Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Dom | 08.07.07

Relatório detalhado do dia em que me tornei sogro

Jorge Fiel

 

 

 

A Mariana depois de ter se ter vestido de noiva; à porta do quarto 301 do Eagle Rock Best Western

 

 

O reverendo Nixon foi a figura em destaque no dia em que a Mariana me atirou para o estado de sogro, que tem tanto de irremediável como de lamentável.

 

Depois de uma manhã passada a tentar averiguar (sem sucesso) a utilidade do Consulado de Portugal em LA, empreguei o resto do tempo no casamento da minha filha em Palos Verdes, e na boda, em Sierra Madre.

 

Uma actuação surpresa dos Fatso Jetson e uma comensal que debalde tentou conversar com a posta de salmão que tinha no prato (pretendia saber se ele era do Alaska) foram os pontos altos do evento.

 

No dia a seguir, apaixonei-me por uma flamenga desconhecida, que já está a fazer tijolo há mais de três séculos, e jantei em Hollywood, no El Cholo, um restaurante mexicano onde deixei 22 dólares de gorjeta.

 

 

5 Julho 2007 5ª feira

Century City-Palos Verdes- Sierra Madre (LA)

 

Foto LA10

A matrícula do Ford Focus alugado a 44 USD/dia (todos os seguros incluídos) em que andei a fazer de sogro,  LA acima e LA abaixo

 

Sinto que minha sorte começa a mudar. Depois de, na viagem, terem irremediavelmente destruído os fechos da minha Samsonite e de, no dia seguinte, ter ficado sem o passaporte, a desgraça do de hoje foi de proporções bem menos relevantes.

 

Estou a referir-me ao falecimento dos meus óculos de sol azuis (partiram-se, não sei como!) que ganhei numa promoção da Fanta no Verão passado. Três garrafas de 1,5 litros de Fanta laranja pelo preço de duas, e ainda os óculos de brinde, é absolutamente imbatível. Eu até nem bebo Fanta (mas os meus filhos bebem), mas tratava-se de uma oferta irrecusável.

 

Bem vistas as coisas, os óculos da Fanta portaram-se à altura. Duraram cerca de um ano e proporcionaram-me um belo almocinho no Luca com a Ana Marques, que como é muito querida me ofereceu uns óculos escuros da Ana Salazar metidos dentro de uma garrafa de Fanta vazia.

 

Em honra dos serviços prestados, os óculos da Fanta vão ficar sepultados algures em Los Angeles – muito provavelmente vou esquecer-me deles no porta luvas do carro.

 

O dia de hoje dividiu-se em duas partes. A manhã foi consagrada ao início do esforço para obter um documento de viagem que me permita regressar à pátria.  A tarde e a noite foram integralmente preenchidas pelo casamento da minha filha Mariana.

 

Às nove em ponto da manhã telefonei para o Consulado Português em Los Angeles. Fui atendido por um gravador que debitou, em inglês e em português, uma simpática mensagem. Não, não me tinha enganado no número, estava mesmo a ligar para o Consulado, mas fora da hora de expediente, que se inicia às 10h30 e se interrompe às 13h00. Se eu quisesse deixar uma mensagem… Não quis!

 

Às 11 horas lá estava eu a tocar à porta do nosso consulado em LA, no 1801 da Avenue of the Stars (nome bonito não acham?), em Century City, o outro local além da «downtown» onde os arranha céus marcam a paisagem – um deles foi usado como cenário real para o primeiro filme da série Die Hard.

 

Foi o próprio cônsul que me abriu a porta. Não pareceu satisfeito por me ver. Quando lhe resumi a situação (tinham-me roubado o passaporte no dia anterior no passeio em frente ao Teatro Chinês) ele respondeu: «Temos aqui um drama». Esta frase dele não me sossegou.

 

A cena seguinte desenrolou-se connosco de pé, na acanhada entrada do escritório. Edmundo Macedo (assim se chama o nosso cônsul em LA) confessou a sua enorme impotência. Na Califórnia, apenas o Consulado Geral de Portugal em S. Francisco me podia resolver o assunto.

 

Posto isto, deu-me o telefone do consulado em S. Francisco e disse-me para falar com a Júlia. Peguei no telemóvel e fiz logo a chamada. O Edmundo Macedo parecia apressado, mas eu não queria sair dali a seco.

