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Lavandaria

por Jorge Fiel

Lavandaria

por Jorge Fiel

Sex | 26.01.07

Do sabão macaco ao Magno, com escala no Lux, o sabonete usado por nove em cada dez estrelas

Jorge Fiel

 

Comecei com sabão azul. Traí o Lux com o Musgo Real e o Rexina. Apaixonei-me pelo Lifebuoy, que de um momento para o outro desapareceu da minha vida. Agora vivo feliz com o Magno, a que já fui infiel, por questões logísticas

 

Na casa dos meus pais, a substituição do sabão azul pelo sabonete foi a mais séria consequência da tímida modernização desencadeada pela Primavera marcelista e os seus sonhos falhados de abertura e Reconversão Industrial.

 

A introdução do sabonete foi o sinal doméstico mais forte do afrouxar do nó da gravata salazarista. O sabão azul. aka sabão macaco, era comprado em cubos habilmente cortados da barra com um enorme facalhão pelo dono da drogaria que usava um longa bata cinzenta , para proteger as suas roupas do dos pós e pingas que fatalmente as atingiriam no decorrer das operações de manuseamento das matérias primas. À época, Portugal vivia ainda na Pré-História dos produtos pré-embalados.

 

Eu sempre me dei bem com o sabão macaco. Apenas me desagradava a rude aspereza inicial, que desaparecia ao fim das primeiras lavagens. Com o uso, as arestas iam-se arredondando e o sabão azul tornava-se tão amigavel e maneirinho para as mãos como o sabonete.

 

Sim. foi o Lux, o sabonete preferido por nove em cada dez das estrelas de cinema, que destronou o sabão macaco na casa dos meus pais.

 

O Lux atacou o nosso mercado com um intenso «blitz» de marketing e publicidade. Quem poderia resistir à tentação de usar o mesmo sabonete que percorria o corpo da fabulosa Elisabeth Taylor, que nos tinha posto todos a babar com a sua entrada na piscina, em Cleópatra? A respostas certa é ninguém (não confundir com o romeiro homónimo da peça Frei Luís de Sousa, de Garrett).

 

Convertido ao sabonete desde a adolescência, fui ao longo da vida traindo o Lux, o meu primeiro amor, com a marca mais barata ou que se apresentava numa embalagem mais gira, até que no virar dos meus 30 anos fui assaltado por uma arrebatadora, embora fugaz, paixão pelo Lifebuoy. Meus Deus!. Aquele cheiro intenso.. Era mesmo assim que eu queria cheirar!.

 

O Lifebuoy era aquele tipo de sabonete a que ninguém fica indiferente. Ou o amavam (era o meu caso) ou o odiavam.. Eu ainda estava apaixonado por ele quando a nossa relação foi interrompida abruptamente, com grande mágoa minha, pelo seu inexplicável desaparecimento das prateleiras dos supermercados. Estou em crer que a a sua produção foi descontinuada (sinónimo em economês para a expressão deixou de ser fabricado).

 

Ao longo dos anos que se seguiram a este súbito perda, fui mantendo relações ocasionais, sem grande compromisso, com diversas marcas, tão fortuitas que não tenho vergonha de confessar que já esqueci a maior parte dos nomes. Recordo-me do Feno de Portugal, do Musgo Real, do Rexina - para me lembrar de mais teria de fazer um tão enorme como desnecessário esforço de memória.

 

Até que, há uns dez anos, fui apresentado ao sabonete Magno pelo meu preclaro amigo e jornalista Carlos Magno, que foi educado no catolicismo mas desde muito novo se converteu ao narcisismo. (1)

 

Não foi um «coup de foudre». Longe disso. Nos nossos primeiros encontros, estranhei as suas formas robustas, enormes bem como a cor preta. Depois, bem, depois, aconteceu o mesmo que acontece com a Coca Cola.  Entranhou-se em mim. (2)

 

Nos primeiros tempos nem sempre lhe consegui ser fiel. Por uma questão logística, bem entendido. Longe da vista, longe do coração, diz o povo na sua imensa sabedoria. Para comprar Magno tinha de ir à Galiza, ou encomendar a quem lá fosse. Até que o posterior desembarque em força  no nosso país das cadeias Froiz (supermercados) e El Corte Ingles resolveu esta delicada questão do abastecimento.

 

A felicidade em que vivo com o sabonete Magno é apenas turvada por um ligeiro mal estar derivado do facto de ele não ser «made in Portugal» e de eu ser um fervoroso militante do Compre Português. Tento atenuar esse leve sentimento de culpa repetindo a mim mesmo que como é galego o Magno não é bem um produto espanhol. É, pelo menos, meio português.

 

(1) Piada nova, inventada pelo Woody Allen. Aprendi-a no Scoop.

 

(2) Piada velha, inventada pelo Fernando Pessoa.