Uma excitante viagem no tempo tripulada pelo genial criador da Roupa para lavar
Não me seduz nem um bocadinho a hipótese de viajar para o espaço, que começou a ser comercializada pelo Richard Branson, da Virgin, à razão de 200 mil dólares por cabeça. Mas já seria capaz de pagar para viajar até ao passado.
A hipótese de viajar no tempo voltou a ser colocada em cima da mesa por Deja Vu, de Tony Scott, numa produção do incontornável Jerry Bruckheimer.
A máquina, cujos princípios científicos são rudimentarmente explicados pelo argumentista (a base é que, devido à velocidade da luz, estamos sempre a ver o passado - se olharmos para o espelho a imagem que está lá reflectido não é a daquele preciso momento mas sim de uma fracção de tempo antes), não é muito perfeita.
Permite ver o que se passou há quatro dias e meio, exactos, e apenas numa zona limitada. E a capacidade de enviar uma mensagem ou até uma pessoa para o passado só é experimentada devido à ousadia de Doug, E porquê? «Cherchez la femme». Doug apaixonou-se por uma vitima colateral do atentado terrorista, a bela Claire Kuchever (a actriz Paula Patton que lamentavelmente ainda não me tinha sido apresentada), e arrisca viajar até ao passado para a tentar salvar - o que é perfeitamente compreensível e justificado atendendo ao aspecto gráfico da rapariga.
O tema da viagem no tempo é ciclicamente abordado na literatura e no cinema. Lembro-me, por exemplo, da Armadilha Diabólica, uma das aventuras da dupla Blake & Mortimore desenhadas e escritas por Edgar P. Jacobs, que li pela primeira vez no final dos anos 60, quando foi pré-publicado em Portugal pela revista Tintin.
Não tenho 200 mil dólares. Mas se fosse esse o preço para viajar durante um mês no tempo trataria de liquidificar alguns dos meus parcos activos e de convencer o gerente do meu banco a emprestar-me o dinheiro que faltasse para comprar o bilhete de acesso à máquina do tempo.
Teria de pensar muito bem o tempo que dispensaria a cada uma das escalas, mas não tenho grandes dúvidas sobre o trajecto.
Só iria uma única vez ao futuro. Talvez 2050, o meio do século, para ver como os meus filhos se tinham desembrulhado na vida e se vai ou não acontecer uma «next big thing».
O resto do tempo seria integralmente aplicado no passado e quase todo no século XX.
Vivi no Porto, numa alegria transbordante, o 25 de Abril e os extraordinários dias que se lhe seguiram. Agora gostaria de os reviver no centro dos acontecimentos, em Lisboa, começando pelo quartel do Carmo.
Tenho uma imensa curiosidade sobre como seria a vida dos colonos relativamente endinheirados em Luanda e Lourenço Marques no início dos anos 70. Era boa de certeza. E eu adoraria vive-la por uns dias.
Woodstock, 1969, Estado de Nova Iorque seria a próxima escala. Acho que me divertiria imenso a cantar o Volunteers com a Grace Slick e os Jefferson Airplane. E não sei se resistiria a tentar chegar à fala com a Joan Baez - e em pegar-lhe na mão...
Depois iria até ao Maio de 68, arrancar paralelos na Guy Lessac, para fazer barricadas (e marginalmente por a descoberto as praias que se escondiam por baixo das pedras..), reivindicar o impossível, sonhar com o Mundo Novo e apaixonar-me por uma liceal parisiense (calro que isto depende da idade da minha idade na altura em que desembarquasse no Quartier Latin...).
Pararia no Porto dos anos 50, para espiar o namoro dos meus pais tendo como cenário a cidade que eu mais amo, antes de presenciar a festa da libertação de Paris, durante a II Guerra Mundial.
Depois viajava até Madrid, 1936, onde alistado nas Brigadas Internacionais, ajudaria de espingarda na mão a defender o Governo legítimo da República contra a insurreição nacionalista.
«Si mi quieres escribir, ya sabes mi paradero, Tercera Brigada Mista, primera linea de fuego». Gostaria de me cruzar e trocar algumas impressões com Orwell, Heminghay e Andres Nin, o histórico lider do POUM que morreu esmagado entre fascistas e estalinistas.
Muito provavelmente assistiria ao célebre discurso de La Passionaria: «Los fascistas quieren tomar Madrid. Madrid sera la tumba de los fascistas. No passaran!». Acho que ela estava coberta de razão quando disse que mais vale morrer de pé do que viver de joelhos (A foto que encima este post é um enquadramento possível no meu scanner de uma das mais famosas imagens tiradas por Robert Capa, chamada Miliciano Ferido de Morte e tirada a 5 de Setembro de 1936,
Da guerra civil espanhola saltava para a portuguesa, passando do Cerco de Madrid para o Cerco do Porto onde obviamente combateria no exército liberal e libertador de D. Pedro, o mais romântico dos nossos reis, o anti-colonialista que soutou o Grito do Ipiranga, o homem desapegado ao poder que abdicou da coroa de Imperador do Brasil para retornar à pátria, nem nome da Constituição que o seu irmão Miguel jurara defender e acabou por repudiar.
Seria um imenso prazer lutar com um homem que soube retribuir o amor e a vitória que a cidade lhe deu, oferecendo-lhe em troca o seu coração (que está guardado na igreja da Lapa) e o título de Mui Nobre, Invicta e Sempre Leal.
Por fim e se houvesse tempo, apreciaria uma estadia na corte de D. João II, o Príncipe Perfeito, o artifice do periodo mais venturoso da nossa história e a pessoa em que votaria para Melhor Português de Sempre se, num acesso de insanidade, me dispusesse a alinhar nessa palhaçada.