 

A Júlia foi eficiente. Uma vez que vou sair da Califórnia na terça feira, de manhã cedo, e preciso de um documento oficial de viagem (passaporte é impossível) que me habilite a entrar no avião da US Airways, tinha de fazer chegar até amanhã de manhã os seguintes documentos:

 

1. Exposição com a minha identificação e o relato das circunstâncias em que o passaporte foi roubado;

 

2. Fotocópia da queixa apresentada no LAPD;

 

3. Fotocópia do BI;

 

4. Duas fotografias.

 

Deste pacote apenas as fotos não podiam seguir por fax.

 

No retorno do correio, acrescentou a Júlia, o Consulado Geral de S. Francisco enviaria para o Consulado (particular?) de LA o documento de viagem, que, se tudo correr bem, está lá na 2ª feira de manhã.

 

Com tudo isto combinado, o Edmundo Macedo despediu-se de mim. Fui redigir a exposição, tirar as fotocópias, procurar um sitio para enviar os faxes e uma estação dos correio para mandar as fotografias tipo passe (por acaso tinha duas na carteira).

 

Após as cerca de duas horas gastas a completar esta operação, a minha pobre cabecinha foi invadida por um reflexão: ficar sem o passaporte fica muito caro. Senão vejamos:

 

Estacionamento no edifício do Consulado……………….…  15,00

Faxes ………………………….…… ……………………..    6.00

Despesas Correio Expresso ...............................................   37.90

Custos da emissão do documento ………………................. 13.69

Total: 72.59 USD

  

Refira-se a gentileza dum escritório de latinos, situado no edifício do Consulado de Portugal, que não me cobrou nada pelas fotocópias. E tenha-se em atenção que esta adição não contabiliza nem as horas perdidas, nem o stress – e muito menos a gasolina.

 

Se chegou até aqui e ainda não encontrou a resposta à pergunta: Para que serve o Consulado de Portugal em Los Angeles?, tenho de lhe dar os meus parabéns. Não está sozinho. Eu também ainda não a achei.

 

Despachado este espinhoso dossier pude concentrar-me nos preparativos finais do casamento da minha filha, o que me conduz à segunda grande reflexão do dia: a noção de tempo é completa e absolutamente subjectiva.

 

No início desta odisseia matinal, a Mariana e a mãe ficaram no «hairdresser» Violet & Olga (duas arménias). No final da minha aventura no reino da papelada, elas ainda lá estavam e declaravam precisar de mais «uns 20 minutinhos» - que se revelaram, na realidade, mais de meia hora.

 

Comecei a sentir-me sogro quando, por volta das seis da tarde, comecei a viagem para Palos Verdes a bordo do Ford Focus (modelo com traseira), alugado na Entreprise (olá Star Trek, que saudades!), com a minha filha vestida de noivo no banco de trás.

 

Palos Verdes fica bem a sul de Los Angeles e trata-se daqueles locais em que, se nos perguntassem se nós queríamos mudar para lá, não hesitávamos nem um segundo a responder que sim.

 

A viagem durou mais de uma hora, mas o local para a cerimónia pareceu-me bem escolhido. O casamento foi ao ar livre, num pequeno promontório na escarpa, em cima da praia. Não éramos muitos. Os noivos, o reverendo Nixon, eu e mãe da Mariana, a mãe (Beatrice) e os irmãos (James e Robert) do Tom, o Oceano Pacífico – e ainda o casal Melanie e o Olrik (não sei se o nome dele se escreve tal como o do vilão do Blake & Mortimore, mas pelo menos lê-se da mesma maneira), os amigos do Tom que asseguraram gratuitamente a reportagem fotográfica da cerimónia.

 

Apreciei bastante a figura do reverendo Nixon, que compareceu com um daqueles rádios leitores de CD tipo tijolo que accionava por um comando à distância assegurando assim a banda sonora do evento (a marcha nupcial, quando eu e a mãe da Mariana a levávamos em direcção ao local onde ela deu o nó, e assim por diante).

 

O reverendo Nixon também brilhou a grande altura com a coreografia simples que ensaiou para a cerimónia e o poético discurso que produziu. A coisa correu tão bem que eu até fiquei com vontade de ser casado pelo reverendo Nixon.

 

O casamento foi bem a sul de LA, mas a boda foi bem a norte, no café 322, um restaurante italiano em Sierra Madre.

 

Aqui é que não houve dúvidas. Não só estava oficialmente transformado em sogro («in law», agora sou um «in law», sabiam?) como, ainda por cima, parecia um sogro, a conduzir durante mais de uma hora, através do trânsito do fim do dia em LA, com a minha filha vestida de noiva e o seu recém marido alojados no banco de trás.

