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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Qui | 27.12.07

Pânico na Enfermaria 3 com o pirilau a encher o pistolão de vidro

Jorge Fiel

Teria sido mais libertador e gratificante aliviar-me no famoso urinol de Marcel Duchamp

 

Comemoram-se hoje 17 dias exactos sobre o dia em que a minha vesícula esclerosada foi extraída no Hospital de Santo António.

 

Sei perfeitamente que a data não é muito redonda (comemorar uma semana, um ano, um mês, sei lá, até 15 dias, seria muito mais adequado, sem dúvida), mas achei que tinha chegado a altura de partilhar com as preclaras e os preclaros amigos da lavandaria os momentos mais marcantes desta experiência.

 

Devo começar por dizer que foi uma limpeza. Desde o «check in», às 7h30 de 2ª feira, dia 10, até ao «check out» , por volta das 12 horas do dia seguinte (tal qual como nos hotéis) decorreram menos de 29 horas. Um espectáculo.

 

Logo à chegada, vi-me rodeado de cinco simpáticas enfermeiras que me preparam para ser operado, após me terem fornecido uma espécie de bata azul com abertura pela retaguarda, que me pareceu bastante indecente (adequada mesmo a práticas sexuais bizarras) e umas cuecas de plástico, tipo slip, transparentes de um mau gosto tão atroz que 16 dias volvidos sobre a ocorrência ainda tenho vergonha de confessar que as usei.

 

A bata é toda aberta atrás, podendo ser fechada através de um cordões a que o próprio não tem acesso (a não ser que se tenha sido acrobata num dos circos da família Cardinalli) , o que me colocou na situação embaraçosa de ter de pedir a uma enfermeira para a atar.

 

Uma hora depois de ter chegado ao hospital estava a entrar no bloco operatório, uma eficiência que só posso aplaudir de pé.

 

Acordei algures entre o meio dia e a uma da tarde, eufórico por não ter qualquer espécie de dores – euforia precipitada, pois não tinha dores apenas porque estava sob o efeito de analgésicos e dos restos da anestesia.

 

Às três da tarde fui transferido para a Enfermaria 3 de Cirurgia 3, que tinha três camas – eu fiquei na mais perto da porta (a junto à janela é melhor pois desfruta-se de uma vista deslumbrante da encosta de Miragaia e do rio Douro).

 

Para não ficarem a pensar que tudo decorreu sob o signo do 3 (a conta que Deus fez) devo informar-vos que Cirurgia 3 fica no 5º piso do edifício novo do Stº António, que foi muito justamente baptizado com o nome do meu amigo e vizinho Luís de Carvalho.

 

Há a reportar dois momentos críticos durante a minha estadia de menos de 24 horas na Enfermaria 3.

 

O primeiro teve a ver com o xixi. O paciente fazer xixi após uma intervenção cirúrgica é um dos pontos da «check list» de médicos e enfermeiras.

 

Como sei isso, não rabujei quando me trouxeram uma peça de vidro com um design interessante, que dava um magnífico decanter (é bem mais bonita que a esmagadora maioria das horrendas peças em exposição no Depósito de Vidro da Marinha Grande), e me solicitarem que urinasse lá para dentro.

 

Eu tenho princípios. E um deles é o de considerar que ultrapassa claramente os limites da dignidade humana estar prostrado numa cama de hospital e ser obrigado a satisfazer as necessidades fisiológicas de carácter sólido numa arrastadeira.

 

Para evitar ter de fazer cocó na cama, adoptei a táctica de recusar as refeições sempre que estou hospitalizado. Fechando a boca evito a arrastadeira. No caso da operação à vesícula, não tive de me maçar a recusar comida – pois em nenhuma altura ela me foi disponibilizada.

 

Já fazer xixi deitado na cama, para dentro do pistolão, é tão inevitável como morrer, pagar impostos e fazer escala no aeroporto de Frankfurt.

 

A bexiga é alimentada pelas litradas de soro que nos vão injectando para a veia durante todo o período de hospitalização.

 

Chegados a esta altura, tenho uma confissão a fazer. Tenho a mania de durante o dia estar sempre a beber água ou chá (na minha secretária de trabalho há sempre uma chaleira, um bule e pacotinhos de chá) . Este exagero deve ser bom para a saúde mas teve o efeito secundário de ter dilatado bastante a capacidade de armazenamento da minha bexiga.

 

Não sei como é convosco. Mas comigo o xixi é um momento de descontracção.

 

Abre-se a braguilha, empunha-se o pirilau e há um «je ne sais pás quoi» de prazer libertador em puxar pelo xixi e deixá-lo correr livremente contra a parede do urinol, durante o tempo que seja necessário até ele se esgotar e nós sacudirmos com vigor as pinguinhas resistentes.

 

Ora, na cama do hospital, deitados de lado com o pirilau metido no pistolão, estamos privados desse prazer. Uma pessoa começa a fazer xixi e logo depois entra em alerta vermelho, pois tem de usar o ABS para travar o fluxo e evitar que transborde por fora.

 

Eu morreria de vergonha se tivesse de carregar no botão para chamar a auxiliar de enfermagem e confessar-lhe que tinha mijado a cama toda.

 

Foram por isso momentos de grande «stress», esses em que enchi sucessivamente dois pistolões e meio de xixi, o que dá ao mesmo tempo a medida do pânico que senti e da enorme capacidade instalada da minha bexiga.

 

(CONTINUA)

 

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