento profissional de 17 anos é pouco comum.

 

Uma das grandes lições de vida, que o Expresso me proporcionou, aprendi-a com Guterres. Numa campanha para as legislativas que acompanhei como jornalista, o antigo primeiro ministro analisou com esta simplicidade a evolução das relações laborais.

 

No tempo dos nossos pais, era normal uma pessoa ter um único emprego durante toda a sua vida. 

 

(O meu pai conheceu apenas um patrão: o STCP. Entrou para a empresa de transportes colectivos do Porto no final da sua adolescência, como escriturário, e por lá se demorou até ser atirado para a reforma antecipada pela revolução tecnológica da máquina de escrever que tornou dispensável e obsoleta a sua bonita caligrafia)

 

Na nossa geração, é normal uma pessoa trabalhar em diferentes empresas mas manter a sua profissão.

 

No tempo dos nossos filhos já não será possível atravessar a vida usando como ferramenta uma única profissão.

 

Nesta hora em que estou a concluir o divórcio, ainda não sei como vou continuar a minha carreira profissional. Para já, vou agravar a estatística dos desempregados qualificados, que é uma das maiores dores de cabeça para Sócrates.

 

Não sei se vou continuar a tentar manter-me no paradigma da minha geração, seguindo como jornalista. Ou se, em alternativa. vou dar o salto para o da geração dos meus filhos e mudo de profissão.

 

No ocaso de 2007, nesta hora em que me estou a divorciar do Expresso, tenho 51 anos, três filhos, 94 quilos e 28 anos de jornalismo – e já não uso bigode.

 

Estou com um bocadinho de medo do vazio. Às vezes sinto-me como quando na recruta na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, fazia o salto para o escuro – em que saltamos sem ver se o chão está a 20 centímetros ou a dois metros de distância.

 

Mas a outra face deste salto do escuro é a injecção de adrenalina que ele desperta. Sinto-me excitado por estar de novo livre. Sinto-me orgulhoso por não ter deixado o meu casamento com o Expresso arrastar-se para o pântano (achei que uma imagem guterrista ficava bem, qual é a vossa opinião?).

 

Não sei ainda bem como vou continuar a ganhar a vida. Mas estou certo que no final deste sobressalto serei melhor jornalista e ainda melhor pessoa. 

 

No trabalho, como na vida, prefiro viver apaixonado – e exijo que a paixão seja correspondida.

 

FIM

 

 

PS. A interrupção deste blogue é um dos efeitos secundários deste divórcio.

Agradeço, curvado e emocionado, a todas as preclaras e preclaros que através da sua presença activa fizeram do Roupa para Lavar o blogue mais visitado e comentado do Expresso durante o seu curto mas trepidante ano de vida. Sinto muito, mas mesmo muito, orgulho em ter sido o vector deste espaço de contracultura, de ter sido capaz de não estar na linha e de ter tido a coragem para escrever coisas que destoam do cânone e do «mainstream».

Este filme acaba aqui, mas garanto-vos uma sequela. Como ainda anda por aí muita roupa suja a precisar de ser lavada, vou continuar a centrifugar e inauguro na véspera de Natal uma nova lavandaria, num novo endereço:  lavandaria.blogs.sapo.pt.