 

Durante a viagem, quando não estavam a fumar, davam beijinhos, tratavam-se de «sweetie» para cima e de «sweetie» para baixo, e repetiam «I love you» como se não houvesse amanhã. Valha-nos Deus!.

 

O jantar foi ao ar livre (bom) e ao elenco da cerimónia de Palos Verdes, juntaram-se dois membros de uma das bandas do Tom (ele toca bateria em três bandas!, sabe-se lá porquê em três bandas - é uma das coisas que eu tenho de averiguar…)  e respectivas queridas.

 

Foi um casamento latino.  Noiva portuguesa. Restaurante italiano. Vinho espanhol (bastante razoável e generosa oferta da casa o que foi excelente porque permitiu manter a conta dentro dos três dígitos).

 

O jantar correu bem. A mais estranha ocorrência terá sido o facto de uma das comensais ter sido surpreendida a conversar com a comida (perguntava insistentemente ao salmão se ele era do Alaska, mas, como é bom de ver, a posta parecia muda e recusava-se a responder). Depois do bolo da noiva, e de termos esvaziado o Vintage Quinta das Vargellas 87,  foi o «show time».

 

Os Fatso Jetson (banda de que eu, confesso, nunca tinha ouvido falar, mas parece que tem o seu cartaz) resolveram surpreender os convidados para o casamento da Mariana e do Tom com uma actuação privada. Foi ok!

 

     

 

6 Julho 2007 6ª feira

Santa Mónica (LA) 

 

Hand of a woman, 1654, óleo em madeira (49,2 cm x 38,2 cm), do flamengo Michael Sweerts, Colecção J. Paul Getty Museum

 

 

No «day after», após num «brunch» em família (os sete de Palos Verdes, reverendo Nixon e Ocenao Pacífico obviamente excluidos) o programa foi conjunto e cultural. Passamos a tarde no J: Paul Getty Museum, em Santa Mónica. A sugestão foi o James (irmão do Jimmy) e revelou-se excelente.

 

O Museu Getty começa por surpreender pela sua espantosa localização. Depois é a vez da sua rica colecção nos impedir de fechar a boca. Vale bem o investimento de um dia inteiro. As fantásticas panorâmicas, os jardins (em especial o dos cactos), o Garden Terrace Café aseguram um óptimo intervalo quando os olhos se cansam da arte.

 

A entrada no Museu Getty é gratuita. O estacionamento custa oito dólares, um preço fixo, independentemente do número de pessoas e do tempo que lá passarem.

 

Os lírios de Van Gogh, alguns Cézanne, Renoir, Degas, Goyas, Manets e muitos Rembrandts são as vedetas na área  que mais precio (a pintura).

 

O que mais me apaixonou, pela novidade, foram dois retratos femininos. Um de Marie Frederike von Reede-Athlone at Seven Years of Age (1755), do suíço Jean-Éttiene Liotard, e a cabeça de mulher que abre esta entrada dos meus diários californianos.

 

Após alguma hesitação, decidi-me pela mulher pintada pelo Sweerts. Se pudesse levar para casa um quadro a que nunca tivesse sido apresentado, seria este que escolheria.

 

Impressionou-me muita a capacidade do pintor flamengo em retratar no drama de uma mulher desconhecida, cujo sorriso forçado não consegue dissimular o envelhecimento prematuro de uma cara que foi, sem dúvida, muito bela, mas que uma vida dura e amarga se encarregou de arruinar, como nos conta o seu olhar triste e baixo.   

 

O jantar foi no El Cholo, uma pequena mas bem sucedida cadeia local de restaurantes mexicanos, que se iniciou em Santa Barbara, no longínquo ano de 1922, quando Alejandro Borquez, encantado com a comida preparada pela sua bela noiva Rosa, se virou para ela e lhe disse: «You are such a good cook we should open a restaurant». E se bem o pensaram melhor o fizeram.

 

Aproveito para sossegar os vossos espíritos,. Não sou um seguidor do Pedro Luís Castro (ver «best of» dos Tesourinhos Deprimentos dos Gatos). Não trago as ementas dos restaurantes. Limitei-me a copiar a frase desarmante dita por Alejandro à bela Rosa – e a pedir ao empregado David uma cópia da breve história do El Cholo.

 

Para acabar, fiquem a saber que ter um genro pode não ser completamente inútil. Quando perguntei ao Tom quanto devia deixar de gorjeta, ele ensinou-se um truque infalível: «Double the tax». Lá deixei 22 dólares.

 

Ita missa est

 

(Li no LA Times que o Papa está com saudades da missinha em latim…)

 

 

Pormenor dos jardins dos cactos no Museu Getty